Arquidiocese de Braga -

29 maio 2023

Aproximar é evangelizar

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Homilia por ocasião da conclusão da Visita Pastoral a Amares

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1. Nova criação

Sem o Espírito Santo, a Igreja é uma comunidade incapaz de semear esperança, consolação, alegria e vida no mundo. Sem o Espírito, talvez possamos fazer grandes discursos, mas sem levar alento aos corações. Sem o Espírito, talvez possamos falar com autoridade e eloquência, mas não seremos capazes de gerar confiança. Sem o Espírito, acabaremos confinados a uma organização, a uma associação de benfeitores, uma concessionária de serviços.

Jesus, na nova criação do Pentecostes, ao enviar os discípulos, sopra sobre eles e diz-lhes: «Recebei o Espírito Santo» (Jo 20, 22). Tudo começa de novo. É o Espírito que aponta novos horizontes, liberta do medo, devolve a paz e a esperança e abre as portas ao anúncio e testemunho: «Benfeitor supremo em todo o momento, habitando em nós sois o nosso alento» (Sequência).

Cumpre-nos hoje experimentar nas nossas comunidades esta “nova criação”, pela certeza da presença viva de Jesus entre nós e pelo testemunho apaixonado do Evangelho. O centro é Cristo. Só Ele pode despertar e alimentar a comunhão e a fraternidade. Só Ele pode renovar os corações. «Em nós, os crentes, ressoa constantemente o convite para que, da liturgia à caridade, da catequese ao testemunho de vida, tudo na Igreja torne visível e reconhecível o rosto de Cristo, a centralidade do mistério integral de Cristo» (Carta Pastoral 2022).

2. Com Maria e como Maria

“Com Maria e como Maria”, porque “há pressa no Amor”, fizemo-nos hoje peregrinos da Senhora da Abadia: «Teimoso lutador, não desanimo / Olho o monte mais alto e subo ao cimo, / A ver se ao pé do céu sou mais feliz» (Miguel Torga).

«A metáfora da peregrinação é um dos mais antigos exercícios espirituais. O peregrino é alguém que caminha e espera o encontro.» (Carta Pastoral 2022) Hoje, sobre o pano fundo das “Avé Marias”, e meditando episódios da vida de Jesus, quisemos fazer caminho e comunhão entre nós, mãos dadas a Maria, atraídos pelo seu olhar maternal. Neste peregrinar, dividimos esforços para carregar os estandartes, a cruz e o andor da Senhora; acertamos harmoniosamente o passo e o canto; apoiamo-nos mutuamente, dando redobrada atenção aos mais frágeis; subimos, animados pelos mesmos sentimentos, em direção ao Alto, para estar na presença do Senhor. «A alegria de caminharmos juntos fundamenta e revigora os nossos passos: “Aproximar é evangelizar. A proximidade e a evangelização caminham juntas. Fazer a sinodalidade é ser Igreja”» (Mensagem ao arciprestado de Amares).


3. Encontro vivo com Jesus Cristo

E celebramos solenemente a alegria da fé, ancorada no encontro vivo com o Senhor: «Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar» (EG 3). Porque discípulos amados, também nós quisemos vir ao encontro do Senhor e escutar a sua Palavra, segredar-Lhe cansaços e preocupações, repousar a cabeça sobre o Seu peito e fruir da Sua Vida, comungar do seu Corpo e Sangue.

A Eucaristia, como tão bem soprou o Vaticano II, é “fonte e centro de toda a vida cristã” (LG 11), porque n’Ela está contido o sacrifício de Cristo: Deus doa-se total e gratuitamente ao homem, e o homem entrega-se inteiramente ao Pai que o ama. Conscientes de que a celebração dominical da Eucaristia está no centro da vida da Igreja, «nós, cristãos, vamos à Missa aos domingos para encontrar o Senhor Ressuscitado, ou melhor, para nos deixarmos encontrar por Ele, ouvir a sua palavra, alimentar-nos à sua mesa e assim tornar-nos Igreja, isto é, seu Corpo místico vivo no mundo» (Papa Francisco).

