Arquidiocese de Braga -
21 maio 2021
Com olhos de samaritano ou Wàttamana mitthupo, muhèttettelanaka? [1]
CMAB
O programa pastoral arquidiocesano, assente na virtude teologal da caridade e na senda da parábola do bom samaritano, diz de uma só vez: onde há amor há um olhar. Na ordem do dizer está tudo dito. Na parábola todos viram o homem caído, calcado e calado, m
1. Da candeia do teu corpo que são os teus olhos
Pode acontecer que estejamos inundados de “informações” e, até essas, não serem verdadeiras: muita informação está ao serviço dos seus “padrinhos”. Pode acontecer que na nossa cabeça haja confusão entre o que é real e virtual, que a exposição contínua ao sofrimento nos torne indiferentes ou que a preocupação pelos “nossos”, ao perto, nos impeça de alargar o horizonte, ao longe. Pode acontecer que a nossa candeia esteja apagada ou iluminada por fogos de vistas ou não receba a luz natural da manhã, nem do meio dia nem do final da tarde. Pode acontecer que os nossos olhos estejam embaciados com lágrimas ou com as nossas ideias pré-concebidas. A candeia do corpo, individual e comunitário, são os nossos olhos (Lc 11, 34). Eduquemo-nos, pois, uns aos outros, no olhar crítico contemplativo. Não somos otimistas ingénuos nem pessimistas amargos e, portanto, importa olhar nos olhos os caídos na beira da estrada. Reparemos nestes ditos populares frequentemente anestesiantes:
- “São pobres mas são felizes”: os “pobres” riem como toda a gente, o que não quer dizer que estejam felizes. Quer dizer somente que são pessoas.
- “Aquele povo precisa de tudo”: pode querer dizer que sabemos à partida as suas necessidades, o que faz com que o que temos em casa (e já não nos serve) tenha de lhes servir. Tratar com dignidade os mais fragilizados significa ir ao encontro das suas necessidades e não das nossas.
- “Somos todos irmãos”: percebemos, no entanto, que por exemplo nesta situação atual de conflito que está a acontecer em Cabo Delgado-Moçambique, há vidas que valem mais do que outras.
- “Se aproveitassem a riqueza que têm”. Quem tem acesso e usufrui da riqueza? Pode haver justa distribuição da riqueza se há injusto acesso à formação, à saúde, ao emprego, à organização social?
2. Do dom precioso das lágrimas
“Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha”, clamou o Papa Francisco. Poderemos pensar que é uma imagem publicitária. Não é! É uma realidade literal, sobretudo nos contextos de conflito como é o caso de Cabo Delgado-Moçambique (que corresponde à nossa Diocese irmã de Pemba). Continuam os combates sangrentos e para os quais continua a haver muito discurso internacional e pouca vontade efetiva de resolução do conflito. Mais de meio milhão de pessoas deslocadas e mais de duas mil mortes continuam a ser frias estatísticas. Não há tempo a perder! Há cuidados básicos a serem prestados. A nossa Igreja vive lá, derramando lágrimas de mãe e desdobrando-se em iniciativas, crendo que todos os filhos merecem ser tratados da mesma forma. Os povos de Cabo Delgado, do Congo, do Iraque, da Venezuela continuam a chorar por atenção, por cuidados maternais, materiais e espirituais. As mesmas lágrimas que não chegam aos produtores de vacinas para a covid-19 para os países pobres ou às agências de investigação em relação a desenvolvimentos nos tratamentos da malária, cólera e outras doenças que afetam milhões de pessoas. As mesmas lágrimas que nos recordam que em grande parte do mundo os cristãos continuam a viver somente da memória da Palavra de Deus, da Eucaristia e dos outros sacramentos porque grande parte das comunidades não têm acesso a nenhum deles no dia-a-dia.
