Arquidiocese de Braga -
7 maio 2016
Ascensão de Jesus Cristo (Ano C)
Carlos Nuno Salgado Vaz
O relato da Ascensão é uma maneira gráfica de nos comunicar a mensagem de fé de que Jesus vive em Deus.
Hoje, graças aos estudos teológicos e exegéticos, descobrimos um conteúdo muito mais denso e rico nestes relatos da Ascensão. Sabemos que se trata de uma encenação literária com um grande conteúdo de compromisso e esperança para os crentes de todos os tempos.
Se pelos anos 85/90, a comunidade de Lucas tinha dificuldade em descobrir o sentido mais profundo da morte e ressurreição de Jesus, ele, apelando ao testemunho das Escrituras, vai ajudá-los a abrirem-se à verdadeira novidade do Crucificado/Ressuscitado.
Não estamos perante um relato de tipo jornalístico sobre o que teria realmente acontecido, mas perante uma construção teológica em que, à semelhança da cenografia grandiosa e solene do arrebatamento de Elias, que habilita Eliseu para continuar a missão do seu mestre, também na cena da Ascensão se quer exprimir uma realidade que não pode ser verificada com os sentidos, nem descrita adequadamente com palavras.
Lucas quer dizer-nos que Jesus foi o primeiro a atravessar o 'véu do templo' que separava o mundo dos homens do de Deus, e mostrou como tudo aquilo que acontece na terra, sucessos e desventuras, injustiças, sofrimentos e até mesmo os factos mais absurdos, como uma morte ignominiosa, não escapam ao projeto de Deus.
A Ascensão de Jesus é tudo isto. Por isso foi saudada pelos apóstolos 'com grande alegria' (Lucas 24, 52). Se fosse uma despedida real, eles ficariam tristes e não cheios de alegria.
A meta de todos
Jesus, na sua glorificação, incarna a meta, o destino de todos os homens. Como afirma Paulo, é a cabeça desse grande corpo que é a humanidade. È o Irmão mais velho da grande família humana. Livre do sofrimento, do acosso dos perseguidores, do martírio da cruz, glorificado no seu corpo, em estreita comunhão com o Pai e o Espírito, em plenitude de liberdade, incarna a vida definitiva que Deus quer para todos e cada um dos seus filhos. Isto mesmo é dito de maneira sublime por um hino litúrgico: «O Céu começou: / Vós sois a minha colheita. / O Pai já vos sentou / comigo à sua direita» (cf. Atilano Alaiz, «El don de la Palabra, ciclo C», 116 e 117).
Os relatos da Ascensão dizem-nos, além disso, que Jesus, a partir da sua morte, não se ausenta do meio dos seus irmãos. Inaugura, sim, outros modos de presença, mas uma presença oculta. É isso que afirma João 14, 18: «Não vos deixarei desamparados»; Mateus 28, 20: «Eu estou convosco até ao fim dos tempos»; Marcos 16, 20: «Os apóstolos partiram a pregar por todas as partes, e o Senhor cooperava confirmando a mensagem com os sinais que os acompanhavam»; Lucas, no evangelho de hoje, 24, 52: «Eles regressaram a Jerusalém com grande alegria». Não teria sentido que regressassem alegres se se tivesse tratado de uma despedida.
Os relatos pascais são primordialmente um testemunho da presença permanente de Cristo ressuscitado entre os seus. São, em grande parte, a resposta aos cristãos nostálgicos que não tinham gozado da presença física do Senhor. Aliás, os quarente dias de que falam os evangelistas significam todo o tempo que medeia entre o ocultamento de Jesus e a parusia, a segunda vinda. Poderíamos dizer que se trata da presença de um ausente, ou se preferirmos, da ausência de um presente.
Mas Jesus, não apenas não se ausenta, mas atua através dos discípulos, através de nós: «Vós sois testemunhas de tudo isto. Eu vos enviarei Aquele que foi prometido por meu Pai» (versículos 48 e 49). Jesus converte-nos em mediadores, em instrumentos da sua ação. Isso o entendeu muito bem Francisco de Assis ao pedir: «Senhor, faz de mim um instrumento da tua paz, do teu amor, do teu perdão, da tua alegria». Diz 'instrumento', porque é o Senhor que atua, é Ele que realiza a salvação.
O dom do Espírito Santo
O relato da Ascensão é uma maneira gráfica de nos comunicar a mensagem de fé de que Jesus vive em Deus e foi constituído em poder, porque está à direita de Deus. Enquanto se eleva, abençoa-nos. E esta bênção é, nem mais nem menos, que o dom do Espírito Santo, que todos os que nos professamos cristãos devemos ardentemente desejar receber.
O Espírito pode fazer maravilhas em nós, como as fez nos discípulos. Pode-nos fazer entusiastas, encher-nos de força interior, contagiar-nos de luz, paz e alegria. Pode empurrar-nos a sair talvez do nosso imobilismo e letargia e levar-nos, como gosta de dizer o papa Francisco, ao encontro dos nossos irmãos que vivem nas periferias físicas, existenciais e espirituais para os contagiarmos com a nossa maneira de viver.
Elevar o nosso olhar é considerar que a nossa vida definitiva está em Deus. E isto nos urge a viver antecipadamente os valores do alto: o amor, a fraternidade, o perdão, o acolhimento do necessitado e a misericórdia para com todos.
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