Arquidiocese de Braga -

5 setembro 2022

80 anos e 50 de sacerdócio. Padre Federico Lombardi: “A minha vida ao lado de três Papas”

Fotografia ANSA

DACS com Avvenire

No dia 29 de Agosto, o Pe. Federico superou a marca dos 80 anos de vida: nasceu nesse dia em Saluzzo, cidade pequena da região de Cuneo.

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Considera-se e descreve-se como um “simples” jesuíta, ele que, por formação, é um matemático de profissão. “Formei-me nessa disciplina em 1969 na Universidade de Turim”, mas, por um estranho desígnio do destino, passou boa parte da sua longa existência de sacerdote como “homem da comunicação vaticana” ao serviço de nada menos do que três papas: João Paulo II, Bento XVI e Francisco.

É o retrato que mais se destaca para compreender, mas também para definir uma figura complexa, afável, mas de certa forma esquiva – típica, talvez, de quem é natural de Piemonte – como a do Pe. Federico Lombardi, desde 2016 escritor emérito da revista La Civiltà Cattolica e presidente da Fundação Vaticana Joseph Ratzinger-Bento XVI.

No dia 29 de Agosto, o Pe. Federico superou a marca dos 80 anos de vida: nasceu nesse dia em Saluzzo, cidade pequena da região de Cuneo. “Alcançar esta meta – é a confidência do religioso que nos acolhe num quente e ensolarado dia de Agosto em Villa Malta, em Roma, sede da prestigiada revista La Civiltà Cattolica – significa sobretudo fazer um balanço sobre a própria vida, perguntar-me o que, como idoso, com as próprias recordações, mas também limites e testemunhos, pode ser transmitido às novas gerações. A quem virá depois de nós”.

Mas, para o Pe. Lombardi, este aniversário ainda significa mais. “Vivo este meu aniversário – continua – como a antecipação de uma alegria maior: aquela que experimentarei, dentro de alguns dias, no meu 50º aniversário de sacerdote, que ocorre no dia 2 de Setembro de 1972. O facto de eu ter sido ordenado padre na Alemanha, enquanto concluía os meus estudos em Teologia em Frankfurt, foi o meu «baptismo de fogo» como sacerdote. Um dos privilégios mais belos foi levar o anúncio da fé, naquele ano tão especial para mim, aos muitos imigrantes italianos num ambiente popular”.

O Pe. Federico Lombardi pertence a uma família importante de Piemonte, que afunda as suas raízes no catolicismo social: os seus tios eram o jesuíta e homem de confiança de Pio XII, famoso pelas suas pregações nos anos 1950 e, por isso, chamado de “microfone de Deus”, Riccardo, e o notável jurista Gabrio, que esteve, em 1974, entre os principais nomes da batalha em torno do referendo pela revogação da lei do divórcio. A sua avó Emma Vallauri foi a fundadora da União de Mulheres da Acção Católica Italiana.

 

Até que ponto o facto de ser sobrinho de Riccardo Lombardi influenciou a sua vocação como jesuíta?

Ter um tio jesuíta na família permitiu-me entender melhor esta Ordem, porque ela já me era familiar pelo seu estilo de apostolado. Eu via pouco o meu tio e lembro-me da sua proverbial itinerância para as suas conferências. Mas, como no caso de Carlo Maria Martini, foi sobretudo o contacto direto com os padres da minha escola, Sociale di Torino, que me levou a entrar na Companhia.

 

Em 1973, entrou no colégio de escritores da La Civiltà Cattolica e, em 1977, tornou-se vice-director. Que lembranças guarda desses anos?

Foi um período cheio de entusiasmo, que durou cerca de 11 anos, até 1984, e de renovação na esteira das reivindicações conciliares, graças à liderança carismática de Bartolomeo Sorge: um homem de grande cultura e de intensa vida espiritual, capaz de ficar horas e horas diante do sacrário. Com ele, eu tive a emoção, a 14 de Junho de 1975, de entregar o número 3.000 da revista nas mãos de Paulo VI. Ainda me lembro da emoção do Pe. Sorge diante do Papa Montini. E, em certo sentido, a 24 de Fevereiro de 2017, quando o actual diretor da revista, Pe. Antonio Spadaro, entregou ao Papa Francisco o número 4.000 da nossa revista quinzenal, pareceu-me que estava a reviver a mesma trepidação e o mesmo momento histórico vivido em 1975.

