Arquidiocese de Braga -

23 outubro 2014

Arquitectura: Visita à Igreja de Klippan

Fotografia

Pedro Castro Cruz

"A Igreja Protestante de S. Pedro em Klippan (1962-66) é obra prima do mestre e permite-nos extrair da tectónica e da simbólica inúmeros conteúdos para a meditação".

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Tendo acompanhado há dias um grupo de 25 arquitectos suecos em visita ao Norte, não poderia deixar de iniciar esta coluna propondo acompanharvos, nortenhos, em visita ao sueco Sigurd Lewerentz (1885-1975).
 
Contava-lhes a eles, como a vós agora, que em 2006 quando trabalhava com José Fernando Gonçalves no concurso para a Nova Igreja Paroquial da Ribeirinha (Açores), visitámos a Igreja de Klippan, partilhando o prémio monetário que o 2º lugar mereceu. O destino era incontornável porque durante o processo de projecto sempre esteve em cima do estirador, como referência primeira, o intrigante projecto de Lewerentz. 
 
A visita a Klippan foi marcante. Éramos nove; o grupo entrou animado e conversador – mas o silêncio impôsse e o grupo dispersou. Ao fundo, dois quadrados de luz sobre o negro da parede absolutamente ausente: em escuridão – e por causa desta misteriosa negritude o grupo reagiu. A Igreja Protestante de S. Pedro em Klippan (1962-66) é obra prima do mestre e permite-nos extrair da tectónica e da simbólica inúmeros conteúdos para a meditação. É integralmente construída em tijolo – pavimento, paredes e tecto – e apresenta um único pilar central, que o não é afinal, senão cruz de Cristo que tudo sustenta. A indissociabilidade entre estrutura, desenho e significado, atribui ao espaço forte densidade. A leitura tripartida pode ser feita, por exemplo, entre Concha-Água-Árvore (da pia d’água benta, da fresta no pavimento por onde a água corre, até ao pilar que também é Árvore da Vida) ou Chão-Altar-Palco (o pavimento com pendentes eleva-se para tornar o altar plataforma litúrgica), apelando, enfim, a que tudo está em constante mudança.
 
Klippan é expressão máxima da penumbra mística e materialidade elementar. Entrar na escuridão é desejar a luz; pela escuridão física exterior chegar à luz espiritual interior. Tocar os materiais elementares é despojar e reconfortar a condição humana. Duas características que se reportam uma com o divino e outra com o humano: do próximo humano para o além divino, da materialidade sensitiva para a luz etérea – através da escuridão. Nestas características da construção encontro a chave do mistério. Personagem ele próprio umbroso – Lewerentz – que se apaga perante a notoriedade de Asplund, coautor em 1915 do Cemitério Sul de Estocolmo.
 
E que se afasta da arquitectura trabalhando uma vintena d’anos na indústria de produto, fundando a fábrica Idesta de caixilharia de ferro.
Ironia ou não, quando em ’56 volta a projectar, encerra os vãos sem caixilharia, aplicando o vidro sem moldura directamente sobre a face exterior da parede. Assim, em S. Pedro a natureza é repelida no confronto com a parede-espelho; a paisagem permanece fora e é admirada na distância.
 
Fora, o branco invernal marca a paisagem da espiritualidade sueca. Experienciar o sítio sob o manto de neve e temperatura negativa é entrar no silêncio; os bichos hibernaram e os pássaros migraram, o lago gelou – e toda a vida está suspensa para além da camada. Encontro-me só e conduzido pela beleza profunda dos troncos pretos que riscam, unem ou rasuram, um chão e um céu brancos.