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28 Mai 2023
Traçar azimutes para o caminho
Homilia proferida na Sé de Braga, por ocasião do centenário do CNE
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1. RECEBER O PASSADO

O Corpo Nacional de Escutas (CNE) nasceu por vontade e ação de D. Manuel Vieira de Matos, Arcebispo Metropolita de Braga e Primaz das Espanhas, inspirando-se numa manifestação da fé católica, o 26º Congresso Eucarístico Internacional, realizado, em Roma, em 1922.

Este sintomático facto recorda-nos a ousadia da Igreja em acolher no seu seio um movimento que na sua génese não era católico, mas nele se intuiu a possibilidade de contribuir para a educação integral de crianças, adolescentes e jovens dos 6 aos 22 anos, segundo esse método escutista criado por Baden-Powell e o sabor do Evangelho de Jesus Cristo. Na verdade, para tal hospitalidade muito contribuiu o pensamento e ação do Venerável P. Jacques Sevin, que tornou credível o Escutismo para a Igreja Católica e levou a Igreja Católica para o seio do movimento escutista.

Na verdade, a génese do CNE assinala que a primeira Junta Nacional: D. Manuel Vieira de Matos, Franklin António de Oliveira, Mons. Avelino Gonçalves, Manuel Soares da Silva, Álvaro Benjamim Coutinho, não reconheceu só como evangélico aquilo que já era conhecido e institucionalizado, nem permaneceu presa a categorias que já se tinham cristalizado, mas, com docilidade à ação de Deus-Amor e com coragem evangélica, estes homens revelaram-se capazes de se relacionaram com os sinais dos tempos para dar forma a processos eclesiais. Assim nasceu o CNE, pela atenção da Igreja de se deixar interpelar pelo diálogo com tempos, protoganistas e lugares distintos do seu âmbito eclesial.

2. CELEBRAR O PRESENTE

Hoje, o Papa Francisco desafia-nos para a sinodalidade que não é unicamente o agir da Igreja, é também a sua forma de se compreender como Povo de Deus que está a caminho, construindo a comunhão pela escuta da Palavra e da celebração da Eucaristia, da fraternidade, da corresponsabilidade e da participação de todos nos seus vários ministérios e vocações. Por isso, compreende-se bem a própria identidade e missão do CNE como uma das mais belas e consistentes expressões da Igreja em Portugal.

Este desejo de Francisco é exigente porque nos falta o hábito e o estilo de nos incluirmos como Igreja que é Povo de Deus em caminho. Logo, a fé não se propõe, não se vive, não se pensa nem atua alheada de um tempo específico e de um cenário cultural concreto.

A celebrar com memória agradecida os 100 anos da fundação do CNE é tempo de valorizar tudo quanto de fecundo possibilita, aqui e agora, construir um futuro com bases sólidas. Tal é possível por causa da entrega desmedida de tantos que não esperaram outra recompensa senão a de saber que cumpriram o mandato do Mestre, precisamente na lógica do grão de trigo que, para dar fruto, precisa de morrer, como escutámos na página do Evangelho. Não podemos cair na extenuante repetição de fórmulas passadas, nem numa aparente renovação das mesmas. Nem antes estávamos tão bem, nem agora estamos tão mal. O CNE, nas suas ações e reflexões, é chamado a receber o passado, a celebrar o presente e a sonhar o futuro.

O Papa Francisco, em 2019, com acerto e clarividência, afirmava que fazer apelo à memória «não significa ancorar-se na autoconservação, mas recordar a vida e a vitalidade de um percurso em desenvolvimento contínuo. A memória não é estática, mas dinâmica: a tradição é a garantia do futuro e não a custódia das cinzas».

Portanto, o CNE assumirá estes dados como responsabilidade apostólica para dar corpo, em todos os tempos da história, a uma mudança de olhar: da ideia à realidade, da ocupação de espaços seguros à dinâmica de processos incertos, da cristalização ao movimento, da doutrina abstrata às práticas eclesiais, do cómodo do fez-se sempre assim à ousadia da pastoral em chave sinodal missionária. Os sinais dos tempos convidam-nos a deixar o Espírito do próprio Jesus Cristo traçar caminhos de vida diversificados.

O CNE, a celebrar o seu centenário, não se pode furtar a uma reflexão constante sobre a razão de ser da sua existência. Caso contrário, corre o sério risco de ficar a falar sozinho ou a dar respostas a perguntas que já ninguém coloca. Deste modo, se estiver petrificado não será fiel à tradição da Igreja e jamais será capaz de escutar e acolher as interpelações do Espírito Santo.

