Arquidiocese de Braga -
30 outubro 2016
A alegria do amor - 26
Carlos Nuno Salgado Vaz
Espiritualidade da vida conjugal e familiar
O último capítulo da Exortação «A Alegria do Amor», ocupando os números 313 a 325, é sobre a vida espiritual específica da vida em casal e na família.
É na vida concreta e real da família, com todas as suas lutas, sofrimentos e alegrias que se dá a presença do Senhor. Na vida em família é difícil fingir e mentir.
E quanto mais o amor for autêntico, mais a presença do Senhor se fará notar, pois a espiritualidade do amor familiar é feita de milhares de gestos reais e concretos. E é nesta variedade de dons e de encontros, que ajudam a amadurecer a comunhão, que Deus vem habitar.
Esta entrega na vida familiar une valores humanos e divinos, «porque está cheia do amor de Deus». Ou seja, «a espiritualidade matrimonial é uma espiritualidade do vínculo habitado pelo amor divino» (número 315).
Como se diz na Primeira Carta de João (3, 14) «se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor em nós é perfeito». Com efeito, a primeira e originária expressão da dimensão social da pessoa é o casal e a família.
A espiritualidade incarna-se na comunhão familiar. É na vida de família que, os a ela chamados vocacionalmente, podem chegar ao vértice da união mística (cf. 316).
Oração em família
A participação no mistério da cruz de Cristo transforma as dificuldades e os sofrimentos em ofertas de amor. E os momentos de alegria, repouso ou festa, e também a sexualidade são experimentados como uma participação na vida plena da sua ressurreição (316).
A oração em família é um meio privilegiado de exprimir e reforçar a fé pascal que a habita. Daí brotará o desejo de uns bons momentos em oração para estar unidos ao Senhor vivo e poder dizer-lhe as coisas que preocupam, rezar pelas necessidades familiares, rezar por algum membro que está a passar por um momento particularmente difícil, pedir ajuda para amar de verdade, agradecer-lhe pelo dom da vida e das muitas coisas boas que ela traz.
Eucaristia dominical
O caminho comunitário da oração atinge o seu cume na presença na celebração eucarística dominical. Como diz Apocalipse 3, 20, é Jesus que bate e está à porta da família para partilhar com ela a ceia eucarística.
Nela, os esposos podem sempre selar a aliança pascal que os uniu e que reflecte a Aliança que Deus selou com a humanidade na Cruz. É o alimento da eucaristia que dá força e estimula a viver cada dia a aliança matrimonial como «Igreja doméstica» (318).
Sinal e instrumento
No matrimónio, vive-se o sentido de pertencer completamente a uma só pessoa. Isto marca um estilo de vida e é uma exigência interior do pacto conjugal, porque «quem não se decide a amar para sempre, é difícil que possa amar sinceramente um só dia». Mas só terá sentido se for vivida como pertença do coração e não mera resignação. Por isso, cada cônjuge é para o outro sinal e instrumento da proximidade do Senhor, que não nos deixa sozinhos (319).
A máxima libertação do amor do casal dá-se quando cada um descobre que o outro não é seu. Ninguém pode pretender possuir a intimidade mais pessoal e secreta da pessoa amada.
Só o Senhor pode ocupar o centro da vida. Isto comporta também a compreensão realista de não querer que o outro satisfaça completamente as suas exigências.
Citando Bonhoeffer, afirma-se que é preciso que «o caminho espiritual de cada um o ajude 'a desiludir-se' do outro, a deixar de esperar dessa pessoa aquilo que é próprio apenas do amor de Deus. Isto exige um despojamento interior».
Reflexo do amor divino
O amor de Deus é o sentido da própria existência. Mas só invocando cada dia a ação do Espírito se tornará possível esta indispensável liberdade interior (320).
Prestar mutuamente cuidados, apoiarmo-nos e estimularmo-nos faz parte da espiritualidade familiar. Os dois são entre si reflexos do amor divino, que conforta com a palavra, o olhar, a ajuda, a carícia, o abraço.
Vale mesmo a pena «querer formar uma família, pois é ter a coragem de fazer parte do sonho de Deus, a coragem de construir com Ele, de unir-se a ele nesta história de construir um mundo onde ninguém se sinta só» (321).
Experiência espiritual profunda é contemplar cada ente querido com os olhos de Deus e reconhecer Cristo nele. A pessoa que vive connosco merece tudo, pois tem uma dignidade infinita por ser objecto do amor imenso do Pai. E assim floresce a ternura, capaz de suscitar no outro a alegria de sentir-se amado (323).
O amor social, reflexo da Trindade, é o que unifica o sentido espiritual da família e a sua missão fora de si mesma. E toda a família é desafiada e convidada a um progressivo amadurecimento da sua capacidade de amar (324 e 325).
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