Arquidiocese de Braga -

18 setembro 2023

O caminho sinodal da escuta e fraternidade

Fotografia Avelino Lima

DACS

II Assembleia Sinodal Arquidiocesana abordou a vivência da sinodalidade. Em entrevista ao DACS, Padre Sérgio Leal, falou sobre o tema principal da Assembleia.

\n

Escuta, fraternidade e o caminhar em conjunto foram as bases da partilha de temas e contributos na II Assembleia Sinodal, que aconteceu no sábado, dia 16, no Auditório do Espaço Vita, no centro de Braga.

A primeira assembleia foi feita em junho de 2023. “A ideia é pegar nesta metodologia, nesta forma de ser Igreja, neste ‘sistema operativo’, e começar a usá-lo para traçar caminhos de futuro para a Igreja de Braga”, explicou o coordenador da Equipa Sinodal da Arquidiocese, padre Sérgio Torres.

O Arcebispo de Braga, D. José Cordeiro, que faria a apresentação do encontro, enviou um vídeo de saudação para os presentes, já que regressava de Quito, Equador, onde participou na Assembleia Plenária do Pontifício Comité Europeu para os Congressos Eucarísticos Internacionais como delegado da Conferência Episcopal Portuguesa. “Gostaríamos que com esta Assembleia Sinodal e com  a Assembleia Geral do Clero a 17 de outubro, pudéssemos com a Equipa Sinodal construir um projeto pastoral para dez anos”, disse o arcebispo.

O Bispo Auxiliar de Braga, D. Delfim Gomes, que fez a intervenção inicial, indicou que o caminho sinodal, que a Arquidiocese de Braga está a trilhar, “abre à missão evangelizadora”, uma das principais prioridades, senão a principal prioridade neste processo proposto para toda a Igreja pelo Papa Francisco.

“Fazer caminho não é fácil e fazer caminho com o outro ainda mais complicado é, mas estamos a fazer caminho no caminho de Cristo”, sublinhou, agradecendo o empenho de todos quantos estão envolvidos e a colaborar com a sua opinião, com a sua partilha para “engrandecer” este trabalho em ordem a uma Igreja renovada.

“Devemos estar atentos para que o processo sinodal em todas etapas não se limite a uma troca de opiniões, mas seja verdadeiramente uma escuta uns dos outros no Espírito e de todos no Espírito (...). Somos chamados, então, a discernir juntos como e de que forma podemos cumprir a missão evangelizadora”, ressaltou.

 

“A Igreja sinodal é a Igreja da escuta” 

“Fazer Sinodalidade” foi o tema da palestra do padre Sérgio Leal, da Diocese do Porto. Ele destacou que a sinodalidade faz parte da identidade da Igreja e significa caminhar juntos, tendo aa fraternidade é a condição fundamental para este processo.

Conversamos com o sacerdote sobre esse caminho da Igreja:

Falou que a fraternidade é uma condição fundamental da sinodalidade. Vivemos num mundo em que o confronto é muito presente. Como colocar isso em prática?

Na verdade, creio que até o défice de sinodalidade que assistimos na Igreja é um défice de fraternidade. Esta é a condição fundamental para sermos Igreja. Ser Igreja é comunhão, é missão. Ela nasce desta consciência de que somos irmãos uns dos outros e filhos do mesmo Pai. E, portanto, desde as relações sociais até as relações intereclesiais, as relações comunitárias têm que ter esta marca da fraternidade. Este é o caminho que permite construir relações mais saudáveis, que permite a construção de um mundo mais justo e promover o bem comum. Se quisermos partir das realidades mais sociológicas e humanas até chegar à construção eclesial, onde isto é imprescindível. A Igreja ou é uma comunidade de irmãos ou não é a Igreja. A Igreja é comunhão ou afasta se daquele que é o projeto do Senhor. 

É verdade que, naturalmente, porque somos diferentes,  temos diferentes formas de pensar e de agir. Num mundo onde todos têm uma opinião tão rápida, percebemos que até as redes sociais são muitas vezes um lugar de tanto conflito e violência. E há aqui uma conversão pessoal que começa por aí, porque muitas vezes temos a pretensão, como dizia, de mudar o mundo inteiro sem perceber que nós temos de mudar a nós, porque fraternidade não é um dado adquirido.

