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22 Set 2020
D. Anacleto, apaixonado pela Palavra
Homilia na Missa Exequial de D. Anacleto Oliveira, Bispo de Viana do Castelo.
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Deus Pai, rico em misericórdia, chamou a Si D. Anacleto Oliveira. Foram cinquenta anos de vida sacerdotal e dez anos como pastor desta diocese de Viana do Castelo. Diocese recente e jovem e, por conseguinte, o quarto bispo diocesano.

D. Anacleto teve uma vida plena de sonhos e projectos, de emoções e alegrias. Deu-se totalmente, deu tudo de si até ao fim pelo bem do Reino de Deus. Penso intuir que uma das suas maiores alegrias terá sido a canonização de S. Bartolomeu dos Mártires. Falou dele imensas vezes, recordou o seu estilo de ser pastor e tentou pautar a sua vida pastoral pelos mesmos ideais.

De entre os muitos valores que D. Anacleto absorveu da vida do santo, recordo o célebre episódio do pequeno pastor. Parece-me que poderá sintetizar muito bem o que foi a sua vida. S. Bartolomeu, apesar do Inverno e frio que se fazia sentir no início do seu serviço episcopal, começou de imediato as visitas pastorais. O território era imenso, tal como as dificuldades imprevistas.

Conta-nos Fr. Luís de Sousa “oferece-se-lhe à vista, não longe do caminho, posto sobre um penedo alto e descoberto ao vento e à chuva, um menino pobre e mal reparado de roupa, que vigiava umas ovelhinhas, que ao longe andavam pastando. Notou o Arcebispo a estância, o tempo, a idade, o vestido, a paciência do pobrezinho; e viu juntamente, que ao pé do penedo se abria uma lapa, que podia ser bastante abrigo para o tempo. Movido de piedade, parou, chamou-o e disse-lhe que se descesse abaixo para a lapa e fugisse da chuva, pois não tinha roupa bastante para a esperar.

– Isso não, respondeu o pastorinho, que em deixando de estar alerta e com o olho aberto, vem o lobo e leva-me a ovelha, ou vem a raposa e mata-me o cordeiro.
– E que vai nisso? – disse o Arcebispo.
– A mim vai muito, – tornou ele –, que tenho pai em casa, que pelejará comigo, e tão bom dia, se não forem mais que brados. Eu vigio o gado, ele me vigia a mim: mais vale sofrer a chuva. Não quis o Arcebispo dar mais passo. Esperou que chegassem os da sua companhia, contou-lhes o que se passava com o menino, e acrescentou:
– E este esfarrapadinho inocente ensina a Frei Bartolomeu a ser Arcebispo! Este me avisa que não deixe de acudir e visitar minhas ovelhas, por mais tempestades que fulmine o céu; que se este, com tão pouco remédio para as passar, todavia não foge delas, respeitando o mandado do pai mais do que o seu descanso, que razão poderei eu dar, se, por medo de adoecer ou padecer um pouco de frio, desamparar as ovelhas, cujo cuidado e vigia Cristo fiou de mim, quando me fez pastor delas?”.

Dizem-me que D. Anacleto, na sua pregação, se comprazia em apresentar Deus como Pai. Os seus conhecimentos bíblicos encontravam nuances que nos permitiam vislumbrar o autêntico rosto de Deus, em contraponto com tantas outras imagens deturpadas e veiculadas pela História. Ter Deus por Pai é uma graça infinita que nos oferece a tranquilidade e a paz de sabermos que alguém nos ama e olha por nós. Ao mesmo tempo, é um pai que nos confia uma missão. Reproduzir a sua paternidade junto de todos com tudo o que isto possa supor e exigir. É bom sentir a paternidade de Deus. Ser pai, nos tempos que correm, é tarefa difícil mas deslumbrante, exige muito mas realiza intensamente. O Pai cuida de mim e eu cuido das ovelhas.