Peçamos a Deus o dom cristão das lágrimas: “a pessoa que, vendo as coisas como realmente estão, se deixa trespassar pela aflição e chora no seu coração, é capaz de alcançar as profundezas da vida e ser autenticamente feliz (GE 76). Não falamos da lágrima momentânea mas da comoção que deriva da integridade cristã. O cristianismo não vive de heróis de banda desenhada mas de martírio branco e vermelho, de sangue e vida derramados, de homens e mulheres que nos autocarros, nas fábricas e nos campos, hospitais e noutros lugares vitais experimentam a proximidade com Cristo. Por isso o discípulo missionário precisa pôr de parte a ansiedade para olhar nos olhos, nutrir-se da luz e da força do Espírito Santo, trabalhando um olhar contemplativo a partir do coração do Evangelho.
3. Da família com olhar grato
Os discípulos não são maiores do que o Mestre: a sorte do Mestre é a sorte dos seus discípulos. D. Luiz Fernando Lisboa, bispo da diocese de Pemba entre junho de 2013 e fevereiro de 2021, é um Homem de causas, que serviu e lutou pela causa do povo, independentemente da sua religião ou etnia, que viu sofrer e do qual se tornou uma voz inconformada e para alguns sectores inconveniente. O D. Luiz foi exímio nesta Missão de luta pelos que não têm voz, porque lhe corre no sangue o Batismo. Com ele aprendemos o perfume do acolhimento e da atenção a cada um e a cada uma que se lhe abeirava, mesmo no meio das suas infinitas solicitações. Efetivamos com D. Luiz, em 2015, um projeto de cooperação missionária entre as dioceses de Braga e Pemba. Tudo é olhado com gratidão. Agradecemos a sua Missão em Pemba e connosco, com tudo o que nos proporcionou, desejando-lhe frutuosa missão como Arcebispo de Cachoeiro de Itapemirim (Brasil). Saudamos agora D. António Juliasse como Administrador Apostólico de Pemba, com a mesma atitude de disponibilidade e de serviço para continuarmos a apoiarmo-nos como irmãos, seguindo juntos este caminho de luta pela justiça e pela dignidade humana.
4. Do lavar dos olhos, verdadeira visita pascal
Comprometermo-nos na missão de lutar contra a indiferença e o olhar cego, a não ficarmos presos nos desafios locais, olhando sempre mais fundo e mais longe do que os olhos mostram. Enquanto Igreja una, comprometemo-nos a rezar também pelas pessoas de Cabo Delgado (Pemba), a apoiar os milhares de deslocados, mas, acima de tudo, a não deixar cair esta causa no esquecimento.
O tempo pascal é um bom tempo para lavarmos os olhos com a fé, a esperança e a caridade.
CMAB, tempo pascal de 2021
Notas:
1. Recordamos parte da finalidade da renúncia quaresmal da Arquidiocese: “O contributo penitencial ou a renúncia quaresmal ajudam-nos a ir para além das boas intenções e a enveredar pelo testemunho, pois a Igreja Arquidiocesana também deve cuidar da pobreza, através do Fundo Partilhar com Esperança e das necessidades básicas da comunidade de Santa Cecília de Ocua, na diocese de Pemba, em Moçambique” (D. Jorge Ortiga, Quaresma 2021)
2. A recolha de bens para a campanha “Juntos por Cabo Delgado”, em parceria com a Diocese de Pemba/Cáritas Diocesana de Pemba, com o objetivo de apoiar mais de meio milhão de pessoas deslocadas em Pemba terminou com êxito no dia 31 de março. A campanha (e a generosidade) nos vários arciprestados da Arquidiocese de Braga superou as expectativas, sendo que reunimos materiais solicitados para o envio de dois contentores. Procedemos ao embalamento dos bens, que atualmente aguardam, no Pavilhão da ONGD Sopro, em Barcelos, os documentos de isenção de impostos, por serem bens doados, que chegarão brevemente de Moçambique. Daremos notícias aquando do despacho do contentor.
3. A campanha “Juntos por Cabo Delgado” continua a recolha de donativos em dinheiro. Pode fazer uma doação através da conta da Arquidiocese de Braga para o efeito: PT50 0010 0000 0276 7480 0020 8
[1] Viver perto uns dos outros como os bichinhos da traça que não se visitam.
Download de Ficheiros
nota_cmab_Braga_Pemba.pdf
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