Basta pensar na fraternidade consanguínea. O facto de sermos irmãos de sangue não implica, à partida, que a relação seja fraterna. É uma construção que vamos fazendo. Comunitariamente fazemo-la pela descoberta e redescoberta de que somos filhos do mesmo Pai e, por isso, irmãos uns dos outros. O outro é imagem de Deus como eu sou imagem de Deus, e por isso somos chamados a um caminho conjunto.

Isto é o que de mais belo também tem a Igreja para oferecer. Entrar numa igreja de irmãos é entrar num lugar de diversidade e comunhão, porque, como somos muitos e diferentes, complementamo-nos. Podemos construir juntos, porque temos dons e capacidades diferentes. Também temos limites e fragilidades diferentes que haveremos de aprender a suportar, como diz uma das obras de misericórdia. Suportar com paciência as fraquezas do próximo, mas sobretudo amar o outro como ele é, com as suas potencialidades e capacidades, mas com os seus limites e fragilidades responsáveis.

 

Outro ponto que também é fundamental para o caminho sinodal, é a escuta. Acha que pode ser um dos pontos mais difíceis? Parar e dar voz ao outro?

A Igreja sinodal é a Igreja da escuta. Sinodalidade é um caminho conjunto e só é possível caminhar em conjunto quando somos capazes de dialogar uns com os outros. Sabemos as consequências da falta de diálogo. Gosto muito de olhar para a sinodalidade a partir da dinâmica familiar. A sinodalidade faz-nos descobrir uma Igreja família e família de Deus, porque somos irmãos.

Na dinâmica familiar, sabemos as consequências de uma família onde não se dialoga, onde os ritmos de uns e outros estão desfasados e não comem juntos, não têm tempo de qualidade juntos. Percebemos como isto da família é destrutivo e prejudicial. O mesmo temos de dizer na vida eclesial. Sem diálogo, sem acertarmos o nosso passo para caminharmos em conjunto, será sempre difícil construirmos, viver, sonharmos em conjunto e depois decidirmos juntos.

O Papa diz que a sinodalidade, como Igreja da escuta, deve implicar todas as decisões. Esta escuta de uns e outros, nesta dupla dimensão da escuta, porque é a escuta de Deus, para nessa voz de Deus, sentirmos o desafio para o encontro dos outros, a escuta dos irmãos, para ali sentirmos melhor a vontade de Deus. É nesta dupla dimensão da escuta que promove o diálogo, que a Igreja se constrói e que a sinodalidade acontece.

 

É preciso a conversão para haver essa escuta?

A sinodalidade tem de ser necessariamente também um caminho para a conversão pastoral. Sabendo que a conversão pastoral é uma conversão, começa por ser uma conversão pessoal. Não podemos querer converter o mundo inteiro se 'eu' não sou capaz de me converter em primeiro lugar. 

A sinodalidade recorda a Igreja, a sua identidade como povo, caminho em conjunto e, portanto, recordando a sua identidade, implica o seu agir e por isso, coloca a Igreja neste caminho de reforma permanente, de conversão permanente, que é o caminho do Evangelho. 

Pela graça de Deus, estamos permanentemente convidados a refinar e afinar o coração com essa Palavra que é transformadora do coração e da vida. É a partir daí que a conversão acontece em primeiro lugar, nesta sintonia que criamos com com a Palavra de Deus e no meu encontro com Jesus Cristo, com Aquele que me ama, com um amor superabundante, descubro que fico aquém desse amor.

Numa verdadeira conversão, procuro corresponder cada vez mais e melhor com esse amor. E é assim que esta conversão pastoral começa. Por isso dizia que a sinodalidade tem de acontecer sempre à luz do primado da graça, à luz do Espírito Santo, na lógica da Cruz do Senhor. São condições fundamentais. 