Não é casual que D. Anacleto tenha escolhido “Escravo de todos” para seu lema episcopal. Na esteira do grande apóstolo Paulo, que dizia “embora livre em relação a todos, fiz-me servo de todos, para ganhar o maior número” (1Cor 9,19), também D. Anacleto despojou-se de tudo, dos seus projectos e sonhos, para ser tudo para todos. Quis ser missão numa proximidade muito concreta com todos.

Ele gostava de traduzir “servo” por “escravo”. Apesar de ser uma linguagem pouco compreendida nos dias de hoje, revela a força do primado do amor, de tudo fazer para colocar os outros no centro das atenções. Num contexto de individualismo e egoísmo, falar de serviço é uma novidade que causa estranheza a muitos, mas é com esta radicalizado que mostramos que o Evangelho mantém uma novidade permanente.

Este lema pode ser para nós, que conhecemos D. Anacleto, e particularmente para todos os cristãos da diocese de Viana do Castelo, um testamento. A dureza da sua morte, inesperada e dolorosa, obriga-nos agora a retomar a missão onde ele a deixou. Deu-se por completo, mas há ainda muito por fazer na Igreja e no mundo.

Os tempos difíceis que vivemos intensificam esta convicção. A pandemia veio trazer ao terreno da vida duas palavras que explicitam esta vocação de serviço apaixonado e desinteressado: solidariedade e solicitude. Na verdade, filhos de um único pai, caminhamos juntos numa fraternidade universal que aceita as diferenças mas que não permite a indiferença. Somos efectivamente, como consequência desta grande certeza, um único corpo. Lemos e ouvimos que a crise sanitária e social apenas pode ser ultrapassada pelo exercício da solidariedade que se torna visível através de gestos e atenção de solicitude concreta. As nossas comunidades terão de ser cada vez mais misericordiosas, compassivas, interventivas, solícitas, generosas, inclusivas, proactivas no amor.

Mas, uma comunidade alicerçada nestes valores apenas resistirá se tiver boas fundações. E não conhecemos melhores pilares – aqueles que nos sustentam em tempos de turbulência – do que a Palavra de Deus. Necessitamos de oferecer ao mundo a pureza do evangelho. Este é o nosso melhor contributo. Assim o fez D. Anacleto Oliveira, quer no monumental trabalho que realizou no Ano Paulino quer nos vários artigos académicos e Cartas Pastorais que nos deixou. Não basta, porém, um anúncio superficial da Palavra. A Igreja necessita de se converter ao Evangelho, compreendo-o na sua autenticidade e vivendo-o no anúncio e na transparência. O Papa Francisco fala de “transbordamento”. Deixar-se possuir pela Palavra para a colocar no mundo como semente.

O mundo precisa da Palavra de Deus na sua forma mais pura. A perspicácia intelectual e a profundidade dos conhecimentos bíblicos de D. Anacleto reclamam da Igreja um compromisso sério com a Sagrada Escritura. Longe vão os tempos de uma pastoral alavancada por moralismos e doutrinas circunstanciais. Ou mostramos o Evangelho tal qual ele é ou gastamos energias inutilmente. E isto é uma missão que compete a todo o Povo de Deus.

Se dúvidas houvesse da importância da Palavra de Deus, escutemos atentamente o Evangelho de hoje: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”. Ouvir a Palavra de Deus e pô-la em prática é a missão de todo o cristão. É o princípio de tudo. Se o Papa Francisco fala da renovação inadiável, a Igreja tem de apostar numa verdadeira paixão e compromisso com a Palavra de Deus.

Caríssimos amigos, a paternidade é um dom de Deus mas também uma responsabilidade a viver na solidariedade e solicitude por todos. A Palavra de Deus é tudo quanto Deus Pai quer oferecer ao mundo na sua originalidade e autenticidade. Sejamos um prolongamento da vida de D. Anacleto, trazendo para a nossa vida e das nossas comunidades estes apelos que a Palavra de Deus nos lança.

Que o Senhor acolha na Sua morada o nosso querido irmão D. Anacleto Oliveira e que a Palavra de Deus nos abra o entendimento e o coração ao tempo pascal da ressurreição.

† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

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