Arquidiocese de Braga -

3 junho 2013

Pão partilhado é pão abençoado!

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Homilia na Solenidade do Corpo de Deus, na Sé Catedral.

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Pão partilhado é pão abençoado!

Homilia na Solenidade do Corpo de Deus

1. Experiência humana

Sem dúvida que, de entre as diversas mercearias da nossa cozinha, o alimento mais popular entre nós é o pão. Um alimento descoberto há 6000 mil anos na Mesopotâmia e que, mais tarde, durante a civilização egípcia, começou a ser fermentado e consumido tal como nos dias de hoje. Daqui surgiram depois as primeiras padarias, criadas pelos hebreus na cidade de Jerusalém, e, com a chegada do Império Romano, este alimento difundiu-se por toda a Europa, graças à criação de escolas especializadas neste fabrico.

Contudo, só passados apenas 4000 anos de fabricação deste alimento, chegou alguém capaz de nos indicar o modo correcto de consumir este alimento, como escutávamos no evangelho de hoje. Ora, e se é verdade que a sabedoria popular nos ensina que “pão comido é pão esquecido”, Jesus, porém, opta por uma outra lógica: “pão partilhado é pão abençoado!” (isto é, aprovado por Deus).

2. Liturgia da Palavra/Reflexão Teológica

Neste sentido, o excerto da Primeira Carta aos Coríntios, que escutávamos na segunda leitura, apresenta-nos a narração mais antiga da instituição da eucaristia: o momento em que Jesus partilhou o pão e o vinho, pedindo aos seus discípulos que repetissem aquele gesto, fazendo assim o memorial da sua Paixão.

De facto, quando estamos reunidos à volta da mesma mesa (eucarística), partilhamos a mesma identidade e comemos sempre o mesmo pão, encontrando aí o fundamento da nossa unidade e vida fraterna. [1] E como foi belo este momento de unidade em que, simultaneamente em todo o mundo, fizemos uma adoração eucarística sincronizada com o Papa Francisco, contemplando Jesus, o verdadeiro Pão do Céu, porque acreditamos na sua presença real na hóstia consagrada.

Aliás, todas as nossas vidas encaixam nesta metáfora do pão, pois elas também são constantemente semeadas, regadas, crescidas, maturadas, ceifadas, amassadas e cozidas na trama do quotidiano. Mas se todas as vidas são pão, nem todas são eucaristia, ou seja: oferta radical de si aos outros, serviço e partilha. [2] E porquê? Porque “a eucaristia não se cinge ao mero acto celebrativo. E o gesto do lava-pés, evocado em Quinta-Feira Santa, revela o seu sentido missionário.” [3]

[A propósito, achei pertinente o belo testemunho da actual Ministra Assunção Cristas, que também esteve presente no nosso evento Átrio dos Gentios, e que, num recente programa televisivo, admitiu a necessidade de participar na eucaristia dominical para aí receber um pouco de tranquilidade e sentido na sua vida. [4] ]

3. Desafios Pastorais

O mundo espera dos cristãos esse fermento do amor, da partilha e da fé que marca a diferença em tantos ambientes hostis. Ao vivermos o Ano da Fé, não foi inadvertidamente que pedi a constituição de Grupos de Fé e a celebração paroquial ou interparoquial do Dia da Fé.

Trata-se de re-descobrir, em comum, o tesouro da fé e programar iniciativas, nunca de mera índole festivo, mas sempre suscitadoras de compromissos concretos, que matem a fome de alimento, justiça, liberdade, dignidade e paz de tanta gente.

Como nos adverte o cartaz do Ano Pastoral, espalhado pelas igrejas da Arquidiocese, entrar na Porta da Fé é, paradoxalmente, sair para o mundo, não para o condenar, mas para o purificar!

Para terminar, gostaria de partilhar um texto daquele que foi um autêntico mártir da Eucaristia, Bispo D. Oscar Romero: “Como é bonita a missa, sobretudo quando é celebrada numa catedral cheia como a nossa, aos domingos! Ou quando é celebrada humildemente nas capelas das povoações com pessoas cheias de fé, que sabem que Cristo, o rei da Glória, o sacerdote eterno, acolhe tudo o que Lhe trazemos da semana: penas, fracassos, esperanças, projectos, alegrias, tristezas e dores. Irmãos, quantas coisas cada um de vós leva para a sua missa dominical! O eterno Sacerdote acolhe-as nas suas mãos e, através do homem sacerdote que celebra, eleva-as ao Pai. É o fruto do trabalho de toda esta gente. Unida ao meu sacrifício presente neste altar, essa gente torna-se divina. Quando sai da Catedral continua a trabalhar, a lutar, a sofrer, mas sempre unida ao eterno Sacerdote que permanece presente na Eucaristia para que O saibam encontrar no próximo domingo.” [5]

Com base neste belo testemunho eucarístico, há aqui uma grande lição a reter: que, na eucaristia, também coloquemos sobre o altar o pão da nossa vida, tantas vezes cicatrizado pelas feridas da nossa pouca fé, para ser de novo amassado e revitalizado pelas mãos de Deus! E, uma vez alimentados pela sagrada comunhão, ficamos fortalecidos para contagiar o mundo com o fermento do amor, através do exercício da caridade.

Por isso, peço-vos apenas que não vos esqueçais deste slogan: “pão partilhado é, sem dúvida, um pão abençoado!”

+ Jorge Ortiga, A.P.

2 de Junho de 2013, Sé Catedral de Braga.



[1] Cf. Igreja Viva (Suplemento do Jornal «Diário do Minho», 30 de Maio de 2013), A Igreja alimenta-se da Palavra – Solenidade do Corpo de Deus, 6.

[2] Cf. José Tolentino Mendonça, Pai-Nosso que estais na Terra, 106-107.

[3] D. Jorge Ortiga, A ortopraxis eucarística. Homilia na Solenidade do Corpo de Deus – 2012.

[4] Cf. Programa “Alta Definição” (SIC), 2 de Março de 2013.

[5] Oscar Romero, A doce violência do amor, 44-45.