Arquidiocese de Braga -

30 março 2017

Maria da Conceição: "Corro para assegurar o futuro das minhas crianças"

Fotografia

Flávia Barbosa | Fotografias: Fundação Maria Cristina

Não tinha preparação física nenhuma e passou a correr maratonas. Foi a primeira portuguesa a subir ao topo de Evereste. Deixou a profissão de hospedeira. É recordista do Guiness. Chama-se Maria do Céu da Conceição e criou a Fundação Maria Cristina para aj

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É detentora do Prémio de Mulher Inovadora da União Europeia, do Prémio da Mulher Mais Inspiradora de 2010 do Conselho de Cooperação do Golfo, do Prémio de Mudança Inspiradora de 2014, entre muitos outros. Já escalou o Kilimanjaro, fez uma caminhada até ao Polo Norte e correu uma maratona em cada um dos 7 Emirados Árabes Unidos em 7 dias. Em 2013 tornou-se na primeira mulher portuguesa a escalar o Monte Evereste. Já correu 7 ultra-maratonas em 7 continentes em 6 semanas, 7 ultra-maratonas em 7 dias, e ainda 7 maratonas em 7 continentes em 11 dias. Detém 3 recordes Guinness. Maria do Céu da Conceição, de 39 anos, corre, nada, escala e supera-se a cada dia para angariar fundos para as crianças de Dhaka, no Bangladesh. Antes de criar a “Fundação Maria Cristina” (FMC), não praticava desporto nenhum. Era hospedeira de bordo e “o máximo que fazia era andar entre as fileiras do avião a perguntar às pessoas se queriam carne ou peixe”.

Quais são os objectivos da Fundação?

O nosso objectivo é ajudar a quebrar ciclos de pobreza de centenas de anos através da educação. Garantimos estudos de qualidade a 131 crianças do bairro de lata de Gawair, em Dhaka, Bangladesh.

Como surgiu o nome?

A Fundação tem o nome da minha mãe adoptiva, Maria Cristina, uma senhora refugiada angolana que me aceitou na sua casa e no seu coração, apesar de ter dificuldades financeiras e de ter mais seis filhos. Mas, como ela própria costumava dizer, “onde cabem seis, cabem sete”. Levo esta máxima comigo até hoje. Ela continua a ser a minha maior fonte de inspiração.

Quando é que tudo começou? Quando decidiu que tinha que mudar de vida?

Tudo começou em 2005, quando fiz uma escala em Dhaka e deparei-me com um nível de pobreza que nuca tinha visto antes, muito menos na Europa. Senti que não podia ficar indiferente e pus mãos à obra, ajudando com o que podia a vários níveis, até que acabei por fundar o Dhaka Project, aí sim, já focado na educação das crianças, e que mais tarde veio a transformar-se na Fundação Maria Cristina. As coisas não correram logo bem e o projecto chegou a sofrer “abanões”.

Como é que surge a ideia de bater recordes para ajudar as crianças?

No início tive vários apoios do Dubai, mas quando a crise chegou, apercebi-me que tinha de fazer algo para angariar dinheiro ou não poderia garantir a educação das crianças. Comecei a pesquisar e percebi que nada chama a atenção como o desporto, e achei que seria a melhor forma de angariar o dinheiro necessário para o projecto.

O meu maior sonho é saber que tenho a educação das crianças assegurada, que não tenho de continuar a lutar desesperadamente por fundos a cada ano. Sonho em conseguir abrir-lhes as portas a uma vida mais digna, com maior segurança e estabilidade, para que elas possam concretizar todo o potencial que eu sei que têm dentro de si.

Praticava algum desporto na altura?

Nada de nada. O máximo que fazia era andar entre as fileiras do avião a perguntar às pessoas se queriam carne ou peixe. Como é que foi a preparação para todos os desafios? Não sabia sequer nadar... A preparação é sempre duríssima. As pessoas costumam ver o resultado, que é fantástico, mas raramente têm acesso às condições em que fico durante os treinos. Já passei muito, muito mal. Como disse, nem sabia nadar quando me inscrevi para a Travessia do Canal da Mancha, e tive de passar disso para um treino que envolvia passar muito tempo dentro de água gelada. De cada vez que saía da piscina, passava horas a tremer, a sofrer com hipotermia. É sempre muito duro.

A motivação e força de vontade nunca falharam?

Falham muitas vezes, mas são imediatamente recuperadas assim que penso nas crianças e nas famílias de Gawair. Se elas conseguem passar por tudo aquilo, como as crianças, que são submetidas aos mais terríveis tipos de violência, e ainda assim conseguem seguir em frente, como posso eu queixar-me de cansaço físico? É graças a elas que consigo fazer o que faço no desporto.

