Arquidiocese de Braga -
20 maio 2014
D. EURICO DIAS: GOSTEI MUITO DE SER BRACARENSE
"Confesso sinceramente que foi para mim uma surpresa a projectada homenagem da Arquidiocese de Braga e do Cabido Metropolitano." Em memória de D. Eurico, recuperamos a sua última entrevista ao suplemento Igreja Viva, 1 de março de 2012.
O Museu da Sé vai homenageá-lo na próxima terça-feira. Como se sente perante este gesto de reconhecimento e gratidão?
R_ Confesso sinceramente que foi para mim uma surpresa a projectada homenagem da Arquidiocese de Braga e do Cabido Metropolitano. Conheço o texto do convite, não por mo terem enviado, mas por alguém que o recebeu e mo mostrou. Quando me aludiram a esse projecto, mostrei a minha estranheza e mesmo relutância; não por ser costume tal reacção, mas por convicção. Entendo não haver motivo para isso; aliás os pretextos da mesma já ocorreram há bastante mais de um ano. Pelo que respeita ao Cabido, trata-se de alguns valores que conto ficarem bem nas suas mãos. Aponto, entre outras, a cruz peitoral que usei antes de vir para Braga e fora oferta da família, e o anel episcopal com a imagem de Nossa Senhora em relevo, que pertenceu ao último “Cardeal da Coroa“, D. Américo Ferreira da Silva, Bispo do Porto no final do século XIX. Acrescentei várias outras lembranças, conservando ainda algumas outras que entregarei ao Director do Museu, se ele entender que há nisso algum interesse. Era minha intenção deixar tudo isso por ocasião da minha morte, mas, após madura reflexão, achei preferível fazê-lo em vida, para prevenir eventuais dúvidas e complicações.
Os familiares não estranham tal decisão?
R_ Desde já digo que informei os meus irmãos e sobrinhos para nada esperarem receber de mim, após a minha morte. Quanto aos bens patrimoniais ou de raiz – nunca tive outros que não fossem os da herança familiar – já os fiz reverter para eles. Insisti com os dois irmãos, então sobreviventes (dois outros haviam falecido solteiros), que distribuíssem tudo por ambos, excluindo-me a mim, como sucedeu.
Globalmente, como encara ou aprecia a sua passagem pela Arquidiocese de Braga?
R_ Nada mais fiz do que cumprir um dever espontâneo de consciência e gratidão. A Arquidiocese de Braga é, sem dúvida, uma das mais importantes dioceses do país: pelo número de habitantes – ou seja, a terceira, com um milhão aproximadamente – pela elevada vivência religiosa generalizada e pela rica história que traz consigo; com razão se intitula Primaz.
Qual é a maior riqueza da Arquidiocese e da cidade de Braga? Gostou de ser bracarense?
R_ Gostei muito de ser bracarense, principalmente pela maneira de ser desta gente. Por isso, decidi permanecer em Braga após a minha aposentação – ou passagem a emérito, como hoje se diz – não obstante a tentação de me retirar para Coimbra, ou para a aldeia natal, nos confins de Pampilhosa da Serra, terras de que muito gosto.
A sua voz revelou-se fundamental no seio da sociedade portuguesa. Qual acha que pode ter sido o seu maior contributo, em termos de intervenção pública, no período da sua prelazia?
R_ Não sei se a minha voz alguma vez foi fundamental na sociedade portuguesa. Acho-a demasiado modesta para assim ser classificada. Apenas me parece nunca ter feito silêncio quando entendia ser necessária ou oportuna a minha intervenção, mesmo que apagada ou tímida.
Os tempos mudaram e a própria estrutura da Igreja bracarense também. Como olha hoje para a Arquidiocese de Braga?
R_ O tempo está em evolução contínua e arrasta consigo instituições e mentalidades. Mas há sempre algo que permanece. Importa aproveitar e valorizar o que é perene; ter em conta a evolução e adaptarmo-nos às novas situações. Para isso, bastar estar atento: não nos agarrarmos exageradamente ao passado, embora se tenha na devida consideração e se aprenda com ele.
E olhando para a Igreja Católica em concreto, o D. Eurico é o último participante português do Concílio Vaticano II, que este ano comemora o 50.º aniversário da sua abertura. Acha que a acção imprimida pelo Concílio já foi aplicada em toda a Igreja? O que pensa que falta fazer, para que a Igreja se adapte e abra às exigências do presente?
R_ De facto, já faleceram todos os Bispos conciliares portugueses, excepto eu; e foram mais de quarenta. Só participei nas duas últimas sessões, ou seja, quase no seu rescaldo. Fui nomeado Bispo entre a segunda e a terceira sessão em 1964 e, de imediato, fui convocado para o Concílio. Apesar de resumida, foi para mim experiência singular e muito importante. Sentia-me pequeno no meio daquela multidão de distintos membros da Igreja universal: cerca de três mil. O meu voto, apagado e tímido, tinha o mesmo valor do que provinha dos mais distintos Bispos de todo o mundo. A aplicação do Concílio tem sido lenta. Encontram-se resistências de vária ordem, algumas provindas mesmo de órgãos centrais da Santa Sé. Importa ter paciência e persistência. Há quem comece já a pensar num Vaticano III.
Esteve à frente dos destinos de uma Arquidiocese com uma longa história, em que a Igreja teve papel social muito activo. Dos seus 132 antecessores (contando a partir de D. Paterno), qual destacaria na cátedra bracarense?
R_ Entre os meus antecessores – mais de uma centena – há muitos que se distinguiram e até foram chamados às honras da canonização. Mas, no meio de tantos notáveis, não hesito em destacar um deles: refiro-me ao Beato Bartolomeu dos Mártires, arcebispo na segunda metade do século XVI, participante activo do Concílio de Trento.
O D. Eurico é beirão, de Dornelas do Zêzere, uma aldeia de Pampilhosa da Serra. Que lembranças de infância lhe são mais caras? Que características o definem como beirão?
R_ De facto, nasci em plena Beira Baixa, a sudoeste da Serra da Estrela. De lá são os meus antepassados paternos e maternos. Sinto orgulho nisso, porquanto as Beiras são o coração e o pulmão de Portugal. Tenho saudades da minha infância, apesar da sua dureza e desconforto. Basta dizer que, na vinda como estudante do Seminário de Coimbra – cerca de quatro vezes por ano, entre os onze e os vinte e um – tinha de percorrer uma centena de quilómetros em 17 horas: sete a pé até à Pampilhosa da Serra, cinco de camioneta para a Lousã e duas de comboio, até Coimbra. Nos intervalos, havia três horas para almoço e jantar. Isso criou em mim uma certa disciplina e algum espírito de sacrifício, pelo que dou graças a Deus.
Partilhar