Arquidiocese de Braga -

21 outubro 2022

Parolin à EWTN: “A verdade distingue a informação da comunicação”

Fotografia Vatican Media

DACS

O Cardeal Secretário de Estado Pietro Parolin discursou no Jantar da EWTN (Eternal Word Television Network) em Frascati na noite de quarta-feira. Publicamos aqui o texto integral das suas reflexões sob o tema: “A verdade é o que distingue a informação da

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Caros amigos da EWTN,

Estou-vos grato por me convidarem para este encontro dos vossos afiliados Europeus. Saúdo o vosso CEO Michael Warsaw, que também é consultor do Dicastério para a Comunicação da Santa Sé, e juntamente com ele, todos aqueles que trabalham convosco.

Comunicar a mensagem salvífica do Evangelho, sobretudo através do Magistério do Sucessor de Pedro, é um apelo radical, que se realiza hoje com novos métodos e novas linguagens.

Vocês pediram-me para partilhar uma breve reflexão sobre o tema “A verdade é o que distingue a informação da comunicação”.

A verdade é um tema crucial para os profissionais da área de comunicação como vós. Trata-se de um tema que, nestes últimos anos, tem vindo a ganhar cada vez mais destaque no debate público tanto pela propagação do fenómeno das fake news como por um tipo de comunicação muitas vezes baseado numa representação distorcida ou falsa do outro. Este é um tipo de fanatismo baseado na convicção de que a verdade em que se acredita é tão absoluta a ponto de legitimar a destruição de outra pessoa, o que os especialistas em comunicação chamam de “assassínio de carácter”. Isto é feito para impor a própria visão da verdade sobre todos os outros. Em vez disso, como observou São João Paulo II na sua mensagem para o XXXV Dia Mundial da Paz, “mesmo quando a verdade for alcançada – e isso só pode acontecer de maneira limitada e imperfeita – ela nunca pode ser imposta”. Muito menos, portanto, pode ser imposta a própria representação distorcida da verdade.

Como Cristãos, e isto certamente é verdade para os profissionais de comunicação, a percepção da verdade não se limita a uma perspectiva horizontal, relacionada apenas com a nossa vida social. Há uma dimensão muito mais profunda. A verdade, para nós cristãos, é uma Pessoa, a Pessoa de Jesus Cristo que, como diz São Paulo, mantém todas as coisas unidas (cf. Col 1,17). É este encontro que garante que a comunicação não continue a ser apenas uma profissão que transmite informação, mas que compreende e coloca esta responsabilidade num horizonte mais amplo do que a divulgação, ainda que importante, de notícias. É este encontro, tecido pelo amor ao outro, que cria aquela unidade que une todas as coisas.

Aqui gostaria de recordar o que costumava dizer a vossa fundadora, Madre Angélica: “É nosso dever falar a verdade, e cada pessoa pode assumir ou não esse dever. Mas a verdade deve estar acima de tudo dentro de nós”. Devemos sempre manter esta afirmação em mente e ter a mesma consciência: a verdade não nos pertence – nós servimos a verdade. E só podemos servi-la com amor e união. Nós somos os seus guardiões, não os seus donos. A verdade está em nós se formos humildes e tivermos a coragem de saber acolhê-la, mesmo que às vezes não se apresente como poderíamos esperar.

Como é que, então, este amor pela verdade, este amor pela Pessoa de Jesus Cristo, este amor pela Igreja, deve ser traduzido na vossa missão de profissionais no campo da comunicação?

Em primeiro lugar, como o Papa Francisco indicou muitas vezes, podemos testemunhar isto através do nosso estilo de comunicação. Numa mensagem aos membros da Catholic Press Association em junho de 2020, o Pontífice convidou os meios de comunicação católicos americanos a trabalhar pela comunhão, ainda mais hoje, “numa época marcada por conflitos e polarizações aos quais a própria comunidade católica não é imune. Precisamos de meios de comunicação”, continuou o Papa, “capazes de construir pontes, defender a vida e derrubar os muros, visíveis e invisíveis, que impedem o diálogo sincero e a comunicação verdadeira entre indivíduos e comunidades”. Se realmente acreditamos que “somos membros uns dos outros”, como nos exorta São Paulo (Ef 4,25), devemos então “emprestar o ouvido do coração” aos outros, sem preconceitos ou exclusão. Tomando emprestado o lema de São John Henry Newman, a nossa comunicação deve “falar de coração para coração”.

