Arquidiocese de Braga -

11 março 2024

Nova Ágora quer introduzir perspetiva humanista na Inteligência Artificial

Fotografia DACS

DM - Francisco de Assis

Especialistas consideram que Portugal está bem posicionado nesse campo e espera por regulamentação

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Começaram na sexta-feira passada, dia 8, as Conferências Nova Ágora 2024, organizadas pela Arquidiocese de Braga, este ano sobre a Inteligência Artificial (IA),  Na sessão de abertura, o cónego Eduardo Duque, diretor do evento, falou das “vastíssimas potencialidades desta tecnologia transformadora, bem como os seus complexos desafios éticos, sociais e humanísticos”.

Na sessão de abertura, no Espaço Vita, estiveram o Arcebispo de Braga, D. José Cordeiro, bem como os protagonistas do dia, ou seja, os conferencistas, Paulo Novais, catedrático do Departamento de Informática da UMinho, onde lidera o laboratório ISLab do Centro ALGORITMI, e o professor Penousal Machado, docente da Universidade de Coimbra. O moderador foi o jornalista da RTP, Daniel Catalão, especialista em novas tecnologias.

A Nova Ágora, a “praça de diálogo para crentes e não crentes”, criada pela Arquidiocese de Braga, debate a questão da IA e visa ajudar na sua humanização. Porque, “nada do que é humano é indiferente à ação evangelizadora da Igreja”, como salientou D. José Cordeiro. 

Na sua intervenção, o cónego Eduardo Duque começou por referi-se à época em que vivemos, como de “profundas mudanças tecnológicas, impulsionadas pelos avanços exponenciais” na IA. 

“Esta poderoso sistema complexo que é a IA já permeia inúmeras esferas das nossas vidas, desde os assistentes virtuais que facilitam as nossas tarefas quotidianas, até aos sistemas avançados que revolucionam setores como a saúde, a educação e os transportes”.

No entanto, acrescentou, “à medida que a IA se torna cada vez mais omnipresente e sofisticada, emergem interrogações legítimas sobre o seu impacto na sociedade e na própria condição humana. Como podemos garantir que esta tecnologia seja desenvolvida e aplicada de forma ética, pondo a dignidade humana em primeiro plano? De que forma pode a IA contribuir para um mundo mais justo, pacífico e inclusivo, ou, pelo contrário, exacerbar as desigualdades e injustiças existentes?”, questionou.

O momento musical da abertura do Nova Ágora 2024, evento da responsabilidade da Arquidiocese de Braga, esteve a cargo de três jovens músicos, um trio de cordas composto por Ângela Teles, na viola; André Carriço, no violoncelo; e Sílvia Ferreira, no violino.

Intervenção do Papa e da Igreja Católica

Assim, referiu, é neste contexto que a voz da Igreja Católica se ergue, trazendo uma perspetiva moral e humanista fundamental. Ou seja, ajudar a humanizar a IA.

E frisou as recentes palavras do Papa Francisco, que exorta a todos a encarar o progresso tecnológico, incluindo a Inteligência Artificial, com cautela e discernimento ético. “Sua Santidade alerta-nos para os perigos de uma IA desenfreada, desvinculada de valores morais e éticos, que poderia conduzir a uma ‘trajetória de desumanização irreversível’”.

Arcebispo de Braga diz que IA é um grande desafio  de humanidade

O Arcebispo de Braga salientou que este ciclo da Nova Ágora deste ano olha para a IA como um grande desafio de humanidade. “A IA é um salto qualitativo indiscutível na revolução digital”.

D. José Cordeiro também frisou o facto de o Papa já se ter referido em duas mensagens sobre a IA: no Dia Mundial da Paz e Dia Mundial das Comunicações Sociais. “O impacto da IA é enorme nos direitos humanos e na democracia. Como poderemos ser plenamente humanos?”, questionou. 

Alertas e serenidade sobre Inteligência Artificial 

Depois de uma pequena introdução por parte do moderador, Paulo Novais foi o primeiro a  intervir. 

A sua principal preocupação inicial foi, por um lado, mostrar que a Inteligência Artificial “não é assim tão inteligente”; e por outro, que o tema não é novo. Apenas registou uma grande explosão e, sobretudo preocupação por parte de muita gente e de vários setores, incluindo a Igreja Católica. 

O docente da UMinho começou por explicar aquilo que a IA não é. Afirmações deixaram curiosos, os leigos na matéria. Ora, sobre “inteligência”, disse o especialista que a IA não possui inteligência no sentido humano. “Não compreende o mundo como ser humano, em tomar decisões com base em emoções ou intuição. A IA é ‘apenas’ um conjunto de algoritmos e de processamento de dados”.

Quanto à palavra “Artificial”, o conferencista explicou que o seu desenvolvimento e utilização dependem de infraestruturas físicas como servidores, redes e de outros recursos, pelo que não é completamente artificial.

O catedrático da UMinho desmistificou também o conceito de “Consciência” da IA. “A IA não tem consciência ou consciência de si mesmo. Executa tarefas com base em padrões e regras”.

Sobre se é “criativa”, este responsável referiu que, embora possa gerar conteúdos criativos, como música, pinturas ou textos, esta criatividade “deriva de padrões e não de uma verdadeira inspiração criativa”. 

Quanto à sua autonomia, Paulo Novais lembra que a IA requer programação e supervisão  humana. Outro conceito desmistificado foi a questão da  “omnisciência”. “Não sabe tudo. Atua com base nos dados disponíveis e nas instruções fornecidas. O seu conhecimento ‘limita-se ao que lhe foi previamente dado ou aprendido’”.

Paulo Novais deixa alertas sobre ilusão de conhecimento

O conferencista deixou alguns alertas sobre a inteligência artificial, aos presentes no Espaço Vita e aos leitores do Diário do Minho.

