Arquidiocese de Braga -

21 dezembro 2020

Recuperar a amabilidade

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Mensagem de Natal do Arcebispo Primaz, D. Jorge Ortiga.

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Este Natal passará à história como um Natal diferente. Sentimos tristeza por não fazer o que sempre fizemos. Não experimentámos os afectos habituais. Lamentamos o isolamento a que nos vemos obrigados. Parece  que nos falta alguma coisa. Com tantos condicionalismos, devemos encontrar alguma coisa que mostre que o Natal não perdeu a sua beleza. Menos coisas exteriores, mas algo de novo a nascer para ficar.

Com esta intenção, recupero um pensamento da encíclica Fratelli tutti. O Papa afirmou que para construirmos uma fraternidade universal, através de uma amizade comprometida, teremos de recuperar a amabilidade. Recuperar a amabilidade porque se trata de uma atitude que resplandecia nas relações e que hoje, fruto de muitas situações, nomeadamente a pressa e o anonimato em que se vive, está a ficar esquecida e, quem sabe, para algumas pessoas a desaparecer. O Santo Padre defende o que deve caracterizar o relacionamento: não tolerar atitudes ásperas, rudes, duras mas também, de um modo positivo, cuidar dos comportamentos benignos, suaves, capazes de confortar e apoiar em todos os momentos.

Quando nos preocupamos com a amabilidade para com os outros, somos capazes de os ajudar para que a sua vida se torne mais serena, sempre mas sobretudo quando se encontram envolvidos por problemas, angústias, interrogações. Devemos ser capazes de ter amabilidade no trato, cuidado para não magoar com as palavras ou os gestos, aliviar os pesos que incomodam. Ao mesmo tempo, reconhecer que a amizade, toda ela mas sobretudo a familiar, “exige palavras de incentivo, que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam, angustiam, irritam, desprezam”. Pensando um pouco, não teremos de rever a nossa linguagem, o que é que comunicamos com as nossas palavras? Alegria? Tranquilidade? Serenidade? Tristeza? Sofrimento? Inquietações? Noites sem dormir? Feridas que marcarão para sempre a vida? Pensamos sempre no que dizemos e no modo como o fazemos?

Para que a amabilidade aconteça e resplandeça no quotidiano das nossas vidas, necessitamos de encontrar tempo e energias para nos demorarmos com os outros e tratar serenamente com eles. Sabemo-nos muito ansiosos e sem disponibilidade para pensar no próximo e vizinhos, temos muitas urgências na vida que não permitem a alegria de ajudar os outros a serem felizes. O Papa reconhece que, de vez em quando, “verifica-se o milagre de uma pessoa amável, que deixa de lado as suas preocupações e urgências para prestar atenção, oferecer um sorriso, dizer uma palavra de estímulo, possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença.”

A coragem de recuperar a amabilidade é tarefa para todas as relações sociais, a exigir uma verdadeira mudança do estilo de vida, mas encontra espaço de um modo especial na família. É aqui, em primeiro lugar, que teremos de ser amáveis, com tudo o que isto significa, uns para com os outros. Sugiro-o nesta noite de Natal, mas como apelo a comportamentos novos a extrair da anormalidade do que estamos a viver. Como atitudes concretas, o Santo Padre volta a lembrar a trilogia de palavras a usar nos contextos diferentes da vida mas com uma incidência especial no ambiente familiar. “Com licença”, “Desculpe”, “Obrigada”. Usando-as oportunamente daremos uma qualidade diferente aos nossos relacionamentos.

A nós que queremos caminhar juntos, aponto um lugar onde esta doutrina deve ser particularmente vivida. Somos família e a família deve ser trabalhada todos os dias. Não é suficiente juntar pessoas com um número grande ou pequeno. Ela existe quando vivemos intensamente o amor entre todos e o concretizamos através de pequenos gestos, alguns escondidos e outros bem visíveis em determinados momentos. Somos família de sangue mas também na Igreja que nos ensina e mostra que o baptismo nos uniu numa comunhão que deveremos experimentar sempre mais. Precisamos de estar juntos nas nossas igrejas. Mesmo fora delas, existe entre nós uma corrente que imana e nos torna único corpo. Ainda não acreditamos suficientemente nesta doutrina. Renovemos, também, neste natal, a certeza de estarmos interligados na fé, no amor e na esperança.

É nesta certeza que quero abraçar cada um, com muito afecto e carinho. Olho para as pessoas que se encontram sozinhas. Recordo os idosos que se encontram nos lares longe do ambiente familiar. Alargo o coração aos doentes nos nossos hospitais. Manifesto amor e estima a todos quantos trabalham, nestes dias e sempre, para garantir qualidade de vida: médicos, enfermeiros, operacionais da saúde, bombeiros, voluntários. Olho, com muito reconhecimento, para todas as IPSS, carregando com as direcções e trabalhadores a vontade de sacrificadamente servir mesmo à custa de noites sem dormir. 

Uno-me, particularmente, a todos quantos se comprometem, abnegada e sacrificadamente, para que as nossas paróquias cresçam quotidianamente na lógica do amor e do testemunho do bom Samaritano. Aos sacerdotes e consagrados não receio em afirmar que quero bem a todos e a cada um. Aos seminaristas e a quem procura o sentido para a vida lembro que nada há melhor do que o Amor de Deus. A todos os empenhados nas paróquias, em qualquer área e sector, recordo que o caminho a percorrer é longo mas recompensador. Aos políticos, em qualquer serviço institucional, ofereço a vontade de caminharmos juntos para uma fraternidade onde os direitos são para todos. 

Abraço, particularmente, os pobres, nos diversos rostos da pobreza, e asseguro que continuaremos a fazer o melhor para que vivam felizes. Sinto-me próximo de todos os reclusos na esperança de que aproveitem o tempo de prisão para estruturar uma verdadeira reintegração na sociedade. Asseguro um carinho especial aos sem abrigo a quem gostaria de oferecer a vontade séria de voltarem ao convívio com os seus. Estou com aqueles que não se puderam juntar aos seus para passar as festas juntos e asseguro-lhes que amanhã voltarão os encontros familiares. 

A todos, sem excluir ninguém, católicos e não só, conhecidos ou desconhecidos, quantos vivem no território da Arquidiocese de Braga, digo: pertenceis à minha família. Vivo para vós. Aceitai a certeza do meu amor. Que o Deus Menino nos liberte da pandemia e conceda o dom de dias tranquilos e sem medos.

  

 

 † Jorge Ortiga
Arcebispo Primaz


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