Arquidiocese de Braga -

20 maio 2018

Um novo impulso para a pastoral familiar

Fotografia Avelino Lima

Homilia no Dia Arquidiocesano da Família

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É já hábito celebrarmos o Dia Arquidiocesano da Família no Domingo mais próximo do Dia Mundial da Família, a 15 de Maio. Fazemo-lo em atitude de gratidão por tudo o que a Arquidiocese de Braga realiza na Pastoral Familiar no âmbito dos seus 14 arciprestados e 551 paróquias. A gratidão pelo trabalho realizado não permite que nos refugiemos nas metas alcançadas. Ninguém ignora que a realidade familiar se encontra no centro das preocupações de quem pretende um mundo mais humano. Nela desaguam tantas interrogações e perplexidades. O que deveria ser um recanto de felicidade e de alegria está a ser tomado por problemáticas complexas às quais não nos podemos alhear. Muitos contentam-se em deixar correr e fecham os olhos. Muitos outros rompem com os laços e lançam os filhos à deriva sem referências afectivas estáveis e educadores. Sem pessimismos, o diagnóstico da vida familiar não é muito positivo. O santuário do amor vai-se transformando num local inóspito.

Graças a Deus que existem muitos casais que constroem diariamente a alegria de viver em família, no amor que se renova, para não envelhecer, e numa atenção ao essencial: dar a vida pelo outro e testemunhar a alegre felicidade a partir das pequenas coisas que tecem o dia-a-dia. É bom olharmos para estes elementos positivos e não darmos margem a uma mentalidade de desencanto e desânimo. Muitos casais sabem viver em família e alguns já interpretam a aventura do matrimónio como vocação de Deus que chama a viver em união permanente. Este chamamento exige coragem, entrega e até algum sofrimento. Mas quando existe entrega, respeito, humildade e doação qualquer obstáculo é superável. Hoje damos graças a Deus por aqueles que já completaram vários anos de vida em comum (1, 25, 50 e 60). É um momento festivo para eles e a Igreja diocesana também rejubila e reza pelas suas intenções. 

Encontrando-nos neste Dia Arquidiocesano, gostaria de recordar que é o primeiro ano depois de ter publicado a Carta Pastoral “Construir a Casa sobre a Rocha. Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os construtores” (05/12/2017). Não precisamos de pensar muito para entender quais são os objectivos e o que se pretende com estas orientações. O caminho da pastoral familiar é longo e as áreas de actuação imensas. Mas, por muito que pensemos e estruturemos, na ausência de Deus nada é possível. É Deus o autor da História. Assim, creio que a principal tarefa da Igreja, através da pastoral familiar, é a de colocar Deus no coração da família. Deus que, como dizem os últimos Papas, nada retira mas tudo dá. Hoje somos demasiado calculistas e não queremos arriscar. Temos medo e não colocamos Deus no centro, permitindo reler a história do amor familiar à luz de quem ama imensamente a família e já deu a sua vida por ela, por intermédio do seu Filho.

Não é por acaso que o Papa Francisco na Exortação Apostólica Amoris Laetitia, e como gostava que esta exortação fosse lida e meditada por casais e por grupos da pastoral familiar, termina a sua reflexão sobre o amor na família com um capítulo sobre a “espiritualidade conjugal e familiar”. Neste capítulo afirma-se que a “Trindade está presente no templo da comunhão matrimonial. Assim como habita nos louvores do seu povo (cf. Sl 22/21, 4), assim também vive intimamente no amor conjugal que Lhe dá glória. A presença do Senhor habita na família real e concreta, com todos os seus sofrimentos, lutas, alegrias e propósitos diários. Quando se vive em família, é difícil fingir e mentir, não podemos mostrar uma máscara. Se o amor anima esta autenticidade, o Senhor reina nela com a sua alegria e a sua paz. A espiritualidade do amor familiar é feita de milhares de gestos reais e concretos. Deus tem a sua própria habitação nesta variedade de dons e encontros que fazem maturar a comunhão. […] A espiritualidade matrimonial é uma espiritualidade do vínculo habitado pelo amor divino” (cf. AL 314-315).

