Arquidiocese de Braga -

7 janeiro 2016

A nova paisagem mundial

Fotografia Inês Manso

CMAB

Inês Manso, voluntária em Moçambique

A poesia não é vizinha da simplicidade, ela invadiu-lhe a casa. Ela é residente entre essas paredes frágeis de caniço e paus. Mora na casa da simplicidade.

Aqui vive-se, vive-se sem desenganos, as virtudes e os vícios do Homem civilizado

Refiro-me ao real viver: viver sem medo! Viver intensamente, com os poros abertos depois dos banhos quentes, e sem pudor de absorver o que se agarra à pele.

A costa está longe? Então nada! Mas nada como um ser que pertence ao mar, não lutes com o medo de te afogares. Deixa-te salgar, e quando chegares a terra, entenderás que ela é só uma!

Não escrevo sobre o calor, ou sobre o romântico lusco-fusco do sol deitado no horizonte. Há sombra em todo o lado, há lua feminina e grávida por todos os cantos. Acontece em todos os momentos. Mas aqui, o milagre da vida é um verdadeiro milagre! Cresce espontaneamente e é tratado com a mesma instintividade de toda a magia fértil que muito amiúde toca os distraídos. E isso encanta-me!

Moçambique é sensacionista. Não intelectualiza as emoções. Vive sem apatia, sem moderação, aceita a efemeridade da vida terrena e espalha emoção em todos os movimentos. Esta é uma aprendizagem divina!

Não permitamos a ruína da beleza, não nos deixemos corromper pela vaidade. Mobilizemo-nos em direção à simplicidade, ao alinhamento natural da paz.

Vamos partilhar calor, vamos viver todas as estações dentro dos nossos olhos, mas vamos vivê-las lado a lado, sem camarins de asas vaidosas.

Há honestidade no amor, vamos então vivê-lo sem hipocrisias. Vamos dá-lo porque nos é natural dar, porque nos faz amarmo-nos e amar os outros, e as casas dos outros, e as terras dos outros.

O que nos importa os preconceitos se eles surgem antes dos conceitos? Vamos trocar a ordem das coisas. Criar uma nova ordem mundial. Concentremo-nos em recriar conceitos, e depois a quem lhe apetecer, que crie “pósconceitos”.

Vamos viver a poética moçambicana, foquemo-nos no conceito de amor que sentimos. Essa é a real poesia do voluntário.

Há sempre uma motivação interior, ainda que em algum momento ela possa ser lida com desconfiança, esta é a justificação daqueles que não o são. O amor está lá, a vontade está lá. O superficial desvanece, o imediatismo é ligeiro, mas não há como ficar indiferente à energia da partilha e à responsabilidade que o conhecimento carrega.

Aqui, como em qualquer lugar do mundo, quando me questionam sobre o porquê de escolher Moçambique como a minha casa, a minha resposta invariavelmente se mantém: “E porque não?”. Acredito num mundo, numa espécie humana e animal, numa unidade divina que nos criou e nos aproxima sempre que nos tentamos distanciar. Acredito que a paisagem mundial se (des) muralizará e que as linhas fronteiriças se transformarão em caminhos romanos de um só mundo e uma só humanidade.

Esta é a minha nota quotidiana, a memória que quero viver.

Artigo publicado no Suplemento Igreja Viva de 07 de janeiro 2016.


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Igreja Viva 07 janeiro 2016