Quando Jesus nos convida a abraçar a Cruz, não convida a abraçar o sofrimento pelo sofrimento. Convida-nos a abraçar o amor com o qual Ele foi à cruz. Esse amor que se torna disponibilidade e entrega. Por isso a minha conversão começa por esta disponibilidade para acolher o outro como ele é, pela disponibilidade para acolher a vontade de Deus, para renunciar a mim mesmo, como diz Jesus, isto é, renunciar muitas vezes ao que é mais cómodo para mim, para descobrir aquilo que é melhor para a Igreja.

É este permanente passar do eu ao nós eclesial, à construção comunitária, e que implica, em primeiro lugar, uma conversão pessoal que, depois, no discernimento comunitário, se traduz numa conversão comunitária, numa conversão pastoral, de uma Igreja que percebe que não podemos mais fazer assim, porque sempre se fez, mas que, à luz da realidade contemporânea, somos chamados a comunicar o Evangelho sempre, na linguagem de hoje, e de modo que os homens e mulheres de hoje sejam capazes de compreender. Isto não significa adulterar o Evangelho que anunciamos, significa que o fazemos chegar mais e melhor ao encontro das necessidades e os anseios dos homens e mulheres que temos diante de nós.

 

Por que ainda há tanta resistência ao processo?

Creio que ninguém consegue dizer que não concorda com a sinodalidade, porque a sinodalidade é a identidade da Igreja. Igreja e Sínodo são sinónimos, diz São João Crisóstomo, logo nos primeiros séculos. A identidade da Igreja é ser sínodo. A palavra sinodalidade significa caminho conjunto. A Igreja é um povo que caminha à imagem da Santíssima Trindade.

Do ponto de vista conceitual, creio que estamos todos sintonizados com aquilo que é sinodalidade. O desafio maior é aquilo que diz o Papa, quando, no discurso dos 50 anos do Sínodo dos Bispos: a sinodalidade é um conceito fácil de exprimir em palavras, difícil de colocar em prática. As resistências acontecem por esta nossa dificuldade em nos convertermos, por esta dificuldade em vivermos em plena comunhão e unidade.

Sabemos que em pleno será no Céu. Enquanto caminhamos sobre a Terra, caminhamos nas fragilidades e limitações deste nosso caminho de construção comunitária e, portanto, a grande resistência à sinodalidade e, aqui volto, é a resistência à fraternidade. 

Muitas vezes é pelo modo como ‘sempre’ fizemos e a nossa resistência àquilo que é novo. Temos resistência à mudança. Naturalmente, é mais cómodo viver sempre assim. Foi sempre assim que fizemos, vamos fazer diferente para quê? O que me garante que vai ser melhor? 

Como Jesus insere no evangelho, para vinho novo, odres novos. Para chegar à novidade do mundo de hoje, há que sermos capazes de abraçar de modo novo o Evangelho. Isto não significa, mais uma vez, que pregamos o evangelho diferente. Pregamos o mesmo evangelho à luz da realidade de hoje. É a abertura à novidade que nos permite ser mais fiéis àquilo que o Senhor nos pede aqui e agora.

Atribuem a Einstein a frase ‘loucura ou insensatez é fazer sempre o mesmo e esperar obter resultados diversos’. Será sempre loucura ou insensatez perceber que temos de mudar, procurar caminhos novos para a evangelização e mantermos os mesmos procedimentos. É neste sentido que a sinodalidade apresenta também um conjunto de resistências.

Mas, como Igreja, devemos olhar para as resistências como oportunidades. Há resistência à fraternidade, é uma oportunidade de construir fraternidade. Há resistência à mudança para aquilo que é novo, então é precisamente aí, aprender a viver da permanente novidade que o Evangelho nos anuncia: Fazer de cada resistência uma oportunidade. Creio que é isso também o próprio Evangelho nos ensina tantas vezes.

 

Pode resumir em poucas palavras o que a Igreja sinodal?

A Igreja sinodal é a Igreja que caminha em conjunto, guiada pelo Espírito Santo, ao encontro de Jesus Cristo. Uma Igreja em saída, que vai ao encontro de todos para juntos irmos ao encontro de Cristo.