Por vezes afastamos Deus da vida humana. O Papa recorda-nos que Ele está na comunhão familiar, assim como nas alegrias, tristezas e problemas. Em todos esses momentos, Deus conforta-nos, liberta-nos dos nossos receios e reforça o Seu amor por nós. Se os casais vivessem nesta atitude e se a pastoral familiar trabalhasse com esta intenção, os problemas não deixariam de existir mas encontrariam sempre uma solução. Esta espiritualidade da primazia de Deus na união matrimonial é um porto seguro no projecto de transformar o lar cristão num lugar de felicidade. Ousemos acreditar, sem vergonha, porque se Cristo entrar nas famílias tudo será diferente.

Se neste trazer Deus para o centro da família reside o essencial da pastoral familiar, temos, ao mesmo tempo, de promover uma profunda renovação que só os casais poderão realizar. Dos múltiplos problemas quero referir-me a dois. Em primeiro lugar, “a queda demográfica, causada por uma mentalidade antinatalista e promovida pelas políticas mundiais de saúde reprodutiva, não só determina uma situação em que a sucessão das gerações deixa de estar garantida, mas corre-se o risco de levar, com o tempo, a um empobrecimento económico e a uma perda de esperança no futuro” (AL 64)

O mesmo se passa em relação aos idosos. Deixo o pensamento do Papa para ser sintético e termos a possibilidade de meditar com a clareza as suas palavras.

“«A maioria das famílias respeita os idosos, rodeia-os de carinho e considera-os uma bênção. Um agradecimento especial deve ser dirigido às associações e movimentos familiares que trabalham a favor dos idosos, sob o aspeto espiritual e social (...). Nas sociedades altamente industrializadas, onde o seu número tende a aumentar enquanto diminui a taxa de natalidade, os idosos correm o risco de ser vistos como um peso. Por outro lado, os cuidados que requerem muitas vezes põem a dura prova os seus entes queridos». «A valorização da fase conclusiva da vida é, hoje, ainda mais necessária, porque na sociedade atual se tenta, de todos os modos possíveis, ocultar o momento da passagem. Às vezes, a fragilidade e dependência do idoso são iniquamente exploradas por mero proveito económico. Muitas famílias ensinam-nos que é possível enfrentar os últimos anos da vida, valorizando o sentido de realização e integração de toda a existência no mistério pascal. Um grande número de idosos é acolhido em estruturas da Igreja, onde podem viver num ambiente sereno e familiar a nível material e espiritual. A eutanásia e o suicídio assistido são graves ameaças para as famílias, em todo o mundo. A sua prática é legal em muitos Estados. A Igreja, ao mesmo tempo que se opõe firmemente a tais práticas, sente o dever de ajudar as famílias que cuidam dos seus membros idosos e doentes»” (AL 48).

Ao encerrarmos a Semana da Vida, é muito importante não nos aliarmos desta realidade. A natalidade deve ser estimada e promovida e os últimos anos da vida devem ser cuidados com toda a solicitude, amor e carinho. Esta é a única resposta a situações concretas para os quais alguns exigem a legalização da eutanásia. Neste dia não posso deixar ainda de apelar a que nas diferentes comunidades sejam criados grupos de casais segundo a dinâmica dos semeadores da esperança. O grupo oferece interiorização da Palavra e respostas para que a esperança exista em todos os sectores da Humanidade e particularmente nas famílias.

Que Maria, a Imaculada, provoque uma maior dinamização da pastoral matrimonial na nossa Arquidiocese. Não podemos, como Igreja, deixar de oferecer um contributo positivo para que a vida em família ofereça felicidade a todos os seus membros.

† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz


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