Arquidiocese de Braga -
29 dezembro 2024
Transbordar de Esperança
Homilia de D. José Cordeiro na Abertura do Ano Santo Jubilar
1. Felizes porque esperamos
“Felizes os que esperam no Senhor e seguem os seus caminhos”. O salmo responsorial dá-nos a perspetiva da felicidade na esperança e no seguimento de Jesus Cristo. Ser feliz é experimentar a bênção dos pais e a fecundidade dos filhos. De facto, o simbolismo da videira fecunda e dos ramos da oliveira são aplicados à prosperidade da família, que se reúne em casa à volta da mesa. Este é um cântico da família abençoada pela fé, pelo trabalho e pelo encontro com as outras famílias.
A feliz graça do rito de abertura do Ano Santo Jubilar na celebração do domingo que se segue à Solenidade do Natal do Senhor, festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José, convoca-nos mais intensamente na Sé Primaz, mãe de todas a igrejas da Arquidiocese, como família de famílias.
Somos peregrinos de esperança em família, como nos recorda o Papa Francisco: «a alegria do amor que se vive nas famílias é também o júbilo da Igreja» (AL 1). A beleza, a bondade e a verdade do amor é testemunhada igualmente pela arte. Ao entrarmos na Catedral, podemos olhar para o alto, entre os tubos dos dois magníficos órgãos, e contemplar um belo retábulo a fresco com os “esponsais da Virgem”, de Manuel Furtado (séc. XVIII).
Hoje, o hino de Laudes canta a família, onde cada um encontra a sua vocação e missão: «assim começa a nova humanidade / na sagrada família em Nazaré; / ali encontrarás a tua imagem, / Povo de Deus, Igreja Universal!».
2. Povo de Deus em caminho com Cristo
A pastoral atual na nossa Arquidiocese é ainda muito marcada pelo modelo de cristandade, apresentando muita dificuldade, e às vezes muita resistência, para assumir uma reviravolta missionária. Como sublinha o documento final da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, na segunda sessão de 2 a 27 de outubro de 2024, no número 115: «o nosso compromisso, sustentado pelo Espírito, é fazer com que a Igreja seja sentida como uma casa acolhedora, um sacramento de encontro e de salvação, uma escola de comunhão para todos os filhos e as filhas de Deus. A Igreja é também Povo de Deus em caminho com Cristo, no qual cada um é chamado a ser peregrino de esperança. Disto mesmo é sinal a prática tradicional das peregrinações. A piedade popular é um dos lugares de uma Igreja sinodal missionária». Deus nos renove na coragem e na confiança de caminhar juntos, rezando, dialogando e construindo comunidade de comunidades.
Precisamos de Paróquias e Unidades Pastorais, no sentido de família de famílias e comunidade de comunidades, onde as pessoas, os grupos, as relações humanas e os espaços de comunicação sejam mais importantes que as estruturas, a organização e os serviços.
A Igreja não é uma empresa, é um corpo em Jesus Cristo, onde o trabalho em equipa é deveras importante. Na realidade, «a Igreja tem já muitos lugares e recursos para a formação de discípulos missionários: famílias, pequenas comunidades, paróquias, agregações eclesiais, seminários, comunidades religiosas, instituições académicas, mas também lugares de serviço e de trabalho com os marginalizados, experiências missionárias e de voluntariado. Em todos estes âmbitos, a comunidade exprime a sua capacidade de educar no discipulado e de acompanhar no testemunho, num encontro que muitas vezes reúne pessoas de diferentes gerações. [...] Na Igreja, ninguém é mero destinatário da formação: todos são sujeitos ativos e têm algo a dar aos outros» (Documento final do Sínodo sobre a sinodalidade, 144).
3. Algumas propostas jubilares concretas:
A Igreja não existe e não pode viver só para si mesma. Existe para o acolhimento de todos, existe para a missão, ou melhor, para evangelizar com o Evangelho, a partir do qual a própria Igreja sempre se evangeliza.
