Arquidiocese de Braga -

1 janeiro 2025

Natal, caminho de Páscoa

Fotografia Avelino Lima

Homilia de D. José Cordeiro na Solenidade da Virgem Santa Maria, Mãe de Deus

1. Oitavo dia

Nesta oitava do Natal, e por isso ainda dia de Natal, a história do nascimento de Jesus tem para nós um novo capítulo, relatado por Lucas: segundo as prescrições da lei judaica, ao oitavo dia depois do nascimento todos os meninos deveriam ser circuncidados. A circuncisão era o sinal da aliança estabelecida entre Deus e o povo de Israel, tal como tinha sido transmitido a Abraão, o pai dos crentes.

Assim, a circuncisão faz de Jesus um membrode pleno direito do povo santo, o povo das alianças, promessas e bênçãos, confirmando a humanidade do Filho de Deus, Messias e Senhor. A encarnação do Verbo não foi uma ficção, nem uma aparência, foi verdadeiramente o assumir de toda a nossa condição humana, a nossa carne, em tudo igual a nós exceto no pecado.

A cruz de quatro braços, abre-se em oito pontos, a indicar o oitavo dia e as oito direções da bússola. Por isso, a simbologia do oitavo dia que hoje celebramos, aplica-se, antes de mais ao Domingo, que é, ao mesmo tempo o primeiro e o oitavo dia, unindo a Páscoa ao Natal e ao fim dos tempos. O oitavo dia é a Páscoa de Jesus Cristo, na qual nós somos incorporados pelo Batismo.

2. Encontrar Jesus

Era também ao oitavo dia, depois da circuncisão, que o pai deveria dar um nome ao seu filho; e para a cultura judaica, a atribuição do nome era também a atribuição da missão de vida. José, que exprime “Deus acrescenta”, dá ao Menino o nome que o anjo indicara: Jesus, que significa "o Senhor salva", e indica a missão de libertação e redenção que Jesus terá a seu cargo em adulto, dando a vida por toda a humanidade.

Essa missão é também anunciada pelos pastores, que acolhendo o anúncio dos anjos acorrem ao lugar onde o Menino Deus se encontrava, e contam tudo o que lhes tinha sido dito. Confirmando que esse anúncio angélico era verdadeiro, os pastores tornam-se, por isso,arautos do nascimento do Messias.

Os pastores são personagens fundamentais nos presépios por nós construídos; eles representam o salto de fé que todos precisamos de dar para acolher Deus que se faz humano: é-lhes dito que nasceu o Messias, Senhor e Salvador. Mas na nossa imaginação, um libertador é um homem forte; um Messias é um rei cheio de poder que vive em palácios; Kyrios, isto é, Senhor, é o nome de Deus, mas também o título dado ao imperador romano. Mas o que eles encontram na realidade é um bebé, frágil e pequeno, nascido na humildade e pobreza.

José e Maria escutam e veem o que acontece com o nascimento do seu filho. Ambos têm de renovar a sua fé e confiança em Deus e no que previamente lhes tinha sido anunciado. Para isso, meditam no coração. Sobretudo Maria, a mãe de Deus, ensina-nos a ler em profundidade os acontecimentos da vida; ensina-nos a prosseguir o caminho mesmo quando não entendemos tudo o que se passa connosco e à nossa volta.

3. Bendizer

Como ouvimos na primeira leitura, o Senhor convoca-nos para bendizer (dizer bem) porque Ele também diz bem de nós. Bendizer é uma tarefa importante, num tempo em que a crítica fácil e o maldizer parecem estar na ordem do dia, como percebemos pelas caixas de comentários nas redes sociais.

Uma das maiores bênçãos que Deus nos concede é a sua paz. Paz que não é a mera ausência de guerra ou conflito, mas um profundo sentimento interior de nos sabermos amados por Deus em todos os momentos da vida.

Na mensagem para este 58.º Dia Mundial da Paz, o Papa Francisco escreve que é o nosso dever estarmos atentos ao grito da humanidade que sofre, e que denuncia todas as situações de injustiça e opressão. Por isso, é nosso dever “escutar este grito da humanidade para nos sentirmos chamados, todos nós, juntos e de modo pessoal, a quebrar as correntes da injustiça para proclamar a justiça de Deus. Alguns atos esporádicos de filantropia não serão suficientes. Em vez disso, são necessárias transformações culturais e estruturais, para que possa haver também uma mudança duradoura”. Hoje, também o manifestámos com o gesto concreto de paz da oração e da coleta em favor da Terra Santa.

Esta mudança duradoura começa no coração de cada um nós, que precisa de se converter todos os dias ao Evangelho. Por isso o Papa diz: “o futuro é um dom que permite ultrapassar os erros do passado e construir novos caminhos de paz. [...] Procuremos a verdadeira paz, que é dada por Deus a um coração desarmado: um coração que não se esforça por calcular o que é meu e o que é teu; um coração que dissolve o egoísmo para se dispor a ir ao encontro dos outros; um coração que não hesita em reconhecer-se devedor de Deus e que, por isso, está pronto para perdoar as dívidas que oprimem o próximo; um coração que supera o desânimo em relação ao futuro com a esperança de que cada pessoa é um bem para este mundo”.

Só depois de convertidos pela graça de Deus é que seremos capazes de construir uma nova sociedade, onde reine a paz, a justiça, o perdão, a liberdade, a confiança, a esperança, a verdade e a caridade.

​Bom ano! Bom Jubileu!

 

​​​​​​​+ José Manuel Cordeiro