Arquidiocese de Braga -

28 maio 2016

Nono Domingo (Ano C)

Fotografia

Carlos Nuno Salgado Vaz

A palavra de Deus convida-nos a uma abertura do coração para acolher o estrangeiro e o diferente, e abertura para a maravilha de reconhecer o dom da fé; abertura e disponibilidade para receber o poder da Palavra feita carne que é o Senhor Jesus.

\n

A palavra de Deus do Nono Domingo (Ano C) convida-nos a uma abertura do coração para acolher o estrangeiro e o diferente, e abertura para a maravilha de reconhecer o dom da fé; abertura e disponibilidade para receber o poder da Palavra feita carne que é o Senhor Jesus.

O evangelho fala-nos do sentimento de maravilhamento que Jesus sentiu perante a confiança do centurião na sua pessoa e no poder da sua palavra, bem como pela sua humildade. Por isso Jesus exclama que nem no seu povo escolhido, Israel, encontrou uma fé assim. É a única vez em que Jesus manifesta este excecional contentamento pela fé de alguém, para mais um estrangeiro, que era considerado pelos judeus como um pagão e pecador. Jesus eleva a atitude do centurião a exemplo a seguir por todos aqueles que o escutam.

Lendo o evangelho, reparamos que Jesus pede muitas vezes a quem o escuta que tenha fé nele. Falou inclusivamente mais vezes de fé e confiança nele do que do amor. Aliás, não estranha que a primeira palavra com que são caracterizados os seguidores de Jesus nos Atos dos Apóstolos seja a palavra «crentes» (Atos 16, 1).

O que é a fé?

Mas, para nós cristãos, que é a fé? Antes de mais, digamos que a fé cristã não consiste em crer formalmente nas palavras de Jesus como acreditamos nas fórmulas da matemática, da geometria ou da química. São Tiago (2, 19) encarrega-se de desmascarar tal falso tipo de fé: «Tu crês que há um só Deus? Fazes bem. Também o creem os demónios, creem e tremem de medo».

A fé cristã, ao invés, consiste em encontrar com humildade a pessoa de Jesus e fiar-se completamente dele. Fé, é aceitar a sua mensagem, as verdades que ele nos trouxe em nome de Deus, e abandonar-se com total confiança nas suas mãos. Fé é aceitar viver como ele viveu, mesmo quando isto significa ir contra a corrente, com muita fadiga e paciência. Fé é, pois, uma atitude de fundo que envolve toda a nossa pessoa e que dá uma orientação nova à nossa vida.

O núcleo da fé cristã está na confiança e no abandono em Deus. Na narrativa do evangelho deste domingo, Lucas está a dizer-nos que o importante não é ter visto Jesus, mas a fé na sua palavra.

Senhor, eu não sou digno...

Desde os primórdios que a comunidade cristã viu na atitude do centurião o exemplo do caminho de fé que cada um deve percorrer para agradar a Deus. Também por isso e pelo alcance das palavras do centurião, a Igreja fez suas as palavras que ele mandou dizer a Jesus para as colocar a anteceder o acesso à comunhão eucarística: «Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo».

A comunhão é o momento mais alto da nossa fé, pois com ela nós queremos encontrar profundamente Jesus e renovar o nosso abandono nas suas mãos. O problema está em que, muitas vezes, dizemos tais palavras maquinalmente, sem pensar nelas, sem as saborear como devem ser saboreadas, para que se exprima que nós estamos a dizer a Jesus algo parecido com estas palavras: «Senhor, venho receber-te em comunhão, porque sinto necessidade de Ti; basta que Tu queiras, e eu serei melhor, menos egoísta, mais dado, generoso e empenhado em servir».

O poder da palavra

O centurião conhecia bem o poder da palavra, o que designaríamos por poder performativo: dada uma ordem, o servo devia realizá-la. Esta experiência humana ajuda a compreender a força da palavra de Deus que realiza aquilo que diz: «eu te absolvo» e estás absolvido, «eu te batizo» e estás batizado.

E Jesus não prega apenas a palavra. Ele é a Palavra, o Verbo feito carne, na feliz expressão de são João no prólogo do evangelho. Jesus, efetivamente, salva, e com a sua palavra cura e perdoa os pecados.

A palavra de Deus é o primeiro sinal eficaz do seu amor para com os homens, a primeira atuação histórica do seu desígnio de graça. Toda a palavra de Deus é uma promessa, e toda a promessa de Deus se realiza no tempo.

É na experiência sacramental que fazemos a experiência do facto de que a salvação prometida se concretiza aqui e agora. A graça faz-se signo real. O centurião é aquele que nos ensina a acolher a realidade da palavra de Deus e os sinais com que a salvação se concretiza.

Contrariamente ao que vulgarmente se pensa, não é o milagre que faz nascer a fé. A fé, em si mesma, é já um portentoso milagre, uma realidade inaudita. Jesus põe-se a caminho para ir fazer um milagre, mas encontra o milagre ao percorrer o caminho.

A fé esperançosa dá-nos asas para voar. Sem elas, a vida carece de sentido. Se a não crença se acentuar, o futuro que aguarda as próximas gerações estará envolvido num grande desencanto.