Arquidiocese de Braga -

17 julho 2017

Férias com Thoreau

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Henry David Thoreau questiona sobre se a mente deve ser uma arena pública onde se discutem mexericos ou uma parte do céu. A resposta é óbvia. À entrada do cérebro deveria haver um letreiro, como os que se encontram por aí, às vezes sem utilidade, avisando

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por Eduardo Jorge Madureira Lopes

 

Depositário de uma sabedoria que aproveitou – e amplamente partilhou – para, como alguém notava, viver uma existência de simplicidade, de independência, de generosidade e de confiança, Henry David Thoreau nasceu há duzentos anos nos Estados Unidos da América. Sem o que ele escreveu, “teria sido difícil que se difundisse uma consciência do valor da natureza e da necessidade de a salvar da exploração”, dizia recentemente o escritor Antonio Muñoz Molina no suplemento cultural do diário El País – que muito beneficiaríamos se servisse de modelo a qualquer um dos jornais portugueses de difusão nacional.

O El País não foi a única publicação a evocar o bicentenário do nascimento de Henry David Thoreau, assinalado no dia 12 de Julho. Por estes dias, o autor de Walden ou a vida nos bosques (um dos escritos que, segundo Muñoz Molina e muitos outros, teve uma importância inestimável no despertar de uma consciência ecológica); A desobediência civil seguido de Defesa de John Brown; Caminhada; Maçãs silvestres & Cores de Outono e A vida sem princípios, para referir os títulos editados pela Antígona, foi também lembrado, por exemplo, pela Philosophie Magazine. No número de Verão da revista francesa, que chegou há pouco aos quiosques, este influente cidadão, poeta e filósofo surge como figura tutelar do número dedicado ao “Ideal de simplicidade”. “Os adeptos do decrescimento, do respeito pelo ambiente e de uma concepção contemplativa da vida têm um antepassado comum: o filósofo americano Henry David Thoreau”, pode ler-se na revista, que inclui um caderno destacável com um extracto de Walden ou a vida nos bosques.
Quem quiser aproveitar as férias para desintoxicar de abundantes narrativas deletérias poderá folhear esta publicação e, sobretudo, muito beneficiará com a leitura das sempre oportunas apologias da simplicidade que Henry David Thoreau faz nos seus escritos, nascidos, por vezes, de palestras. As obras dele são, de facto, como escrevia na quarta-feira no jornal El País um dos seus tradutores, “leituras para o presente”.

A tirania do produtivismo e do consumismo são alvos constantes do autor. Em A vida sem princípios, constata Thoreau que “se um homem passear nos bosques por amor a estes durante metade de cada dia, arrisca-se a que o vejam como um mandrião; mas se passar todo o dia em actividades especulativas, arrasando as florestas para tornar a terra nua antes de tempo, será considerado um cidadão diligente e empreendedor. Como se o único interesse que uma cidade tivesse nos seus bosques fosse cortá-los”.

Thoreau também se insurge contra o modo como o dinheiro é divinizado. “Deus não é um cavalheiro endinheirado que distribui um punhado de moedas para ver a humanidade esgatanhar-se por elas”, diz ele na obra referida. Nela, fala sobre o trajecto dos incompetentes – “O incompetente oferece a sua incompetência a quem dá mais e está sempre na expectativa de conseguir um emprego. Podemos supor que raramente fica decepcionado” – e sobre o sem-sentido de certas actividades que desonram o humano – “A maioria dos homens sentir-se-ia insultada se lhe fosse proposto como emprego atirar pedras para lá de um muro e depois arremessá-las de novo para cá, apenas para poder ganhar um salário. Mas, hoje em dia, muitos fazem um trabalho que não é mais útil”.

A vida sem princípios também inclui interpelações ainda hoje pertinentes. Depois de se dizer surpreendido ao ver “como os homens enchem a cabeça com tanto disparate, permitindo que rumores vãos e incidentes dos mais insignificantes se introduzam num terreno que deveria ser sagrado para o pensamento”, Henry David Thoreau questiona sobre se a mente deve ser uma arena pública onde se discutem mexericos ou uma parte do céu. A resposta é óbvia. À entrada do cérebro deveria haver um letreiro, como os que se encontram por aí, às vezes sem utilidade, avisando: “Proibido vazar entulho”.


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