Arquidiocese de Braga -
21 maio 2020
Comunicado do Conselho Presbiteral de Braga
Presbitério de Braga ao serviço do Povo de Deus
1. Um pequeno e invisível vírus irrompeu nas nossas vidas e faz-nos viver uma experiência com contornos absolutamente novos na história da humanidade. Se, por um lado, vem encher de medo, sofrimento e morte a nossa existência, por outro, faz despertar imensos gestos de partilha, proximidade e comunhão porque tomamos consciência de que estamos todos, mesmo todos, no mesmo barco, experimentamos que somos uma “única família humana”. Como Igreja, também estamos a viver tempos novos, comungando intensamente as inquietações e angústias do Povo Santo de Deus que todos constituímos e ensaiando expressões novas de presença, serviço, anúncio da boa notícia de Jesus Cristo ressuscitado e celebração dos mistérios da fé.
2. Queremos agradecer e reconhecer a imensa generosidade e ousadia de tantas pessoas que, tanto no exercício das suas profissões e cargos de responsabilidade pública, social e eclesial como em imensas iniciativas de voluntariado têm colocado a vida ao serviço do bem comum, no cuidado uns dos outros. E queremos expressar toda a ternura e gratidão aos nossos anciãos que, nestes tempos, mais experimentam a solidão – mesmo o abandono, em tantos casos – reafirmando o quanto a sua vida e experiência acumulada é tesouro precioso que queremos acompanhar até ao fim.
3. Não é ainda tempo de compreendermos todo o alcance das transformações duradouras que este acontecimento pode trazer porque as medidas de confinamento, em atenção à saúde pública, permanecerão por tempos que desconhecemos. Mas podemos e devemos manifestar a nossa vontade determinada de acompanhar e cuidar o Povo Santo de Deus do qual somos simultaneamente membros e pastores, chamados a dar a vida por aqueles que o Senhor nos confia, com aquela alegria que nos vem de Cristo Ressuscitado que nunca abandona quem n’Ele põe a sua esperança. E dos sinais dos tempos que queremos interpretar com a luz do Evangelho, que é a pessoa de Jesus Cristo, podemos vislumbrar, pelo menos, três grandes linhas de força que somos chamados a pôr em prática na vida da Igreja:
A. Igreja marcadamente laical e sinodal
4. Somos uma comunidade que se enraíza na graça batismal que a todos constitui “geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido por Deus” (1Pd 2, 9). A experiência do confinamento em tempo de pandemia, sem a possibilidade de uma vida comunitária e sacramental (que é constitutiva da identidade da fé cristã), muito nos ajuda a compreender a absoluta necessidade de podermos alimentar e celebrar a fé nos lugares do quotidiano, particularmente no contexto das nossas casas, onde claramente a família se redescobre como “Igreja doméstica”, com os múltiplos laços de proximidade e vizinhança. Vislumbramos aqui um caminho para o futuro do nosso agir pastoral. Acreditamos na força da família e, a partir dela, renovaremos a Igreja.
5. Retomaremos dentro em pouco e de forma gradual a tão necessária celebração da Eucaristia e demais sacramentos em forma comunitária. Mas não queremos esquecer o desafio imenso que é formar e acompanhar cristãos adultos que na família, nos compromissos pessoais e profissionais, na economia, na política, na cultura e na comunidade eclesial assumem por inteiro a sua responsabilidade e a indispensável parte na construção do Reino de Deus. Juntos e responsavelmente encararemos os novos desafios que emergem dum tempo novo de que ainda não descortinamos os verdadeiros contornos.
B. Igreja “hospital de Deus” ou “hospital de campanha”
6. Ninguém ignora que a pandemia provocará uma crise profunda com muitas consequências sociais, económicas e culturais. A pobreza regressa e as nossas famílias experimentam carências de vária ordem. Continuaremos a traduzir o Evangelho em gestos de consolação, cura, perdão e partilha de bens. Mobilizando e recriando formas organizadas de partilha e socorro através da Cáritas, das Conferências Vicentinas, das IPSS, do Fundo Partilhar com Esperança e sempre conjugados com outros organismos e a indispensável parte que ao Estado compete no cuidado de todos os cidadãos, mas também desenvolvendo pensamento crítico e propostas com visão profética, capazes de fazer ouvir o clamor dos pobres e o clamor da terra, para que ninguém fique para trás. Reafirmamos, com o Papa Francisco, “que a pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual” (EG 200) e queremos colocar sempre no centro da vida e missão da Igreja o encontro com a pessoa de Jesus Cristo que é o coração do Evangelho.
7. Não ignoramos que muitas comunidades e instituições eclesiais se têm visto privadas das suas fontes de sustentabilidade económica e que partilhamos com muitíssimas famílias a necessidade de repensar e reinventar a gestão dos recursos necessários para o nosso sustento. Juntos, partilhando o que temos e somos, cuidando de todos, queremos ser expressão do Jesus Cristo que, “como bom samaritano, vem ao encontro de todos os homens atribulados no corpo ou no espírito e derrama sobre as suas feridas o óleo da consolação e o vinho da esperança” (Prefácio comum VIII). Não passaremos à frente de tantas necessidades, mas ofereceremos o óleo da consolação e a força da solidariedade.
C. Igreja em saída
8. Com toda a Igreja, que tem no Papa Francisco o sinal visível de unidade, somos desafiados a sair ao encontro de todas as periferias humanas e existenciais. Reconhecemos o quanto a pandemia do COVID-19 nos tem desinstalado, não só reinventando formas de presença, mas sobretudo a encontrar pessoas e situações fora dos nossos habituais percursos eclesiais. Sabemos bem que não se trata apenas de transferir “o que sempre fizemos” para novos meios que as possibilidades técnicas nos oferecem. Mas de sabermos habitar, tanto o “continente digital” como todos os contextos humanos e existenciais que exigem linguagens e formação que precisamos de aprofundar.
9. O tempo que vivemos trouxe a todos novos ritmos e exigências que perdurarão ainda. Muitas das nossas atividades – planos e agendas - foram canceladas ou redimensionadas. Se é verdade que alguns poderão experimentar um vazio, reconhecemos que somos chamados a habitar intensamente este tempo e a reconfigurar a vida das nossas comunidades eclesiais, sem nada perder do sabor e beleza do Evangelho, aprendendo, com todo o Santo Povo de Deus, os caminhos novos que o Espírito Santo abre para toda a família humana.
10. O COVID-19, nos seus complexos desafios, vai trazer-nos uma nova graça para interpretarmos o futuro abertos à novidade. Fora dos nossos hábitos construiremos uma nova humanidade onde a justiça e a dignidade para todos se tornarão a nossa primeira preocupação.
11. Concluindo, manifestamos a nossa fé no Evangelho, convictos de que não passará. Aceitamo-lo na sua integridade. E queremos ser uma Igreja samaritana que se detém, aproxima, cuida e acompanha as enfermidades de todas as pessoas, especialmente as mais frágeis. Queremos nós próprios, cada um e comunitariamente, ser continuadores do bom samaritano num mundo de pressas e indiferença.
Conselho Presbiteral de Braga,
19 de maio de 2020
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