A Bula de proclamação do Grande Jubileu do ano 2025, não se limita a falar de esperança, mas torna-a visível, enumerando alguns dos seus sinais: a paz, a transmissão da vida, o cuidado com os presos, os doentes, os jovens, os migrantes, os exilados, os refugiados e deslocados, os idosos e os pobres.
O rito com o dom da água com que fomos aspergidos em memória viva do Batismo, inspira-nos para que este Ano de Graça seja uma ocasião feliz para cada um fazer uma peregrinação à fonte batismal onde foi batizado e de celebrar, na alegria da fé, o dia do aniversário do Batismo.
O Ano Santo jubilar tem o grande sinal da porta santa e da cruz, âncora de salvação, escancaradas para acolher a todos, como grande passagem, isto é, como Páscoa da renovação pastoral e espiritual. O grande desafio do Cristianismo na atual pós-modernidade não é o ter as “igrejas vazias”, mas o ter as “igrejas permanentemente fechadas”. Não somos uma Igreja de números, mas de pessoas!
De 31 de maio a 2 de junho de 2024 celebrou-se em Braga, com grande alegria e esperança, o 5.º Congresso Eucarístico Nacional. Nas suas conclusões, é afirmada a necessidade de “manter as igrejas abertas e revalorizar a adoração eucarística”. Por isso, é nossa intenção reformular o Calendário do Lausperene Arquidiocesano.
O importante será que em cada dia do ano haja pelo menos uma igreja na Arquidiocese onde se faça adoração ao Santíssimo Sacramento. Acreditámos que sem oração não há missão, por isso aceitemos o desafio desta rede de oração que conduza à renovação espiritual integral na nossa amada Arquidiocese.
Há milhares de pessoas estrangeiras no território das nossas comunidades que nunca foram visitadas. Cada um de nós, os grupos de Jovens, os movimentos podem abraçar este desafio da Igreja sinodal missionária.
Neste Jubileu estou disposto a mudar, a acolher o dom do perdão e a dar gratuitamente o perdão?
Amanhã, em nome da Igreja que peregrina em Braga, irei celebrar o Jubileu com os reclusos no estabelecimento prisional de Guimarães. Deus está onde cada um de nós está.
A nossa sociedade precisa de uma Igreja que seja “hospital de campanha” pronta a socorrer, a cuidar, a abrigar, como já o foi em tantos momentos de crise, ao longo da história. A Igreja quer ser mãe de todos e casa para quem a procura. Porém, também ela é carente de pessoas e meios. A generosidade e o voluntariado precisam de ser desenvolvidos como vocação a servir. Só uma sociedade com alma pode ser inclusiva, solidária e justa. Pessoas das periferias, sobretudo migrantes e refugiados, têm sido muito afetadas. Daí a insistência em acolher, proteger, promover e integrar, os quatro verbos em que se devem inspirar as políticas dos governos e as ações das sociedades de acolhimento.
A Virgem Santa Maria, Mãe da Igreja, nos acompanhe no caminho do encontro «mantendo os olhos fixos em Jesus, autor e consumador da fé» (Heb 12,2) e na proposta alegre da ousadia do Evangelho, a fazer a todos e a cada um.
Para o encontro vivo e pessoal com Jesus Cristo, nossa paz e nossa esperança, sigamos a exortação de São Bento, que tanta devoção inspira na nossa Arquidiocese: «não prefiram absolutamente nada a Cristo, nada preferir ao amor de Cristo».
A Esperança é uma virtude que demanda exercício, mas é principalmente uma virtude teologal, ou seja, tem Deus como fundamento; é uma dádiva de Deus. Portanto, «que, na vossa fé, o Deus da esperança vos cumule de alegria e de paz, para que transbordeis na esperança, pelo poder do Espírito Santo» (Rm 15, 13).
+ José Manuel Cordeiro
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