Arquidiocese de Braga -
23 agosto 2017
Rapariga fogosa recebe em hotéis
As más notícias sobre o jornalismo abundam. As boas, se as houver, não merecem passar despercebidas e sem elogio. Louve-se, por isso, o anúncio de uma decisão tomada pelo diário espanhol El País, que divulgou há dias que tinha decidido acabar com a public
por Eduardo Jorge Madureira Lopes
As más notícias sobre o jornalismo abundam. As boas, se as houver, não merecem passar despercebidas e sem elogio. Louve-se, por isso, o anúncio de uma decisão tomada pelo diário espanhol El País, que divulgou há dias que tinha decidido acabar com a publicação de “anúncios de contactos”, uma das designações eufemísticas da publicidade à prostituição.
É verdade que o jornal demorou pelo menos oito anos a perceber por que o devia fazer, mas é preferível a demora no acerto do que a persistência no erro. De facto, em 2009, no dia 24 de Maio, a provedora do leitor do jornal Milagros Pérez Oliva deu voz a inúmeros leitores que deploravam a dupla moral do jornal, que, por um lado, denunciava o tráfico de mulheres para emprego nos circuitos da prostituição, e, por outro, publicava anúncios que promoviam a prostituição e beneficiavam essas máfias. Uma reportagem a que o diário concedeu amplo destaque sobre “os horrores da ‘escravidão invisível’ em que se tinha convertido a prostituição” tornou ainda mais chocante a publicação dos anúncios de contactos sexuais. As cartas incomodadas multiplicaram-se e a provedora do leitor (defensora do leitor, se se preferir a designação espanhola) não se eximiu a corroborá-las, como neste espaço se deu detalhadamente conta no dia 31 de Maio de 2009. Contestando a orientação do jornal, Milagros Pérez Oliva disse que “esses anúncios não se deveriam publicar”, notando que eles não se encontram em diários como o Frankfurter Allgemeine, Le Monde, The Daily Telegraph ou The Guardian. “De facto, a maior parte dos diários sérios não os publica”, acrescentou ela. Um extracto do Livro de Estilo serviu-lhe para estabelecer uma analogia convincente. “A linha editorial do jornal é contrária ao fomento do boxe e por isso renuncia a publicar notícias que contribuam para a sua difusão”. Se isto se apresenta como um dos princípios do jornal, “com muita mais razão deveria figurar o de não contribuir com anúncios de contactos de uma actividade que, além de denegrir as mulheres, as converte em escravas”, explicou Milagros Pérez Oliva.
Oito anos depois, o mais influente jornal espanhol veio dar-lhe razão. “El País deixa de publicar anúncios de contactos. Os chamados anúncios de relax não se publicam em nenhuma das edições do diário desde o passado 15 de Julho”. Com a notícia, uma explicação. A decisão tinha sido motivada por um profundo debate interno, em que tiveram um grande peso as opiniões dos leitores, através das cartas ao director; a figura da provedora do leitor; os comentários em notícias e as redes sociais, que transmitiram repetidamente o seu repúdio por este tipo de anúncios.
O anúncio da decisão do jornal era ainda acompanhado por alguns dados sobre a prostituição em Espanha, “o país europeu com mais procura de prostituição”. A actividade não é ilegal no país, mas o tráfico de pessoas é criminalizado, tal como o proxenetismo e a prostituição de menores, que também são delitos contemplados no Código Penal espanhol. A circunstância de o tráfico de pessoas ser criminalizado fez com que, em apenas cinco anos, entre 2012 e 2016, se tivessem resgatado 4.300 vítimas de exploração sexual. O jornal informava ainda que há variados estudos e diversos especialistas que sublinham que a grande maioria das mulheres que oferecem serviços sexuais o fazem escravizadas. A decisão agora tomada veio tornar ainda mais evidente que publicar anúncios a esses serviços é ajudar a fomentar uma escravidão que, podendo ser “invisível”, não é menos intolerável.
Fonte: Diário do Minho, 30 de Julho de 2017, p. 2.
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