E o primeiro diz respeito à equidade e acesso, que tem influência na localização e no estatuto socioeconómico. Chamou atenção ainda para a privacidade e segurança dos dados. Por outro lado, há a questão do enviesamento algorítmico, isto é, a incorporação de dados enviesados, vai gerar decisões ou recomendações enviesadas, como aliás já acontece em diferentes situações.

O professor da Minho, natural de Guimarães, também levantou da dependência excessiva da tecnologia, o que pode desencorajar a interação humana genuína.  

Inteligência Artificial é útil e preciosa, mas pode gerar ilusão do conhecimento

O s conferencistas Paulo Novais, Penousal Machado e Daniel Catalão, falaram que a Inteligência Artificial, pode ser uma ferramenta muito útil e preciosa para a maioria da sociedade, mas que pode gerar ilusão do conhecimento, nomeadamente na criação artística ou na escrita ou mesmo no jornalismo, além da preguiça mental e efeitos nefastos no desenvolvimento cognitivo. No debate, estes oradores garantiram que não se pode ter medo da Inteligência Artificial, considerando que ela já faz parte do nosso dia a dia, nos mais variados setores de atividade.

Se Paulo Novais teve a incumbência de explicar os primórdios e evolução da IA, Penousal Machado teve uma tarefa algo mais facilitada, do ponto de vista da atratividade do público, uma vez que mostrou, com imagens e vídeos, exemplos do que se já pode fazer com Inteligência Artificial. 

As criações do Chatgpt e de outras ferramentas, designadamente na criação de textos, imagens, quadros, rostos que nunca existiram e mutações de outros rostos, foram alguns exemplos dados.

Os conferencistas mostram textos e imagens feitas utilizando apenas IA

Ora, Paulo Novais relativiza os perigos destas aplicações, desde que haja alguma forma de controlo da origem ou da autoria. Isto é, uma espécie de selo de origem, para se saber, por um lado, de quem é o autor; e por outro, a veracidade do documento produzido.

Lembrou que não há como o homem competir com o computador, como não competiu com o telescópio para observar os astros, ou com uma mota ou um avião. As tecnologias existem para facilitar a vida aos humanos.

“Utilizamos artefatos que respondem a tudo e mais alguma coisa, com uma fluência extraordinária, criando a ilusão de facilidade e simplicidade na obtenção de conhecimento; não discutindo a veracidade associada a esse possível conhecimento, mas ignorando as tarefas associadas ao processo, nomeadamente a compreensão”.

Penousal Machado abordou a questão da preguiça mental que pode gerar, com  efeitos nefastos no desenvolvimento cognitivo e na criatividade. “Estamos a delegar a cognição e a criatividade numa máquina e isso não é bom” nem a curto nem a longo prazo.

IA não pode sobrepor-se aos Direitos Humanos 

Os responsáveis chamaram atenção ainda para as questões éticas, tanto naquilo que pode prejudicar os direitos de autor, como os prejuízos na  vida sobretudo das camadas mais frágeis da sociedade.

 Apesar da espetacularidade dos produtos da IA, os especialistas garantem que a máquina a “escravizar os homens” ou “fantoches” das máquinas não está ao virar da esquina.

O medo é natural como já aconteceu com todas as novas invenções. Ainda assim, existe a preocupação para com os direitos humanos, que podem ser postos em causa.

E Paulo Novais, conhecido também na sua vida particular como um cristão ativo, nomeadamente como juiz da Irmandade de São Torcato, ressalvou que nada pode sobrepor-se aos direitos humanos e à dignidade humana.

De referir que os direitos humanos também vão estar em debate no Nova Ágora 2024. “Sejamos guiados pelos princípios basilares de dignidade intrínseca, igualdade universal e liberdade inalienável, aplicando-os à realidade emergente da Inteligência Artificial”, desejou o cónego Eduardo Duque.

Europa é farol, EUA não regulamenta, China regula demais  

Sobre as preocupações em termos de regulamentação  sobre possíveis atropelos aos direitos humanos, Paulo Novais, Penousal Machado e Daniel Catalão concordam que a União Europeia tem sido o farol. 

Contudo, temem, por um lado que a China, como sempre, regule demais, numa posição de controlo; e por outro, os Estados Unidos, mais liberais, regule de menos ou nada.

Aliás, nem de propósito, na próxima quarta-feira, dia 13 de março, os eurodeputados vão aprovar formalmente no plenário em Estrasburgo as primeiras regras de sempre sobre Inteligência Artificial, que deverão ainda passar pelo crivo do Conselho da União Europeia. 

De referir que o Regulamento Inteligência Artificial da UE é a primeira lei de sempre em matéria de inteligência artificial, um quadro normativo que visa garantir que os sistemas de IA são seguros, cumprem a legislação e respeitam os direitos e valores fundamentais da UE.

Assim, as aplicações de IA que representam um risco claro para os direitos fundamentais — como os sistemas de categorização biométrica baseados em características sensíveis, a pontuação social ou a IA utilizada para manipular o comportamento humano — serão proibidas na Europa, pelas novas regras. Por sua vez, os sistemas de IA considerados de risco elevado, utilizados, por exemplo, em infraestruturas críticas, educação, cuidados de saúde, aplicação da lei, gestão das fronteiras ou eleições, terão de cumprir requisitos rigorosos.

Entretanto, as conferências Nova Ágora prosseguem na próxima sexta-feira, dia 15 de março,  com o tema “Inteligência artificial e democracia”. A terceira e última sessão está marcada para o dia 22, e vai debater “Direitos humanos”.  As conferências decorrem sempre às 21h, no Espaço Vita, em Braga.