Arquidiocese de Braga -

4 julho 2022

“A conversação espiritual é humilde, profunda e carinhosa”

Fotografia DR

DACS com La Croix International

Entrevista com uma especialista em discernimento segundo a tradição de Santo Inácio de Loyola.

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Annick Bonnefond é formadora de uma associação de inspiração inaciana chamada ESDAC – sigla para Exercícios Espirituais para Discernimento Apostólico em Comum.

Esta associação – que segue a espiritualidade de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus – oferece orientação espiritual a cerca de 30 grupos católicos todos os anos, que procuram fortalecer a comunhão entre os seus membros e tomar decisões partilhadas.

Annick explicou o processo nesta entrevista com Gilles Donada do La Croix.

 

O que é uma conversação espiritual?

É uma conversa humilde, profunda e carinhosa que tem a particularidade de estar aberta à presença do Espírito Santo. É inspirada nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. A conversação pode ser praticada em pares ou grupos em contexto cristão, amigável, familiar ou profissional. Esta conversação é baseada na convicção, de pelo menos um dos participantes, de que o Espírito Santo é oferecido a todas as pessoas; e que a escuta é tanto interior (pedimos ao Espírito que nos inspire) como voltada para a palavra do outro. Isso implica uma certa maneira de ouvir e falar.

 

Qual é o lugar da escuta?

Como nos lembra São Tiago, é antes de tudo isto: “Bem o sabeis, meus amados irmãos: cada um seja pronto para ouvir, lento para falar” (Tiago 1, 19). A verdadeira escuta é um caminho exigente. Requer toda a nossa atenção – estar atento ao que se diz e como se diz – sem se distrair com o que se gostaria de responder, deixando de lado os seus preconceitos e julgamentos; e estar convencido de que aquilo que a outra pessoa me está a dar, naquele momento, é precioso. Trata-se de “salvar a proposição” do próximo, como dizia Santo Inácio de Loyola, sem colocar a pessoa num pedestal.

 

E a palavra?

É uma palavra pessoal (expressa por um “eu”, não por um “nós”), marcada pela liberdade, verdade e coragem. É ponderada e reflectida. É uma palavra que diz respeito a partilhar experiências.

 

Qual é o propósito de uma conversação espiritual em grupo?

Para chegar a uma decisão partilhada por todos os participantes, consideramos o grupo como um sujeito de direito próprio, com uma história que é relida para descobrir a presença e a acção de Deus. A escuta é dupla: a Deus e a vida juntos.

 

Tem exemplos de discernimento comunitário que possa dar?

Sim, são muito variados: o acompanhamento de um colega de quarto estudante, ou o da assembleia mundial da Comunidade de Vida Cristã em Buenos Aires em 2018, o que levou a novas orientações; a fusão de duas congregações religiosas e a criação de uma associação de leigos, idealizada por uma dezena de mulheres com origens e perfis muito diferentes. Outro caso marcante: um retiro, que reuniu uma dúzia de pessoas, sobreviventes do genocídio em Ruanda, que optaram por se colocar ao serviço do seu povo traumatizado.

 

Que benefícios já viu?

Há um “sair de si” entre os participantes: estão prontos para abandonar a sua posição se surgir uma ideia melhor. O “eu” e o “tu” movem-se em direcção a um “nós” – uma dimensão muitas vezes esquecida na nossa sociedade individualista. Diante de questões de governação e poder, lembro-me desta comunidade a tirar tempo para resolver as suas tensões. A redescoberta dos seus valores mais profundos fizeram crescer a comunhão entre os participantes e possibilitaram uma decisão unânime.

 

Entrevista de Gilles Donada, publicada no La croix International a 2 de Julho de 2022.