Arquidiocese de Braga -
10 agosto 2023
“Uma Igreja em constante mudança, para ser a mesma Igreja”
DACS
Ex-bispo de Pemba, em Moçambique, D. Luiz falou da importância da manifestação dos jovens e dos caminhos vislumbrados na Igreja, após a JMJ.
D. Luiz Fernando Lisboa, ex-bispo de Pemba, em Moçambique, e actual arcebispo de Cachoeiro de Itapemirim, no Brasil, está em visita a Braga, após a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que decorreu em Lisboa, de 1 a 6 de agosto.
Bispo da Diocese de Pemba por oito anos, D. Luiz viveu em Moçambique durante vinte anos. A Arquidiocese de Braga tem um projecto de cooperação missionária com a Diocese de Pemba, que se concretiza no projecto Salama!. O Acordo de Cooperação Missionária entre as duas dioceses foi assinado em outubro de 2014, na visita de D. Luiz a Braga, tornando Santa Cecília de Ocua a "552.ª paróquia" da arquidiocese.
Ainda sob as impressões deixadas pela JMJ, D. Luiz falou da importância da manifestação dos jovens e dos caminhos vislumbrados na Igreja.
Como é que você avalia a repercussão da JMJ?
A Jornada Mundial da Juventude foi um evento espetacular. Primeiro pela participação de jovens do mundo inteiro, segundo, pela vontade que os jovens tinham de conhecer o Papa. A todo momento eles gritavam ‘somos jovens do Papa’, ‘a juventude do Papa’. Em terceiro, pela facilidade que o Papa tem de relacionar-se com a juventude, numa linguagem fácil, direta, pedindo para repetir alguns pontos fortes.
Isso agradou muito à juventude. As celebrações com uma plástica, com um visual tão bonito, tão bem preparado, o conteúdo muito profundo, causou muito impacto. Ficava impressionado nas celebrações com o silêncio da juventude, a rezar, a emocionar-se. Foi tudo muito bonito, muito bem organizado. A Igreja de Portugal está de parabéns.
Os jovens mostraram que também querem ter uma voz ativa na Igreja…
Com certeza. O Papa insistiu nisso: ‘vocês são Igreja’. Os jovens não devem ficar a esperar por um espaço que lhes seja concedido, devem buscar esse espaço, conquistar esse espaço, porque são a Igreja. Estamos às vésperas do Sínodo sobre sinodalidade. Penso que o Papa abriu a porta do Sínodo quando insiste que a Igreja tem que ser inclusiva, que é para ‘todos, todos, todos’. Ele pediu que repetíssemos isso. Francisco já deu o sinal de como deve ser o Sínodo. Nele devem-se debater problemas e situações que estão presentes na Igreja e na sociedade. A Igreja tem que saber dialogar com o mundo, com a realidade atual. O Papa deu algumas balizas para que não tenhamos medo de avançar, de ir em frente, de ser uma Igreja sinodal que caminha junto, de ser uma Igreja onde todos os batizados e batizados, onde o povo de Deus tem a sua voz, tenha sua participação.
Ele tem insistido muito que nos libertemos do clericalismo. A Igreja não pode ficar centrada no sacerdote, no bispo. A Igreja é o povo de Deus. Cada um tem a sua função. Cada um tem a sua missão, cada um tem seu ministério e cada voz é importante. Vai ajudar muito a Igreja toda, quem sabe, aqui na Europa, a valorizarmos mais os leigos, porque temos tantos leigos bem preparados, que poderiam assumir serviços, tarefas na Igreja.
Devemos valorizar isso e dar passos. Na América Latina, na Europa, na África, em cada continente, dar passos, para sermos uma Igreja em constante mudança, para ser a mesma Igreja.
Conseguiu encontrar com os jovens de Pemba durante a Jornada?
Encontrei os jovens de Pemba e de outros países da África. Fiquei muito feliz e ficamos bem impactados com o testemunho da Marta, que é uma jovem de Cabo Delgado, uma deslocada de guerra, com toda a sua família. Naquele momento da Adoração, durante a Vigília com o Santo Padre, em que ela deu seu testemunho, impactou o mundo inteiro, porque a situação dela, e da família, é a situação de milhares de pessoas. Nesse momento há cerca de 50 guerras no mundo e 30 delas estão na África.
Isso que está a acontecer em Cabo Delgado está acontecendo em muitos países da África. Esse deslocamento das pessoas, fugir da fome, da guerra e da violência de outras situações, está a passar-se em muitos lugares. Muitas vezes nós, numa sociedade mais organizada, sem grandes conflitos, esquecemo-nos de olhar o todo, o mundo inteiro. Nesse momento, em cerca de em cerca de 40 países, há perseguição religiosa aos cristãos.