 

Em 1984, durante seis anos, até 1990, viu-se a liderar os jesuítas italianos como superior provincial... O que significou esta experiência?

Esses anos permitiram-me conhecer a fundo a realidade da Companhia de Jesus em Itália, composta por cerca de 1.200 religiosos, espalhados por 90 casas. Entre as experiências mais bonitas, esteve a visita às missões dos nossos padres em terras difíceis como Madagascar ou o Brasil. Como provincial, fui eu que sugeri ao Pe. Sorge, depois da experiência da La Civiltà Cattolica, que fosse a Palermo para começar uma nova vida no Instituto de Formação Política Pedro Arrupe. Acho que foi uma aposta vencedora.

 

Em 1990, tornou-se verdadeiramente um “homem da comunicação da Santa Sé”: de facto, foi apontado pelos superiores da Rádio Vaticana primeiro como director de programas (1990-2005), depois director geral (2005-2016) e, por fim, à frente do Centro Televisivo Vaticano, o CTV (2001-2013). Que balanço faz desse período?

Talvez tenha sido um dos momentos mais fecundos da minha carreira ao serviço da Sé Apostólica. O facto de um jesuíta da La Civiltà Cattolica ser “desviado” para a Rádio Vaticana não era uma novidade. Antes de mim, isso tinha ocorrido com dois ilustres irmãos, como Giacomo Martegani e Roberto Tucci, que depois se tornou cardeal. Daquele período, permaneceu o contacto com toda a equipa, muitas vezes poliglota, o conhecimento das edições em várias línguas das transmissões radiofónicas e, depois, o facto de poder participar nas viagens apostólicas em pleno pontificado de João Paulo II: eu alternava esse papel com o meu então superior, o Pe. Pasquale Borgomeo.

 

Uma experiência totalmente diferente foi a do CTV, no qual acompanhou de perto o fim do pontificado de João Paulo II.

Para mim, foi um privilégio ser o director do Centro Televisivo Vaticano naquele momento histórico, o ano de 2005, porque, graças àquelas filmagens exclusivas, pudemos narrar ao vivo ao grande público o sofrimento, a agonia e a morte de um papa santo como Karol Wojtyla. Foi uma ostensão quase pública do Santo Padre, para mostrar ao mundo não apenas o seu sofrimento, mas também a sua entrega ao Senhor.

 

A 11 de Julho de 2006, chegou a nomeação como director da Sala de Imprensa da Santa Sé. Cargo que ocuparia até 2016 com o Papa Bergoglio.

Ainda hoje não sei explicar por que fui escolhido, sobretudo porque tive que substituir uma figura de muita autoridade como Joaquín Navarro-Valls. Muitas vezes, imagina-se que o director da Sala de Imprensa é o “porta-voz” do Papa, mas não é assim. Não é só apresentar a todos os meios de comunicação do mundo quem é o bispo de Roma, mas, muitas vezes, nesse papel, é preciso contar outros detalhes, por exemplo, como funciona a complexa máquina da Cúria Romana... Para mim, aquele ano de 2006 representou, na verdade, quase um novo começo: uma aprendizagem para aprender a ser “porta-voz”.

 

Uma relação totalmente particular foi a que viveu ao lado de Bento XVI. Pode dizer-nos porquê?

Em certo sentido, acompanhei-o durante quase todo o seu pontificado, desde 2006 até à sua renúncia ao ministério petrino em Fevereiro de 2013. Por trás de uma certa camada de timidez, pelo facto de ser um homem de estudo, o Papa Ratzinger é um homem não apenas afável, mas que também sempre me deixou à vontade. Defini-lo-ia como um Papa teólogo com ideias muito claras. A sua renúncia à Cátedra petrina não foi uma surpresa inesperada para mim. Ainda em 2010, no famoso livro-entrevista “Luz no mundo”, com Peter Seewald, Bento já tinha mencionado a hipótese da renúncia, principalmente por motivos de saúde e de não poder cumprir da melhor forma possível a sua missão pública como sucessor de Pedro. Depois da viagem ao Líbano em Setembro de 2012, já com 85 anos, conduzida por ele de modo egrégio, ele já tinha compreendido que as forças e as energias de antigamente tinham desaparecido. O que impressionou a todos foi a serenidade e o desapego da sua renúncia.

