Arquidiocese de Braga -

3 setembro 2020

A missão é das pessoas

Fotografia Salama!

Susana Magalhães e Rui Vieira

Susana Magalhães e Rui Vieira, Equipa missionária Salama!

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S.- O terreno da missão tem muitos embondeiros. Podia-se chamar a missão dos embondeiros.

D.- Não. A Missão não é dos embondeiros. A missão é das pessoas. 

E é verdade. É das pessoas e é sobre as pessoas. As suas vidas, as suas culturas, as suas ideias, as suas histórias, os seus rostos, os seus nomes, os seus sonhos, os seus direitos. E também sobre as suas dores, os seus medos, as suas doenças, as suas perdas, as suas faltas.

Nestes dois anos de missão na Diocese de Pemba, mais concretamente na Paróquia de Ocua, são muitas as pessoas que fazem parte deste caminho. São muitas as histórias da missão. São muitas as histórias de vida. E o mundo sabe de muitas destas histórias, muitas delas são repetidas. Sobretudo as de sofrimento. Muitas delas são esquecidas e ignoradas, por isso hoje falamos um pouco sobre elas. 

Claro que por cá, e muitas das nossas histórias narram isso, há felicidade nos detalhes, há reciprocidade nos sorrisos, há histórias cheias de alegria e cor, dança e música. Mas, nestes dois anos de missão, foram muitos os momentos em que sofremos juntos com estas pessoas, estivemos juntos em silêncio, em que perante tempos de dor o que fizemos foi dar a mão, aliviar o fardo, cuidar, permanecer, estar. Afinal é isto que Ele nos pede quando nos faz missionários. Estar para o outro como quem está para si mesmo. 

Falamos das dores do “dia-a-dia”, das dores da pobreza, da doença, da fome, da falta! Mas sublinhamos as dores inesperadas e prolongadas que tudo destroem. O ciclone Kenneth em 2019 com toda a destruição que foi visível ao mundo e com o pós ciclone e as dores que não são tão visíveis e que o resto do mundo acaba por esquecer.

Hoje, no presente, é a dor da guerra. Os ataques no norte da província têm trazido muita dor. A dor da morte. A dor do rapto. A dor de quem sofre a violência e de quem a presencia. A dor de ver a casa a arder, ou toda a aldeia. A dor de deixar tudo para trás. A dor de fugir sem destino certo. A dor da criança e dos pais que durante a fuga pelo mato se perdem uns dos outros. A dor de não ter morada e ser “deslocado”. A dor de quem tem de começar de novo e tenta encontrar um novo pedaço de terra para construir, a dor de quem tenta (sobre)viver, para se lembrar que é pessoa. São milhares de dores pois são milhares as pessoas com histórias como estas. Com relatos de muito sofrimento. 

Perante tudo isto há algo que não nos é indiferente, que nos inspira e cativa: a resiliência humana. A capacidade que este povo tem de continuar. Apesar de tudo o que sofreu e sofre, de tudo o que deixou de ter e ser, das dores que ficarão para sempre, há uma força imensa para se levantar e recomeçar. 

Inspirador é também o dom do acolhimento. Por toda a província e já fora dela são muitas as pessoas que abriram as portas do seu lar para alguém do norte, acolhimento este que é fruto da união e da comunhão da dor. Lá está novamente a dor e o sofrer junto. 

Aqui em Ocua, na nossa paróquia estamos em segurança, mas não nos podemos distanciar da dor que é partilhada por toda a Diocese. Aqui também têm chegado muitas famílias de deslocados que procuram um aconchego e um novo começo junto de familiares. E juntamente com as entidades e as organizações responsáveis procuramos a melhor forma de aliviar as várias dores destas pessoas. Nós, unidos a todos os missionários da Diocese de Pemba, que unidos por uma Graça Maior nos tornamos fonte de esperança e perseverança e também com a missão de dar a conhecer ao mundo as dores destas pessoas. Lembrar ao mundo que todas as pessoas importam. 

Infelizmente juntamos a estas dores o sofrimento da pandemia. Por cá permanecemos em “estado de emergência” há mais de 4 meses, passando pelo isolamento social e por todas as medidas de prevenção necessárias. Na missão adaptamos os projetos ao novo contexto e atentos aos cuidados a ter, focamo-nos na melhor forma de os transmitir. O cansaço e o desconhecimento levam as pessoas ao relaxamento e por isso é importante insistir e lembrar. 

Muito mais poderíamos partilhar sobre a nossa missão e sobre as dores que aqui se vivem. Mas a verdade é que a missão não termina. Nem a de Ocua. Nem a nossa. Já saudosos, mas sempre soubemos que havia um tempo para estar e outro para deixar e esse tempo chegou! Mudam as pessoas, o local, o trabalho, mas a causa e o objectivo permanecem em nós e na nossa vida. Juntos nisto de construir e melhorar a casa comum. Sempre em missão. Aquela que é das pessoas.

Nota: A Arquidiocese de Braga, em comunhão com a Diocese de Pemba, irá iniciar em breve uma campanha de angariação de fundos para apoiar os deslocados. Pode fazer o seu donativo para a seguinte conta: IBAN - PT50 0010 0000 0276 7480 0020 8

Artigo publicado no Suplemento Igreja Viva de 03 de setembro de 2020.


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