Arquidiocese de Braga -
12 junho 2013
A BARCA DA FÉ
Homilia na celebração dos 499 anos da fundação da Diocese do Funchal.
A barca da fé
Homilia na celebração dos 499 anos da fundação da Diocese do Funchal
1. Experiência Humana
Conta-se que era uma vez uma nota musical que disse: “Não é uma nota que faz a música”, e, por consequência, já não houve música. Depois uma palavra disse: “Não é uma palavra que faz um livro”, e aconteceu que já não houve livro. Em seguida, uma pedra disse: “Não é uma pedra que faz uma casa”, e aconteceu que já não houve casa. Depois, uma gota de água disse: “Não é uma simples gota de água que faz um rio”, e aconteceu que o rio secou. Olhando para isto, o homem aproveitou e disse também: “Oh, não é um gesto de amor que poderá salvar a humanidade.” E o que é que aconteceu? Começou a surgir à sua volta um ambiente de injustiça, violência e egoísmo. [1]
2. Liturgia da Palavra
Posto isto, Jesus no evangelho de hoje apresenta-nos as condições necessárias para a prática de simples gestos alternativos, que podem marcar a diferença. [2] Mais do que uma aula de engenharia civil, Jesus serve-se de uma imagem do quotidiano para explicar aos seus discípulos as bases da casa da nossa fé.
Por isso, com realismo e honestidade, não queiramos correr o risco do homem insensato, que construiu a casa sobre a areia. Jesus apresenta-nos o melhor seguro contra todos os riscos: a obediência à Palavra. Um seguro que resiste às chuvas dos preconceitos e do legalismo, às torrentes do conformismo e da corrupção, e aos ventos da mediocridade e do egoísmo.
3. Reflexão teológica
E Tal como afirma o documento Verbum Domini nos n.º 90-120, é desta obediência à Palavra de Deus que deriva: toda a missão da Igreja, o anúncio do Reino de Deus, a nova-evangelização, o testemunho cristão, a promoção da justiça, a defesa dos direitos humanos, a paz entre os povos, a caridade activa, as implicações vocacionais, a compreensão do sofrimento, a pobreza a escolher ou a combater, a defesa da natureza (ecologia), o reconhecimento do valor e importância da cultura, o uso correcto dos meios de comunicação, o valor do diálogo inter-religioso e a necessidade vital da liberdade religiosa.
Deste modo, o Papa Bento XVI institui este Ano da Fé, não só para celebrar o jubileu do Concílio Vaticano II, mas também para redescobrirmos os alicerces da casa da nossa fé [3] , fazendo com que esta produza frutos. Aliás, gostaria de recordar as palavras da sua homilia no Terreiro do Paço, em Lisboa, aquando da sua visita a Portugal, em 2010: “Glorioso é o lugar conquistado por Portugal entre as nações pelo serviço prestado à dilatação da fé: nas cinco partes do mundo, há Igrejas locais que tiveram origem na missionação portuguesa.”
4. Aniversário da Diocese do Funchal
Sem dúvida que o arquipélago da Madeira veio a tornar-se uma plataforma estratégica da expansão ibérica entre o mundo conhecido e o mundo ainda desconhecido, e a Diocese do Funchal, por inerência, tornou-se também numa ponte estratégica de evangelização entre a Europa cristã e as religiões/religiosidades do resto do mundo.
Celebrar os 499 anos da fundação desta diocese, que fora a maior do mundo na época, é fazer memória dos milhares de missionários que por aqui passaram e desejar esse glorioso ardor missionário, de modo a comunicar Jesus Cristo aos milhares de turistas que por aqui passam e edificar “comunidades cristãs, vivas e apostólicas”, como determina o programa do vosso triénio pastoral. Sabemos como é importante a missão na vida da Igreja e como o mundo espera de nós, cristãos, um contributo diferente para a edificação da sociedade.
A propósito, é interessante notar como o programa Erasmus das universidades europeias tem transportado inúmeros alunos pela Europa, e, a título de exemplo, como as ideias destes alunos ocidentais acabaram por derrubar recentemente a islamização política da Turquia. Do mesmo modo, podem crer que com a fé acontece o mesmo: além de mover montanhas, ela também é capaz de decifrar a prece que o nosso silêncio esconde, de nos segurar com o fio da esperança e de transformar silenciosamente a vinha do mundo.
Muitas vezes somos questionados sobre o que a Igreja deve ou pode fazer para mudar a sociedade. Há muitos planos estratégicos, mas sem o contributo de cada um, que por vezes até pode parecer insignificante, isso nunca acontecerá! Daí que me atreva a pedir-vos uma redescoberta da verdadeira identidade cristã, a nível pessoal e comunitário. Não são precisos grandiosos projectos para mudar a sociedade, basta que a vida de cada um e das comunidades se transformem em fidelidade ao Espírito! E a aposta inicial é o caminho da caridade activa, como nos sugere o Papa Francisco.
Para terminar, diz-nos o poeta Fernando Pessoa que “todo e qualquer gesto é um acto revolucionário”. Portanto, e ao contrário da história inicial, não nos esqueçamos que há pequenos gestos de amor que podem criar um ambiente sadio à nossa volta, que podem dar testemunho da nossa fé, e mais do que isso: que podem restituir à ilha da Madeira a ousadia missionária que já teve no passado, não permitindo que a barca da fé fique estacionada no porto marítimo!
+ Jorge Ortiga, A.P.
Funchal, 12 de Junho de 2013.
[1] Cf. Pedrosa Ferreira, Toma e Lê, 137.
[2] Cf. D. Jorge Ortiga, Gestos Alternativos – Mensagem para a Quaresma 2013.
[3] Bento XVI, Porta Fidei, 9.
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