4. Visita Pastoral e conversão pastoral

No regresso às nossas famílias, às comunidades, à labuta e canseiras diárias, como Maria na visita a Isabel, seremos realmente cristóforos, apressados carregadores de Cristo. A Mãe, que hoje carregamos aos ombros e trouxemos a Jesus, pede-nos que O levemos connosco para O oferecer, em gestos e palavras, a todos os homens; Aquela que velou pelo êxito das bodas de Caná, continua hoje a repetir-nos: «O que Ele vos disser, fazei-o» (Jo 2, 5). O esforço devoto e confirmado nesta peregrinação só fará sentido se for inspiração para a nossa consagração diária ao serviço uns dos outros.

Ao concluir a Visita Pastoral ao Arciprestado de Amares, anima-nos a certeza de ter “confirmado a vossa fé”, e a esperança de vos podermos ajudar a «crescer em fraternidade, para fazermos da Igreja uma família onde se acolhe e se ama». «Como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós» (Jo 20, 21). A nossa missão é a mesma de Jesus: ser aquilo que Jesus foi; fazer no mundo, aquilo que Jesus fez; servir os homens como Jesus serviu; ou, simplesmente, amar como Jesus amou.

Em Igreja sinodal samaritana, onde todos contam e todos «como pedras vivas, entram na construção deste templo espiritual» (1Pd 2, 4-5), a condição prévia é abrir o coração ao Espírito, primeiro e imprescindível “agente pastoral”: «O Espírito sopra onde quer: ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim é todo aquele que nasceu do Espírito» (Jo 3,8). Todo o batizado, consagrado na missão régia, profética e sacerdotal de Cristo, não se pode dispensar de dar o contributo na edificação da Igreja, Corpo místico de Cristo, na qual «não há judeu nem grego, não há servo nem homem livre, não há macho e fêmea, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus» (Gal 3,28).

Cumpre-nos, como sugerido na síntese sinodal arquidiocesana, dar mais atenção à escuta e à proximidade: «A escuta e a proximidade são mencionadas como algo essencial, mas em falta na vida comunitária. Com a identificação desta “falta”, quer-se dizer que não existe a cultura dos “leigos escutarem os leigos” e destes serem escutados pelos párocos, isto é, a predisposição para escutar o próximo, mesmo sem terem de se convocar reuniões ou assembleias».
A sabedoria oriental ensina que «Deus deu ao homem dois ouvidos, dois olhos e uma boca para vermos e ouvirmos duas vezes mais do que falamos». A missão tornar-se-á mais consciente e consistente à medida que nos dispusermos a escutar: escutar o Espírito, na Escritura, na criação, nos acontecimentos, na liturgia; escutar os irmãos, nos grupos e comunidades de pertença, nos mais frágeis, afastados e marginalizados, nas vítimas de todo o tipo de abuso e violência; escutar os nossos pastores, acolhendo as propostas e prioridades pastorais da arquidiocese e do Magistério papal.

«A espiritualidade da nova evangelização concretiza-se hoje numa conversão pastoral, por meio da qual a Igreja é chamada a realizar-se em saída segundo um dinamismo que atravessa toda a Revelação e se coloca num estado permanente de missão» (Diretório para a Catequese, 40). A tentação de trocar o ser pelo fazer esgota-se no ativismo; a tentação gerir o tempo em vez do lugar transforma-nos em baratas-tontas; a tentação de priorizar o virtual à presença, faz-nos cair na impassibilidade; a tentação de atender ao acessório em vez do essencial, torna-nos escravos da moda; a tentação de prestar serviços em vez de evangelizar esvazia e reduz as comunidades cristãs a associações de benfeitoria social, promotoria de eventos ou agência de serviços.

