Arquidiocese de Braga -
18 dezembro 2025
Opinião
"Não havia lugar para eles": O Natal, a rejeição e os que ainda batem à nossa porta.
Carlos Muniz
Nesta época do ano, as nossas cidades iluminam-se e as nossas casas enfeitam-se com o presépio. Olhamos para a manjedoura com ternura, vendo uma cena de paz idílica. Mas, se retirarmos a pátina dourada da tradição e lermos o relato original do Evangelho de Lucas, encontramos uma história muito mais áspera, marcada pela deslocação forçada e pela rejeição.
O Natal começa com um ato burocrático. José e Maria, ela em fase final de gravidez, não viajaram para Belém por lazer. Foram obrigados por um decreto imperial para um recenseamento. Tiveram de deixar a segurança da sua casa na Galileia e fazer-se à estrada, tornando-se, na prática, deslocados internos dentro do seu próprio império.
Ao chegarem, cansados e vulneráveis, depararam-se com a realidade mais dura daquela noite: a porta fechada. A frase bíblica é curta, mas devastadora: "não havia lugar para eles na hospedaria" (Lc 2, 7).
Na hora de maior necessidade, quando uma jovem mãe precisava apenas de um teto digno para dar à luz, a sociedade organizada de Belém disse "não". Estavam cheios. Estavam ocupados. Talvez não quisessem problemas com forasteiros pobres vindos do norte. O Salvador do mundo não nasceu num berço de ouro, mas na precariedade de um estábulo emprestado, porque a "hospedaria" oficial lhe fechou a porta na cara.
Hoje, 2000 anos depois, a estrada de Nazaré a Belém multiplicou-se em milhares de rotas migratórias pelo mundo. As razões mudaram - fogem da guerra, da miséria, ou simplesmente procuram uma oportunidade de vida digna - mas a dinâmica da rejeição permanece dolorosamente atual.
Quantos Josés e Marias contemporâneos, com os seus filhos ao colo, encontram hoje as fronteiras fechadas, os processos burocráticos intermináveis ou o olhar de desconfiança nas nossas cidades? Quantas vezes a nossa sociedade, ocupada com as suas próprias celebrações, repete, através de leis ou atitudes, que "não há lugar"?
Celebrar o Natal, na sua essência cristã, é recordar que Deus escolheu chegar ao mundo na pele de uma família deslocada e rejeitada. Olhar para o presépio hoje deve ser um exercício desconfortável. Não podemos adorar o Menino na manjedoura de gesso e, ao mesmo tempo, fechar o coração ao irmão que bate à nossa porta na vida real.
Que neste Natal, a nossa memória daquela noite em Belém nos inspire a transformar as "hospedarias" do nosso tempo - as nossas comunidades e leis - em lugares onde haja, finalmente, espaço para acolher.
Carlos Pedro Monaco Tullio Muniz é o responsável pela Pastoral da Mobilidade Humana da Arquidiocese
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