Não é o caso de Cabo Delgado, porque é uma guerra por causa de interesses económicos, mas em que se usa também a religião para isso. É um momento de alerta para o mundo. Não podemos ficar voltados só para nós mesmos. É aquilo que o Papa chama de autorreferencialidade. Temos que olhar para os outros. Há muita gente precisando de um apoio, de uma mão amiga, que precisam das nossas orações e da nossa participação de alguma maneira.
Não dá mais para ignorar o que acontece, mesmo porque na Europa e em outros lugares, os refugiados estão à porta, certo?
Agora é importante refletir o seguinte: se a Europa ou América reclamam que há muitos refugiados, é porque não tem ideia dos deslocamentos internos dentro da África, onde há muito mais. Moçambique acolhe milhares de refugiados de muitos países, então o deslocamento dentro da própria África é muito grande.
Qual o testemunho que os jovens de Moçambique deixam ou, melhor, levam?
Estavam muito impactados. Primeiro, porque é uma realidade absolutamente diferente. Estavam encantados com tudo, com Portugal, com Lisboa, com tanta gente. Praticamente para todos eles foi a primeira vez que viajaram de avião. Mas o mais importante é sentirem-se participantes, que são jovens como os outros jovens. Que eles têm problemas que outros jovens também têm, alguns diferentes, outros semelhantes.
Essa convivência com os jovens de outros lugares e, mesmo entre eles, porque alguns não se conheciam, foi muito rica. Ao voltar podem transmitir para a juventude, através dos seus grupos de jovens, ou mesmo pela imprensa, essa riqueza que foi a JMJ e levar aqueles grandes temas que tivemos: o cuidado com a casa comum, na encíclica Laudato Si’ e com a Fratelli Tutti, todos nós somos irmãos e irmãs. Vão poder colaborar muito. E o tema da misericórdia, sobre o qual refletimos. Tem a mensagem central, que foi o texto da Visitação de Maria a Isabel, em que Maria partiu apressadamente, também. Temos que tomar decisões, não podemos ficar contemplando a realidade sem posicionarmo-nos. Temos que, como Maria fez, fazer também, tomar decisões, sair, ir ao encontro e colocar-se a serviço.
A cooperação entre Braga e a Diocese de Pemba é muito significativa?
Esse apoio entre igrejas particulares, entre dioceses, é muito importante. Não estou mais em Pemba, mas o bispo que está lá, D. António Juliasse, já esteve aqui, conversou com o bispo. É um acordo bonito, porque é uma cooperação entre as igrejas. Não é uma igreja que tem, que ajuda a quem não tem. Todos temos alguma coisa para aportar, para ajudar.
Assim como temos uma paróquia na diocese de Pemba, temos os seminaristas em Braga, aprendemos uns dos outros e essa é a riqueza da Igreja. Podemos ir como missionários, somos itinerantes. Hoje estamos aqui, amanhã estamos lá, vamos aprendendo uns com os outros. As duas igrejas estão sim crescendo com essa cooperação.
Como é que está o trabalho agora no Brasil?
Fui para um estado chamado Espírito Santo, onde temos quatro dioceses e estou na diocese de Cachoeiro de Itapemirim. As dioceses do Espírito Santo têm como característica os círculos bíblicos - pequenos grupos que se encontram nas casas para refletir a sua realidade à luz da Palavra de Deus.
Muitos dos círculos bíblicos se transformaram em comunidades eclesiais, e no estado são cerca de 3500 comunidades eclesiais de base. Essas comunidades não dependem do padre. Elas organizam-se, têm os seus conselhos, ministros da Eucaristia, da celebração da Palavra, das exéquias. O padre vai uma vez por mês celebrar e, nos outros domingos, há celebração da Palavra. Homens e mulheres que são preparados, que fazem um curso de teologia básico, que estudam a Palavra de Deus e que partilham a Palavra de Deus com os seus irmãos. As comunidades não ficam a depender do padre para se organizarem e avançarem.
Tudo é feito em sintonia com o padre. Há um conselho paroquial e um conselho comunitário. Cada comunidade toca a sua vida, tem os seus ministros, têm os seus líderes e o padre acompanha, dá formação. É o que estamos a reforçar, essa vida em comunidade, para que o povo de Deus possa assumir o seu protagonismo. Todos, sejam os ministros ordenados e os ministros não-ordenados, cada um tem o seu trabalho e a sua importância dentro da Igreja. Ninguém é mais importante. É um modo de sinodalidade.
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