 

Um pontífice com quem costumava falar em alemão, ou em italiano.

Aqui também prevaleceu sempre uma grande virtude de Ratzinger: a humildade. Nas conversas comigo, sempre privilegiou falar em italiano e não em alemão. Por outro lado, ele fala a nossa língua com mais familiaridade do que eu domino a dele. Só em circunstâncias particulares, quando nos encontramos a conversar com o seu secretário pessoal, hoje arcebispo, D. Georg Gänswein, é que ele preferia o uso da sua língua materna. E, na conclusão dessas conversas a três, ele tinha o cuidado de repetir as mesmas coisas em italiano. E a minha resposta era divertida: “Santo Padre, não é preciso tradução. Eu entendo a sua língua, pois estudei-a muitos anos...”.

 

Quando se encontrou com o Papa Emérito pela última vez?

No passado dia 7 de Maio, para actualizá-lo sobre as novidades do Prémio e da Fundação que lhe são dedicados. Ele fala com um fio de voz e, para expressar o seu pensamento, é ajudado nessa mediação pelo seu secretário, o arcebispo Georg Gänswein. Ainda mantém uma lucidez mental formidável. Tem uma memória e uma capacidade de conexão verdadeiramente notáveis para a sua idade. Nota-se tudo a partir da qualidade das suas perguntas e das suas respostas. O que é que este último encontro me deixou? A ideia de um homem que, apesar da sua fragilidade, transmite serenidade, graças também, creio eu, a uma intensa vida feita de oração. Ele despede-se sempre com um belíssimo sorriso e sente-se pronto para o encontro definitivo com o Senhor.

 

Em 2013, tornou-se no porta-voz do Papa Francisco, seu irmão e o primeiro Pontífice jesuíta. Que imagens guarda daqueles três anos?

Vi o meu irmão Jorge Mario Bergoglio pela primeira vez em 1983, por ocasião da XXXIII Congregação Geral dos jesuítas em Roma, que levou à eleição do Prepósito da Companhia Peter Hans Kolvenbach, um homem de grande rigor ascético, mas foi um encontro formal. O verdadeiro conhecimento pessoal ocorreu com a sua eleição ao Trono de Pedro em 2013. Para mim, foi uma graça viver com ele o início e, portanto, talvez a parte mais programática do seu pontificado: acompanhá-lo nas suas primeiras viagens apostólicas e sobretudo descobrir a sua espontaneidade e empatia que tem com cada pessoa que o encontra e se aproxima dele. O que tenho em comum com ele é a linguagem da espiritualidade inaciana e o conhecimento e prática dos Exercícios Espirituais. Palavras como discernimento ou a sua ideia de levar o anúncio do Evangelho ao mundo de hoje e no sinal dos tempos fazem parte de uma linguagem típica nossa, dos jesuítas. Os dons mais belos dos três anos passados ao lado do Papa foram os de descobrir a sua liberdade no espírito (basta pensar nos seus gestos espontâneos como os telefonemas) e o sopro de frescura que ele trouxe para dentro e para fora da Igreja.

 

Como é que o Pe. Federico, no limiar dos seus 80 anos, passa o resto dos seus dias?

Vivendo como um simples sacerdote e como superior da comunidade jesuíta da La Civiltà Cattolica. Se posso, escrevo alguns artigos, muitas vezes sobre a vida eclesial, para a revista. Assim como fazia, enquanto conseguiu, o falecido e mais longevo director da revista, o Pe. GianPaolo Salvini. Agora, consegui acolher um antigo sonho meu: estou entre os curadores da positio para o processo da causa de beatificação de um jesuíta muito querido para mim e um homem do diálogo com a China: Matteo Ricci (1552-1610), de Macerata. Vivo com esperança e fé o meu ministério e olho sem nostalgia para o glorioso passado da minha Ordem, um pouco como costumava fazer o cardeal Martini na parábola final da sua existência, mas alimentando sempre a confiança no futuro da Igreja. E em quem virá depois de mim.

Entrevista de Filippo Rizzi, publicada em Avvenire a 22 de Agosto de 2022.