Arquidiocese de Braga -
17 setembro 2020
“Acredito que este é o tempo certo”
CMAB
Ainda sem data de partida, Andreia, Fátima e o Pe. Manuel responderam às questões do Igreja Viva sobre a missão para a qual se lançam, o que os fez tomar esta opção e o que esperam encontrar na comunidade de Santa Cecília de Ocua.
UMA EQUIPA DE PARTIDA, SEM HESITAR
É a Segunda vez que a Andreia faz parte da equipa missionária Salama!, mas o mesmo não é o caso da Fátima e o Pe. Manuel Faria. Ainda sem data de partida, os três responderam às questões do Igreja Viva sobre a missão para a qual se lançam, o que os fez tomar esta opção e o que esperam encontrar na comunidade de Santa Cecília de Ouca.
[Igreja Viva] O que vos fez ter vontade de partir em missão?
[Andreia Araújo] O querer ir mais além no serviço ao próximo, vivendo realmente a mensagem de Deus.
[Pe. Manuel Faria] Um chamamento para a missão universal da Igreja, uma maior consciência da missão. O ano missionário extraordinário, animado pela força do Espírito Santo, estimulou a conversão missionária de todos os batizados, que foram convocados para saírem em missão, dando novo impulso à responsabilidade missionária de anunciar o Evangelho. Como sacerdote, acolhi com particular atenção a Nota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa, para o Ano Missionário e o Mês Missionário Extraordinário, com o desafio: “Todos, Tudo e Sempre em Missão”. Foi amadurecendo o convite e o desejo de crescer nesta dimensão da pastoral missionária, acolhendo o convite concreto da nota pastoral referida, que pede para os dias de hoje uma renovação missionária de todos, com o apelo bem explicito: “ao longo deste Ano Missionário, 2018/2019, façamos todos – bispos, padres, diáconos, consagrados e consagradas, adultos, jovens, adolescentes, crianças – a experiência da missão. Sair. Irmos até uma outra paróquia, uma outra diocese, um outro país em missão, para sentirmos que somos chamados por vocação a sermos universais, ou seja, a termos responsabilidade não só sobre a nossa comunidade, mas sobre o mundo inteiro”.
[Fátima Castro] O amor. Parece um lugar-comum, ou uma resposta “pré-fabricada”, mas não há outra que melhor a defina. O que me motiva a partir em missão é o desejo de viver uma humilde experiência de sentir o Evangelho de uma forma mais séria e mais coerente e que, acima de tudo, (me) faça sentido. A essa vontade aliou-se um desejo forte, e extremamente audível, de viver a plenitude do amor a Deus experienciado no amor ao próximo. Quando aceitei que a minha vontade era também a vontade de Deus em mim, percebi que, só assim, podia ser feliz.
[Igreja Viva] Num ano como este, não hesitaram nem uma vez?
[Pe. Manuel Faria] Perante o chamamento do senhor arcebispo, e sabendo da confiança e esperança da equipa missionária, agradeci a ousadia deste desafio, e coloquei a pergunta: “como será isso possível nestes tempos de pandemia e de conflitos nessa região de Moçambique?” A minha disponibilidade pessoal para ser enviado em nome da Igreja diocesana nasceu da oração, que levou a resposta livre e consciente à chamada de Deus para esta missão. Naquela missão de Santa Cecília de Ocua, Moçambique, interpelados pela pobreza, de quem está abandonado a si mesmo, a oração abriu-me o coração às carências de amor, dignidade e acompanhamento pastoral dos nossos irmãos na mesma fé.
[Andreia Araújo] Não. É partir tendo noção da situação atual, e mesmo assim decidir partir.
[Fátima Castro] Pelo contrário. Acredito que este é o tempo certo. É o tempo d’Ele... no meu tempo! Talvez sinta sim, que me seja exigida uma redobrada atenção aos sinais dos tempos e a esta “estranha” dinâmica do mundo que hoje vivemos. Mas isso remete-me para uma maior responsabilidade social e eclesial e, por estas e muitas outras razões, em momento algum hesitei em partir.
[Igreja Viva] O que é que a Fátima fazia antes de agora partir em missão?
[Fátima Castro] Trabalhava num laboratório, na área da prótese dentária, conciliando com alguns projetos pontuais de formação.
[Igreja Viva] Como foi tomar a decisão de partir? E a família, amigos... O que disseram?
[Fátima Castro] “Ama e faz o que quiseres”. Esta famosa, e exigente, frase de Santo Agostinho foi um lema de vida que assumi há muitos anos. Por isso a decisão de partir foi fácil! Difícil foi a partilha dessa mesma decisão com a família, principalmente, porque vão acompanhando pelos meios de comunicação social a atual situação na província de Cabo Delgado. Apesar disso, a família e todos aqueles que me são próximos, sabiam que apenas adiava o inadiável e... aceitaram com muita alegria! Também sabem que as dificuldades e os desafios que vou encontrar, jamais me farão perder o foco e o brilho do olhar porque sabem que, quem parte por amor, só pode receber o bem. Sinto-me tão abençoada por aqueles me rodeiam!
