Arquidiocese de Braga -

16 junho 2013

TERRA DE HOSPITALIDADE

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Homilia na celebração evocativa dos 150 anos do Santuário do Sameiro.

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Terra de Hospitalidade

Homilia na celebração dos 150 anos da edificação do Santuário do Sameiro

1. Experiência humana

No passado sábado à noite, pudemos ver na RTP1, uma excelente entrevista da jornalista Fátima Campos Ferreira à jovem Sara Norte. Uma jovem que, depois de um início de carreira promissor enquanto actriz, viu a sua vida familiar a desmoronar-se por completo, por causa da participação do seu pai no programa Big Brother VIP em 2002, o que originou posteriormente o divórcio do casal. Depois de inúmeras peripécias, ela envolve-se no mundo da droga e acaba detida, sendo depois condenada a 16 meses de prisão.

Uma vez cumprida esta pena, há um gesto impressionante que esta jovem faz, no momento em que saiu da prisão, no passado dia 4 de Junho: logo que chega cá fora, ela deita fora a mala que tinha levado para a prisão, como forma de expressar simbolicamente o desejo de começar uma vida nova, deixando para trás um passado vergonhoso, tal como ela própria contou na entrevista.

2. Liturgia da Palavra

Partindo desta história verídica, o evangelho de hoje relata-nos também a história de uma mulher, que apesar de um passado vergonhoso e imoral, decidiu recomeçar uma vida nova. A cena decorre no dia em que Jesus foi convidado por Simão, um fariseu importante, para almoçar em sua casa.

As coisas até pareciam estar a correr na perfeição, mas a determinado momento eis que o inesperado acontece: esta mulher entra em sua casa e a sua presença cria um escândalo geral, onde todos aguardam com expectativa a recção de Jesus.

Porém, se ela estava habituada a ser desprezada por toda a gente por causa do seu passado vergonhoso, Jesus, pelo contrário, não a rejeita nem a expulsa, e acolhe-a com todo o respeito, tal como devem ser acolhidos todos os seres humanos.

Neste sentido, Jesus revela-lhe que, apesar das suas faltas cometidas, aquele gesto de perdão em lavar-lhe os pés, revela o seu arrependimento e o seu propósito em recomeçar uma vida nova, tal como aconteceu com a jovem actriz Sara Norte. E, por isso, Deus perdoa-lhe os pecados e dá-lhe uma nova oportunidade, porque Deus nunca a deixou de a amar! Logo, se a plateia ficou escandalizada com o gesto daquela mulher, mais escandalizada ficou ainda com o discurso misericordioso de Jesus!

3. Desafios Pastorais

Diante desta passagem bíblica, e na qualidade de discípulos de Cristo, nós não podemos ficar indiferentes aos actuais actos de discriminação na sociedade. Aliás, a nossa voz não se pode calar diante de tais atitudes que matam a dignidade de tanta gente, pois como dizia esta semana o Papa Francisco: “A riqueza da Igreja está em anunciar com gratuidade o Senhor Jesus.”

Temos a graça duma mensagem que o Santo Padre dirige nesta ocasião e que será lida no final da Eucaristia. Há uma passagem que gostaria de citar como marca desta efeméride. Ele convida, neste tempo de crise, a um compromisso de darmos as mãos para que esta terra se converta naquilo que a mãe do céu deseja, mediante três caminhos: “uma terra onde impere a hospitalidade, a capacidade de dialogar, de compor mais do que opor” [1] .

Para Braga, e para o nosso país, é chegado o momento de renovarmos a tradicional característica de viver a hospitalidade, sabendo acolher os necessitados de pão material mas, sobretudo, do dom do perdão que esquece passados e impela a enxertar vidas novas. Por vezes, somos peritos em marginalizar mas preguiçosos em acolher.

Praticar a hospitalidade é exercitar quotidianamente uma grande capacidade de acolher a diferença, num olhar vincadamente ao jeito de Cristo, que se inicia com o diálogo. Dialogar não é impor uma ideia pessoal, mas procurar em conjunto a melhor ideia. É um facto que existem autênticos blocos de interesses pessoais ou ideologias de índole social que impedem a felicidade dos mais fracos. O problema já é antigo, pois o próprio Jesus viu-se confrontado com isso.

Mais do que nos opor a esses blocos e viver em atitude de permanente confronto, o Santo Padre pede-nos um exercício da arte de compor, levando-os a retractarem-se mediante um diálogo construtivo e fundamentado na lógica do amor.

Dar as mãos e procurar os pontos, por pequenos que sejam, que unem, é o segredo duma felicidade comum e paradigma para um modo de agir que vai certamente ultrapassar a crise.

4. Aniversário do Santuário do Sameiro

Ao celebrarmos os 150 anos do início da edificação deste Santuário,

que se define como o autêntico Coração do Minho [2] , acarreta-nos a responsabilidade de cultivar esta espiritualidade de Maria, ela que foi a Imaculada Conceição.

Portanto, se todos cometemos pecados, como escutávamos na primeira leitura, a nossa fé professada [3] no Deus que é Amor e que é Perdão, não nos permite viver aprisionados ao erros e às falhas cometidas no passado. E tal como aquela mulher do evangelho e a jovem actriz Sara Norte, temos de ter a coragem de dar o passo e, por inerência, de recomeçar uma vida nova, até ao dia em que possamos afirmar como Paulo: afinal, já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim!

Por tudo isto, rezemos para que a nossa terra de Braga e Portugal seja essa terra de hospitalidade, diálogo e arte de compor as diferenças!

+ Jorge Ortiga, A.P.

Santuário de Sameiro, 16 de Junho de 2013.



[1] Cf. Mensagem de Sua Santidade, Papa Francisco, à Arquidiocese de Braga por ocasião dos 150 anos do Santuário do Sameiro (in www.arquidiocese-braga.pt).

[2] Cf. D. Jorge Ortiga, Coração do Minho, Homilia na Peregrinação Arquidiocesana ao Sameiro – 2013.

[3] Cf. Programa Pastoral da Arquidiocese de Braga – 2012/13.