Arquidiocese de Braga -

18 março 2004

A laicidade da e na Igreja

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Dom Jorge Ferreira da Costa Ortiga

\nNo panorama social e religioso a palavra «Laicidade» tem ocupado, nos últimos tempos, um espaço considerável. Há quem opine e defenda a oposição e contraste entre cristianismo e laicidade como realidades inconciliáveis. O reconhecer e aceitar a laicidade do Estado é algo de comum consenso. Trata-se duma separação que nunca prejudicou nem prejudica a identidade dos povos e, particularmente, da Europa. A Igreja aceita esta laicidade mas exige liberdade de acção para que a mesma laicidade não se confunda com o laicismo. Urge saber conjugar três realidades distintas. Laicidade como afirmação e reconhecimento da autonomia e consistência do mundo profano perante a realidade religiosa. Leigo como fiel cristão desenvolvendo uma acção dentro da Igreja e no serviço ao mundo. Laicismo como vigilância e, talvez, intromissão, exagerada que pretende expulsar do espaço social toda e qualquer marca e sinal de religioso. Nos tempos que correm a Igreja não deve ter receio de promover e aceitar a laicidade da e na Igreja. «Da» Igreja fugindo à categoria de privilégios que desde o tempo de Constantino foi adquirindo e consolidando em configurações históricas diversificadas. «Na» Igreja numa estruturação que desde o famoso decreto de Graciano (1140) consignou um estatuto de desigualdade dentro da Igreja. Dum lado os destinados ao serviço divino e os dedicados à contemplação e oração e doutro os «leigos» que, dum modo caricatural, levavam as ofertas ao altar e pagavam os dízimos. Neste contexto, os sacerdotes refugiam-se num mundo intra-eclesial e os encargos específicos dos leigos perdem a sua referência explícita ao temporal permitindo que a hierarquia absorva toda a riqueza dos carismas e conduzindo a que a laicidade se perca ou se reduza ao significado mínimo. Muitos opinam que esta estrutura centralista onde a mediação hierárquica se absolutiza foram a principal causa da secularização e dum mundo que nasce e cresce sem a incidência e marca da Igreja. O Concílio Vaticano II, particularmente através da Constituição sobre o Mistério da Igreja e sobre a Igreja no mundo, vem reconhecer a dignidade sacerdotal de todo o Baptizado e, como consequência lógica, um papel activo e diversificado no seio da Igreja para o serviço ao mundo. A missão da Igreja é servir o povo, aceitando o princípio da liberdade e tolerância mas não deixando de exercer um ministério que deve colaborar com o Estado sem este perder a sua laicidade. O mundo da Universidade Católica no seu objectivo de formar cidadãos cristãos pode favorecer e desenvolver este desafio da actualidade. A Igreja pode e deve estar na sociedade através duma intervenção activa destes leigos com mentalidade evangélica. A hierarquia tem o direito e o dever de intervir e apontar caminhos de libertação. Os leigos devem ser um sinal da laicidade da Igreja através duma acção intra e, particularmente, extra eclesial (se é que podemos limitar o eclesial aos espaços religiosos). Importa que os leigos voltem a ocupar o lugar que a eles corresponde e que não haja medo da sua intervenção, como Igreja, em questões ditas profanas. Os nossos leigos ainda se resignam muito ao silêncio e não conseguem, por hábito ou falta de formação, anunciar a leitura cristã das realidades terrestres. Não é necessário ser padre ou bispo para falar e assumir a responsabilidade de evangelizar o mundo naquilo que ele tem de característico. Faço votos para que esta Sessão Solene de Bênção e, particularmente, a Entrega de Diplomas a Mestres e Licenciados pelas Faculdades de Teologia, Filosofia e Ciências Sociais signifiquem este reconhecimento da laicidade da Igreja e, sobretudo, na Igreja. Os leigos têm algo de peculiar e único a dizer. Não só contamos mas esperamos, para um Serviço ao mundo que queremos servir. Braga, Universidade Católica, 18.03.2004 + Jorge Ortiga, A. P.