3. SONHAR O FUTURO

Hoje, não pretendo apresentar-vos fórmulas mágicas, leis abstratas ou enunciados fechados, mas, ancorados e fortalecidos pelo Amor de Deus, revelado e presente em Jesus Cristo, o Homem-Novo, reconhecendo este movimento como laboratório da fé cristã. Assim, identifico três vastos campos de missão onde o CNE é interpelado a aprofundar para assumir a sua missão de traduzir o Evangelho:


3.1. Onde estás? (Gn 3,9)

A vossa ação educativa terá sempre que conhecer os desafios deste tempo e tornar fecunda a antropologia cristã, a qual ilumina e dá sabor às vidas concretas das crianças, adolescentes e jovens, acolhendo a cada pessoa na sua humanidade, que é sempre uma história única entrelaçada de feridas e conquistas, fragilidades e talentos. Nunca poderemos ceder à tentação de converter a proposta cristã em mós de pedra doutrinária. A missão da Igreja é acolher todos como são, procurando ajudar a tornarem-se ainda mais.

Não renunciamos a propor a meta do ideal evangélico - o Amor (a Deus e ao próximo e, assim, assumir Jesus Cristo, o Homem-Novo, como forma de Vida), mas não poderemos esquecer que, embora caminhemos todos para este ideal, nem todos o percorrem ao mesmo ritmo. Há etapas de aproximação a uma resposta plena que se quer dar ao ideal de Vida proposto por Jesus. Este ideal não é gradual, mas o caminho até Ele é gradual. Alguns caminham rápido, outros caminham com custo e há ainda quem pare e recomece.

A proposta de Jesus Cristo é exigente. O mais cómodo seria aplicar normas de maneira rígida e universal ou partir de algumas convicções gerais e aplicar conclusões sem ter em conta a complexidade da vida das pessoas, mas essa não é a proposta de Jesus Cristo. Onde só se vê sombras e impasses, somos chamados a fazer florir, a partir da situação concreta que cada pessoa se encontra, possibilidades e graças inéditas. O sabor do Evangelho não se resume a obrigações ou proibições para nos disciplinar, mas expõe-nos a metas por descobrir, plenas de possibilidades e promessas para inspirar, acender e renovar a vida.

3.2. O que fazes aqui? (cf. 1 Rs 19,9)

Um dos principais elementos típicos da pedagogia escutista é a relação que os escuteiros garantem com a casa comum. A vida na natureza é uma condição indispensável para que o Escutismo aconteça, trazendo benefícios para o desenvolvimento de cada escuteiro, mas também é uma forma privilegiada para desenvolver a dimensão contemplativa da Criação, ou seja, olhá-la como um dom e não como algo a ser explorado pelo lucro. Quando contemplamos descobrimos nos outros e na natureza algo muito maior do que a sua utilidade. O CNE propõe, mediante a sua pedagogia, a contemplação como um exercício que nos convoca a ir além da utilidade. Assim, contemplamos o belo, mas não para explorá-lo: contemplar é gratuidade, descobrindo, assim, o valor intrínseco da realidade criada que foi conferido por Deus-Amor. A Criação é um lugar para o compromisso cristão de cada escuteiro, porque a experiência da fé cristã na vida implica a atitude de protecção e cuidado da casa comum.

3.3. Onde está o teu irmão? (Gn 4,9)

Na linguagem do Papa Francisco o urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral.

O CNE oferece um inestimável contributo para a construção da fraternidade e a defesa da liberdade e da dignidade de cada ser humano, acolhendo-o como irmão. Não o fará por diplomacia, mas por reconhecer o valor de cada pessoa humana como criatura chamada a ser filho ou filha de Deus.

Urge sair do conforto das nossas necessidades para nos encontrarmos com os outros, permitindo que o sopro transformador de vida evangélica gere um movimento que vai do impenetrável ao aberto, do gueto ao diálogo, do meu ao nosso, do monocolor ao poliédrico e, assim, arriscar no anseio de uma fraternidade entre todos.

Na colegialidade eclesial sinodal para a missão: «desejamos que este centenário seja oportunidade para valorizar o sentido do compromisso da Promessa escutista, para que continue a ser profética na edificação da fraternidade humana e na construção da justiça e da paz. A Santa Maria, Mãe dos escutas, confiamos todos os Escuteiros e Dirigentes, para que seja sempre o seu amparo e proteção» (Conferência Episcopal Portuguesa, Nota pastoral sobre o centenário do CNE).

Neste sentido, importa que o CNE contribua para um mundo aberto, na certeza de que o ser humano não se realiza, nem encontra a sua plenitude a não ser no sincero dom de si aos outros, porque ninguém experimenta a fecundidade da vida sem rostos a quem cuidar e amar.

+ José Manuel Cordeiro
Arcebispo Metropolita de Braga

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Palavras-Chave:
CNE  •  José Cordeiro  •  Centenário
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