Arquidiocese de Braga -
3 setembro 2021
O grito de quem sonha voltar a sorrir; as lamentações de quem se tornou estrangeiro em seu próprio país e hóspede em sua própria terra
Jaimito Samuel Jorge China
Jaimito Samuel Jorge China, seminarista da Diocese de Pemba a estudar no Seminário Conciliar de Braga
Este terrorismo veio estagnar o crescimento de um povo que, por falta de estabilidade, segurança e por temor pelas suas próprias vidas, teve de abandonar a sua terra, deixando-a à mercê de homens que se escondem atrás de uma inaudita crueldade. Foi por causa de tal crueldade, de uma guerra sem rosto, desta desumanidade manifestada por aqueles insurgentes que nem conseguem distinguir as crianças dos adultos nem os animais dos humanos. Devido à deslocação que emerge de tal situação, e que possibilitou um espaço favorável a um sincretismo cultural, ou seja, a um inevitável encontro e confronto entre as culturas Makonde, Makua e Mwani, o povo encontra-se, agora, na iminência de perder ou a ver transformado o tesouro que mais o caracteriza – a sua cultura. O povo, que já era pobre, contudo alegre, vivencia agora uma pobreza acrescida. Naquela região, vive-se num absoluto caos: escolas destruídas, hospitais vandalizadas, casas queimadas... E isto torna-se ainda mais chocante quando sabemos que esta destruição acontece numa região onde para construir uma estrada, um hospital ou uma escola pode levar anos e anos. Atualmente, fala-se de regresso! Dos insurgentes quase abatidos! Da claridade, do ressurgimento da luz naquela sombria terra. Mas como regressar? Que teto abrigará o povo! Que futuro o espera? Oxalá que assim fosse, que tudo isto terminasse, e que a paz voltasse a reinar desde o Ruvuma até a Maputo.
Quando penso em tudo isto, a voz da saudade fala mais alto, e a esperança de regresso ao normal, a um normal diferente, como era de esperar, faz-nos crer que o sofrimento que o nosso povo agora enfrenta não durará para sempre. E queira Deus! Queira Deus, Aquele que pode evitar que a chuva toque a terra, que este pesadelo seja temporário, e que, enquanto este não terminar, o povo se mantenha firme e alegre na esperança de um dia voltar a sorrir.
Agora somos um povo que nem o direito de se defender tem; somos um povo em busca da liberdade e alegria perdidas; somos um povo com um presente ensanguentado e com um futuro desconhecido; somos um povo perdido nos caminhos desta vida fugaz; perdido na incerteza dos passos mornos e receosos; somos um povo afogado neste mar de lágrimas que nossos próprios olhos derramam. Somos um povo que, dia após dia, silenciosamente, na amargura dos caminhos sem destino e indistintos, perambulando como que anestesiado, contempla o triste fim dos seus, mortos pela fúria da espada do «inimigo sem rosto». Somo-lo, de facto, mas não o seremos para sempre. Porque, por mais acabrunhada que seja a nossa dor, não perderemos nunca a esperança. Choraremos enquanto lutamos, e lutaremos enquanto sonhamos por um Moçambique melhor, um Moçambique para todos. Agora resta-nos a esperança no regresso, a saudade pelas práticas culturais, por aquilo que é nosso, que é parte de nós, que é o sangue que corre nas nossas veias. Ah! Que saudade. Saudade das danças nas ruas, da música tradicional que, no silêncio das noites, se fazia escutar ao som do batuque que movia até os corações mais entristecidos! Que saudades dos encontros noturnos em volta das lareiras, onde os mais velhos, com as mais simples palavras, contavam aos mais novos as histórias dos ancestrais. Que tudo isso desperte em nós o desejo de voltarmos a sorrir, e que esse desejo refortaleça os alicerces da nossa esperança. A esperança de voltarmos a viver e a conviver em paz, de voltarmos a escutar as vozes das crianças, símbolos da inocência humana, que, na sua alegria, nos convidavam ao mais sincero sorriso do Homem livre. Todavia, é preciso união. Uma união que gere uma força capaz de superar todo e qualquer tipo de egocentrismo, oportunismo, individualismo e, sobretudo, o infinito desejo do poder e da riqueza que apenas nos tornam cegos e insensíveis perante o grito desesperado do outro. Moçambique não pode permitir que a segurança de uns seja a desgraça para os outros.
Artigo publicado no Jornal Diário do Minho de 03 de setembro de 2021.
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