Os dons, ministérios e ações do Espírito, ao serviço do “bem comum”, hão de contribuir para o crescimento harmónico da comunidade: «Há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diversas operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum» (1 Cor 12). Quando se dá lugar à vaidade, ao bairrismo ou à procura de protagonismo, ameaça-se a harmonia e a unidade da Igreja, provoca-se divisões e conflitos, obsta-se à manifestação do Espírito.

Não bastam os nossos esforços e trabalhos. É Jesus quem pode desencadear a mudança de horizonte, a libertação do medo e da apreensão, o clima novo de paz e serenidade de que tanto necessitamos para abrir as portas e ser audazes no anúncio do Evangelho aos homens e mulheres do nosso tempo. Precisamos vencer dúvidas e medos que ainda nos fazem viver com as portas trancadas ao Evangelho e de costas voltados uns para os outros.

5. Jovens e adultos na fé

Decididamente, não podemos negligenciar o lugar e papel dos jovens na Igreja: «No Sínodo, exortou-se a construir uma pastoral juvenil capaz de criar espaços inclusivos, onde haja lugar para todo o tipo de jovens e onde se manifeste, realmente, que somos uma Igreja com as portas abertas. Não é necessário sequer que uma pessoa aceite completamente todos os ensinamentos da Igreja para poder participar em alguns dos nossos espaços dedicados aos jovens. Basta uma atitude aberta para com todos os que tenham o desejo e a disposição de se deixar encontrar pela verdade revelada por Deus» (CV 234).

Os jovens precisam de comunidades espiritualmente maduras, cristãos adultos na fé, capazes de lhes “dar razões da própria esperança” (1Pd 3, 15), dispostos a acompanhá-los no seu caminho, generosos e pacientes na escuta, compreensão, ajuda e proximidade efetiva e afetiva. A juventude tem pressa no amor: «Ter amor, de uma pessoa por outra, talvez seja a coisa mais difícil que nos foi dada, a mais extrema, a derradeira prova e provação, o trabalho para o qual qualquer outro trabalho é apenas uma preparação. Por isso as pessoas jovens, iniciantes em tudo, ainda não podem amar: precisam aprender o amor» (Rainer Maria Rilke).

Em vários momentos da Visita Pastoral, foram sendo repetidas algumas máximas que podem ajudar a pensar e direcionar a rota futura: “menos missas e melhor missa”; “o menos, por vezes, pode ser mais”; “parar é andar para trás”; “quem não serve para servir, não serve”; “quem não quer mudar, muda-se”; “o que é que isto tem a ver com o Evangelho?”; “não podemos evangelizar sem Evangelho e o Evangelho é Cristo”; “o diabo entra pelos bolsos – repete o Papa”; “o centro/sentido (modelo) da nossa missão é Cristo”; “somos igreja sinodal samaritana”. Ouçamos o Papa Francisco: «neste momento, não nos serve uma “simples administração”. Constituamo-nos em “estado permanente de missão”, em todas as regiões da terra» (EG 25).

Na Carta Pastoral a toda a Arquidiocese, quis deixar claro que a Igreja existe para evangelizar: «Conservemos o fervor do espírito, portanto; conservemos a suave e reconfortante alegria de evangelizar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas! (…). E que o mundo do nosso tempo que procura, ora na angústia, ora com esperança, possa receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e desanimados, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo, e são aqueles que aceitaram arriscar a sua própria vida para que o reino seja anunciado e a Igreja seja implantada no meio do mundo» para mostrar os surpreendentes mistérios de Cristo, nossa Páscoa e nossa Paz» (Carta Pastoral 2022).
Eis-nos aqui, diante de Vós, Espírito Santo!
Eis-nos aqui, reunidos em vosso nome!
Só a Vós temos por Guia:
vinde a nós, ficai connosco,
e dignai-vos habitar em nossos corações.
Ensinai-nos o rumo a seguir
e como caminhar juntos até à meta.


+ José Manuel Cordeiro