Uma grande rede internacional de notícias, como a EWTN, que invoca a mensagem do Evangelho, é, portanto, chamada a promover o entendimento entre as pessoas, o diálogo entre as comunidades e a procura de lugares e oportunidades que criem contacto entre mundos distantes, às vezes em conflito uns com os outros.

O que o apóstolo Pedro pediu aos primeiros crentes em Cristo ressuscitado há dois mil anos é particularmente relevante hoje, especialmente para aqueles que realizam uma tarefa como a vossa: “Esteja sempre pronto para dar uma explicação a quem lhe pedir uma razão para a sua esperança”. Mas, acrescenta, “faça-o com mansidão e reverência” (1 Pe 3:14-17). Estas palavras certamente eram bem conhecidas pela vossa fundadora. “Não se pode ir para o céu a odiar alguém”, sustentou Madre Angélica. “Perdoe agora. Seja compassivo agora. Seja paciente e grato agora”. Os meios de comunicação, ainda mais se pretendem destacar a sua identidade católica, devem procurar não espalhar o ódio, mas sim promover uma comunicação não hostil. A verdade e os valores que dela derivam devem ser defendidos sem medo. Este anúncio, no entanto, deve ser formulado em estilo misericordioso por aqueles que escutam pacientemente as mulheres e os homens do nosso tempo, que caminham com eles, tornando-se também intérpretes dos seus sofrimentos e das suas preocupações.

“Comunicação” contém a raiz “comunhão”. A comunhão está no ADN da comunicação e é fundamentalmente a sua maior aspiração. Uma comunicação que, em vez disso, atiça as chamas da polarização, ou constrói muros em vez de derrubá-los, trai a sua própria natureza. A proclamação da verdade não pode ser separada do exercício da caridade. Já o defendia São João Paulo II na sua Mensagem para o XXV Dia Mundial das Comunicações, quando, fazendo eco da Communio et Progressio, publicada vinte anos antes, observava que “para que os meios de comunicação sejam meios eficazes de comunhão e de autêntica promoção humana, devem ser canais e expressões de verdade, justiça e paz, boa vontade e caridade ativa, ajuda mútua, amor e comunhão”.

Gostaria de concluir com algo particularmente próximo do meu coração. Os meios de comunicação católicos, como bem sabem, têm um papel importante na tarefa da nova evangelização. Por isso é bom que se sintam parte ativa da vida da Igreja, antes de tudo vivendo em espírito de comunhão com o Bispo de Roma. Isto é ainda mais urgente hoje, num tempo marcado por debates excessivamente dramáticos, também no interior da Igreja, que nem sequer poupam a pessoa e o Magistério do Pontífice. Quando a Madre Angélica fundou a EWTN com tremenda coragem e extraordinária criatividade, fê-lo principalmente para fornecer um instrumento do bem ao serviço da Igreja e do Papa. Esta continua a ser a vossa maior missão e recompensa – ser e experimentar-vos ao serviço da Igreja e do Sucessor de Pedro. Como afirmou São João Paulo II, recordando a oração de Jesus por Pedro (Lc 22,31), a missão que Jesus lhe confiou diz respeito à Igreja que se estende através dos séculos e das gerações humanas (cf. Audiência geral, 2 de dezembro de 1992). O diabo procura sempre peneirar-nos como trigo, mas a oração de Jesus por Pedro e pelos seus sucessores é nossa âncora de salvação.

Que este espírito de comunhão com o Papa seja o sinal distintivo do vosso trabalho. Que isso seja “sentido” e “tocado” nas vossas transmissões televisivas, assim como nos vossos artigos e nos vossos programas multimédia. Que cada um dos vossos espectadores ou leitores reconheça a EWTN como uma obra de Deus ao serviço da verdade, da comunhão eclesial e do bem da humanidade.

Discurso do Cardeal Pietro Parolin, publicado no Vatican News a 21 de outubro de 2022.