Arquidiocese de Braga -

5 agosto 2025

Celebração do 25º aniversário de ordenação - XVIII T.C (Ano C)

Homilia da Eucaristia de Ação de Graças pelos 25 anos da ordenação sacerdotal - Paróquia do Estreito de Câmara de Lobos, Diocese do Funchal

Fotografia DR

As viagens quase sempre proporcionam experiências de aprendizagem que deixam marcas ao longo da vida. Algumas podem até ter um impacto transformador. Ao longo desta semana, por exemplo, milhares de jovens viajaram para Roma, em espírito de peregrinação, para participarem no Jubileu com o Papa Leão XIV. Os peregrinos vão celebrar a fé em ambiente de festa, no encontro com jovens de todo o mundo, em espaços emblemáticos como a Praça de S. Pedro, em celebrações presididas pelo Papa ou alguns dos bispos das suas dioceses. Em suma, viverão experiências únicas que abrem para novos horizontes, reforçam o sentido de pertença à um corpo e fazem crescer na fé. 

O evangelista S. Lucas descreve a viagem de Jesus para Jerusalém. Durante esse percurso, o bom Mestre instruí os discípulos e, movido pela compaixão, transforma a vida daqueles que se aproximam dele. Na passagem que acabamos de escutar, Ele transmite uma importante lição. Ao ser chamado para ajuizar uma disputa entre irmãos, Ele faz uma recomendação que não devemos esquecer: «guardai-vos de toda a ganância. A vida de uma pessoa não depende da abundância dos seus bens». O Mestre da vida alerta-nos para o perigo do desejo incontrolado de bens materiais. Jesus não condena o uso dos bens porque sabe que são necessários, são dádivas de Deus para o bem da humanidade. Ele faz apenas uma chamada de atenção para a atitude de avareza que dá à pessoa uma falsa segurança, uma ideia errada de felicidade, uma atitude que a torna cruel ou indiferente às legitimas súplicas de um irmão. O ganancioso diz no seu coração: «O meu celeiro, o meu trigo, o meu campo, o meu carro, a minha alma». Meu, meu, minha. É como uma criança egoísta, incapaz de partilhar, que diz «o meu brinquedo, o meu boneco» como se tudo fosse dela. 

Irmãos, a mensagem de Jesus é de uma grande atualidade. Perguntemo-nos: qual é a minha principal motivação? Onde invisto os meus talentos e a minha energia? Em ter apenas ou em ser?

Vivemos numa cultura que sobrevaloriza o sucesso económico. As pessoas que têm muito, ainda que tenham recorrido a meios imorais como a corrupção, parecem ser as mais importantes. Numa sociedade em que tudo é comercializado, aqueles que não têm nada ou quase nada para dar em troca, como os pobres, os idosos, as pessoas com deficiência, são vistos como um peso, um objeto sem valor. Mas esta mentalidade é claramente contrária à proposta de Jesus. Em Cristo, o outro é sempre imagem de Deus, independentemente da sua cor, nacionalidade ou capacidade de gerar riqueza. 

Com razão os Padres da Igreja referem-se à avareza como uma desordem de espírito. O avaro faz do outro um rival, um inimigo, e é incapaz de gestos generosos. Por isso, a Igreja incluiu a avareza como um dos sete pecados capitais, isto é, um pecado que é fonte de outros tantos como a ira, a inveja e a maledicência. Não pensemos que esta doença é só das pessoas ricas. Há pobres ou simples pessoas remediadas, leigos e clérigos, que padecem deste mal. O falecido Papa Francisco, por exemplo, dizia que a avareza é um vício transversal, «é uma doença do coração, não da carteira.” (24/1/2024). Aos homens da Igreja, aos seminaristas, padres e bispos, costumava dizer «o diabo entra pelos bolsos». A ganância é causa de desvio de Deus, como escreveu S. Paulo a Timóteo: «o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males; guiados por tal desejo, alguns afastaram-se da fé e a si mesmos infligiram muitos sofrimentos (1Tm 6,10)

Como bispo, sei que não estou isento da tentação «das riquezas e da vaidade». Sei, por exemplo, que vou ter a tentação de ser um líder popular, que diz o que agrada a uma maioria, apenas para obter aplausos ou gostos nas redes sociais. Sei, enfim, que é muito mais difícil ser um discípulo de Jesus e permanecer fiel, mesmo quando se é criticado, quando se tem a coragem de denunciar as armadilhas deste tempo, de propor a Boa Nova e de viver em coerência com o que se propõe. Mas é esse o caminho que eu livremente assumi há 25 anos, na celebração da ordenação, na Sé do Funchal. É esse caminho com o Mestre e convosco que eu quero continuar a fazer. Esta celebração é manifestação desse propósito. Convosco, em comunhão com Igreja, quero ser fiel às promessas que fiz no dia da ordenação, seja como sacerdote, no Funchal, seja como Bispo, em Braga. Conto com a ajuda de Deus e com o vosso apoio. 

Irmãos, concluo recordando que é bom reler e meditar na Palavra de Deus porque ela é como um remédio que cura a doença das vaidades e as manias de imortalidade. Para vencer esta tentação, já os antigos romanos tinham por costume levar consigo um escravo para que sussurrasse ao ouvido do general vitorioso, que entrava na cidade em triunfo e era aclamado como um herói: «lembra-te que és homem. Lembra-te que és mortal». Vaidade das vaidades ou absurdo dos absurdos, assim podem ser traduzidas as palavras do autor da primeira leitura. É um absurdo uma vida centrada na aquisição de bens e num sucesso que exclui dimensões como a espiritualidade e as relações fraternas. Se perdemos o essencial, amargamos a vida, a nossa e a dos outros. 

Aos jovens em particular

«A vida de uma pessoa não depende dos seus bens». A verdadeira vida, a vida com sentido, a vida alegre, mesmo no meio de tribulações, não depende da conta bancária, depende sim, da qualidade das relações que estabelecemos com Deus e com os irmãos. Por isso, vale a pena investir para que Deus seja a nossa riqueza. Recordemos o 1º mandamento da lei de Deus: «Amar da Deus sobre todas coisas...» recordemos as palavras dos santos como S. Teresa de Ávila quando nos dizia: «Nada te perturbe, nada te espante, tudo passa, Deus não muda, a paciência tudo alcança, quem tem Deus, nada lhe falta». Recordemos, ainda, que ter Deus como referência dá-nos um sentido de pertença a uma humanidade em que todos são importantes.  Não há pessoas de primeira ou de segunda, porque somos todos filhos de Deus. Assumamos a fraternidade como modo de vida, superando o que em nós «é terreno, tudo o que divide como a imoralidade, a impureza, as paixões, maus desejos e avareza, sobretudo a avareza». 

Caminhemos com o Mestre. Que N. Senhora da Graça nos ajude a superar uma visão meramente materialista motivada ganância desmedida, que mata o outro e explora os recursos naturais até à exaustão. Que Ela seja a nossa referência, o modelo de discípulo que segue Jesus. 

 

Igreja de N. Senhora da Graça

Estreito Câmara de Lobos, 3 de agosto de 2025. 

+Nélio.