Arquidiocese de Braga -
18 dezembro 2014
À velocidade da autoestrada
No contraponto da apologia anterior do tempo desacelerado na visita da obra arquitectónica e [sempre] no rescaldo de uma ida a Itália, assalta-me a velocidade da passagem pela Chiesa dell’Autostrada. De facto, tantas vezes, passando num e noutro sentido, no caminho entre Firenze e Prato, vislumbrei fugazmente a Igreja de Michelucci, qual tenda armada ao sol, desejando a visita – que demorou a acontecer.
Ainda à distância dos rails, esta obra permite recordar o aggiornamento que, como Igreja, somos convidados a fazer, indo a esses caminhos menos percorridos, a esses nós de autoestrada (a Chiesa di San Giovanni Battista, Católica Romana, situa-se no cruzamento da A1 Milano-Napoli, chamada Autostrada del Sole, com a A11 Firenze-Mare) – a essas fronteiras, nas palavras do Papa Francisco. Se ainda em 1964 a área era sobretudo rural, hoje caracteriza-se pelo crescimento expectável: uma área de subúrbio descaracterizada e anónima.
Ainda à velocidade da autoestrada, a mesma obra permite aprender a desacelerar, chegando de carro, aparcando, caminhando para a entrada. De algum modo, um pouco o mesmo efeito de uma chegada de [comboio] Eurostar à Stazione di Santa Maria Novella (Firenze) – obra que o jovem Giovanni Michelucci (1891-1990) concluiu trinta anos antes, em 1934, no entusiasmo da modernidade, mas já com a mesma pedra e o mesmo cobre.
À distância próxima, a ‘tenda’ ganha materialidade na tensão entre o peso do betão armado, da pedra e dos muros e a esbelteza e movimento das formas orgânicas – que situam esta obra entre as acarinhadas por Bruno Zevi. O percurso de aproximação é feito por um corredor de ortogonalidade afinal estável (ainda que encimado por vigas de ossatura expressiva) que nos oferece à esquerda o baptistério e à direita a área de culto, ambas com as geometrias irregulares, côncavas e convexas e intrusadas que caracterizavam já o exterior, agora compreensíveis também enquanto lógica construtiva. À esquerda, está o baptistério, espaço circular, como que retomando o referencial da rotonda, experienciado agora através de rampa com movimento espiral descendente; a pia encontra-se num espaço a cota inferior e o tecto parece evocar uma árvore, alimentada daquela água. À direita, está a assembleia proposta como salão sob um tecto ascendente, como que ondulando ao vento; o chão, vazio, é muito polido (as cadeiras recolhidas). Sob determinado ângulo, este tecto que aparenta ser tão pesado, parece ser sugado para o alto por uma qualquer depressão atmosférica, e some-se numa fenda negra.
A ‘tenda’ demora a explorar, porque os recantos e as passagens inesperadas multiplicam-se, numa interioridade de luz reduzida, por vezes até de nichos escuros. A ‘tenda’ montada situa-nos: estamos de passagem, nesta igreja e neste mundo.
Talvez seja uma evocação motivada pela poesia do próprio Michelucci, que foi procurando, pelo seu trabalho e entre as pessoas, esse lugar “Dove si incontrano gli angeli” * (Carlo Zella Editore, 2000).
* Onde se encontram os anjos
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