[Andreia Araújo] No meu caso, como já é a segunda vez que irei partir em missão, a minha família já se habituou de certa forma à ideia, pois durante o período que estive em Ocua perceberam que apesar de eu estar longe estava sempre perto, a comunicação era possível e isso facilitou muito a gestão das saudades e da distância. Então quando disse que iria partir em missão novamente lidaram melhor com a notícia, no fundo como se já estivessem à espera.
[Igreja Viva] Existe sempre uma dose de coragem necessária para tomar esta opção, não é? Ou não foi isso que sentiram?
[Andreia Araújo] Sim, eu diria que sim, é uma coragem consciente. É o escolher partir mesmo tendo completa noção das dificuldades e do que pode correr mal, ainda mais num ano como este que vivemos.
[Fátima Castro] Talvez a coragem não seja a melhor palavra. Diria mais que foi a fé, o amor e os muitos testemunhos que a vida se foi encarregando de colocar no meu caminho, que me ajudaram a tomar esta decisão. Deixar tudo – a família, os amigos, uma vida profissional estável, os inúmeros serviços pastorais que assumia – e entregar-me, exigia apenas de mim duas coisas: vocação e fé. Recordo-me do Papa Francisco, este ano na oração Urbi et Orbi, quando repetia as palavras de Jesus: «Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» Nesta dinâmica da fé, incentivava-nos a convidar “Jesus a subir para o barco da nossa vida” e a confiar-Lhe os nossos medos, “para que Ele os vença." Nesse mesmo dia, o convite foi-Lhe (re)enviado e os medos foram-Lhe entregues. Tudo o resto veio, e virá, como uma dádiva.
[Igreja Viva] Este ano, por causa do confinamento, a grande maioria das pessoas experimentou o que é estar longe – mesmo estando na mesma cidade ou freguesia que a família e amigos – porque não podia sair de casa e as redes sociais, o telemóvel e as videochamadas eram a única forma de manter o contacto. Sentem que isso acabou por ser uma preparação 'involuntária' para a distância que agora vão enfrentar?
[Andreia Araújo] Acho que são distâncias bem diferentes. Aqui as pessoas encontravam-se isoladas mas estavam nas suas casas com o seu conforto. Ao partir, assumimos um completo desprendimento físico e emocional, é estar distante de casa, da família mas também da nossa cultura, da nossa terra e dos nossos costumes. Aqui em isolamento as pessoas poderiam estar afastadas mas mesmo assim encontravam-se geograficamente perto (existia aquele sentimento de que a pessoa está ali perto), enquanto que indo para Moçambique a distancia geográfica é muito maior, e não existe sequer a hipótese de ir ter com as pessoas.
[Fátima Castro] Este foi um tempo muito peculiar. Pedia arte e criatividade nas relações. E nós, cada um à sua maneira, fomos aprendendo a cuidar de nós e dos nossos. Por sua vez, também fomos impelidos a sair ao encontro daqueles que não tinham quem deles cuidassem. Talvez isso me tenha ajudado a perceber que era o momento de ser missionária dentro da minha casa, com a minha família, para depois ser missionária no mundo. Nesse tempo tive a firme certeza de que, quando a vida é feita de amor, o amor vence tudo. Por isso também vence as distâncias!
[Igreja Viva] Pe. Manuel, como é que acha que vai ser a transição para um ambiente pastoral tão diferente da Arquidiocese?
[Pe. Manuel Faria] A transição para outro ambiente pastoral e cultural diferente exige muita capacidade de adaptação e inculturação. O facto de ter realizado algumas experiências de voluntariado missionário em terras africanas, e participado na formação “Salama” do CMAB, vai ajudar a acolher esta missão, com a certeza que é preciso uma grande abertura para aceitar as condições especiais da missão. Não fazemos caminho sozinhos, mas levamos connosco cada um de vós que está unido a nós na oração e a viver esta missão que não é só nossa, mas de todos nós.
[Igreja Viva] Estão à espera de encontrar alguma coisa específico lá, ou de sentir algo em específico, ou isso é uma coisa que não vos ocupa a cabeça antes de partir?
[Pe. Manuel Faria] Espero encontrar uma Igreja fraterna e samaritana, pela oração ver a realidade com os olhos de Deus, e crescer como ser humano, na caridade e na missão pastoral.
[Andreia Araújo] Para mim, que já lá estive, estou a contar sentir um sentimento muito específico, de regresso a casa, pois foi o que senti enquanto estive em Ocua, sentia-me em casa.
[Fátima Castro] Muita coisa me faz pensar mas aceitarei tudo como uma dádiva, um presente. Ao longo deste ano de formação procurei esvaziar-me de muitos conceitos (e preconceitos) para dar unicamente lugar à empatia e à bondade. É importante colocar-me no lugar do outro e compreender que, por trás de cada rosto, há uma história, uma cultura, uma religião, um caminho trilhado. E, para que tal aconteça, o único caminho é estar com eles e, a eles, entregar-me sem restrições.
Entrevista publicada no Suplemento Igreja Viva de 17 de setembro de 2020.
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