Foi a primeira portuguesa a subir o Evereste. o que sentiu na altura?

Quando cheguei ao topo do Evereste, pensei que era bonito, mas o que me ocupava a mente era a possibilidade de morrer. Tinha avançado mais depressa que o meu guia e estava sozinha no topo, sem ajuda e sem oxigénio. Além de que é na descida que mais pessoas morrem. Foi um dos maiores e mais assustadores desafios de sempre.

Penso em desistir quase todos os dias, mas nunca me permito tal coisa. A dificuldade está em saber que se não angariar dinheiro suficiente para mandar as crianças para a escola, elas serão obrigadas a casar ou a ir trabalhar, tenham elas 16 ou 6 anos. É isso que me impede de desistir.

Qual é o seu maior sonho?

O meu maior sonho é saber que tenho a educação das crianças assegurada, que não tenho de continuar a lutar desesperadamente por fundos a cada ano. Sonho em conseguir abrir-lhes as portas a uma vida mais digna, com maior segurança e estabilidade, para que elas possam concretizar todo o potencial que eu sei que têm dentro de si.

Que diria às pessoas que perante as adversidades dizem “não consigo”?

Diria que nada é impossível. A única coisa que nos impede de irmos em frente é o medo, e a única coisa que nos impede de concretizarmos tudo a que nos propomos somos nós próprios. Acreditem que conseguem e isso fará toda a diferença. Sou a prova viva de quanto conseguimos fazer, mesmo quando todo o mundo nos diz que é impossível, desde que acreditemos realmente que conseguimos.

O que pensa a sua família sobre este modo de vida?

No início foi complicado, ficavam muito preocupados com o meu futuro e com os riscos que os desafios envolvem, mas agora apoiam-me em tudo o que faço.

Sente-se realizada?

Sinto que estou a fazer o que tenho de fazer. Não escolhi fazer isto e certamente não escolhi abrir uma Fundação, foram coisas que se desenvolveram e ganharam vida própria. Costumo dizer que não fui eu que escolhi o Bangladesh, foi o Bangladesh que me escolheu. Por que acha que a sua história não é tão divulgada em Portugal? Não sei… Mas acredito que isso está a mudar, os portugueses são solidários e tenho sentido um aumento de apoio por parte do nosso país nos últimos meses.

O que sente quando está com as crianças que ajuda? Acaba por ser também uma espécie de “mãe” para elas?

Sou mesmo como uma “mãe”. Aliás, é assim que elas me chamam. Conheço cada uma delas, sei os nomes de todas, conheço os seus defeitos e qualidades. E quando estou com elas, tanto lhes dou beijinhos quanto raspanetes. Faria de tudo para lhes garantir um futuro melhor, por isso sinto-me como mãe delas, sim.

Nunca pensou em desistir?

Penso em desistir quase todos os dias, mas nunca me permito tal coisa. A dificuldade está em saber que se não angariar dinheiro suficiente para mandar as crianças para a escola, elas serão obrigadas a casar ou a ir trabalhar, tenham elas 16 ou 6 anos. É isso que me impede de desistir.

Como é que as pessoas podem ajudar?

Através de donativos. Se cada português se levantasse ainda hoje e decidisse doar 1€ à Fundação, eu teria o suficiente para garantir a educação de todas as minhas crianças até ao 12º ano. Podem ir à nossa página do Facebook, doar através do Paypal, ou fazer uma transferência para o nosso IBAN (PT50 0035 0229 00019178 930). Podem até apoiar uma criança pela totalidade dos estudos, mas qualquer coisa ajuda. É um trabalho de formiga, um esforço que nunca acaba, uma luta desesperada para garantir que a cada ano, nenhuma das nossas crianças fica fora da escola por falta de fundos. Nós temos tanto, deste lado do mundo… Quero acreditar que as pessoas que abrem o coração a esta realidade não podem mais ficar indiferentes, como eu também não fiquei.

Tem alguns apoios para os desafios em que se compromete?

Raramente. Normalmente, encaro os desafios com fé, força e esperança. Os apoios acabam por vir quase sempre depois. Em alguns casos, tivemos algum apoio em termos da roupa desportiva que tenho de usar e de alguns dos voos que tive de fazer.

Quais foram os maiores desafios desportivos que enfrentou até agora?

Cada um é duro à sua maneira, mas diria que a subida ao Evereste e as sete maratonas em sete continentes levam a taça da dificuldade (risos).

 

IBAN da Fundação: PT50 0035 0229 00019178 930 10


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Igreja Viva 30 de Março de 2017