Arquidiocese de Braga -

7 abril 2004

Homilia da Missa da Ceia do Senhor

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D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga

\nA instituição da Eucaristia e do Sacerdócio A instituição da Eucaristia e do Sacerdócio, no mandato de efectuarmos a mesma doação e entrega, permite-me que continue, neste Tríduo Pascal, a meditar convosco a identidade e missão do Bispo para que a Igreja Diocesana de Braga se imponha como semente e fonte de esperança. Parto do capítulo sobre «O Bispo, moderador da liturgia enquanto pedagogia da fé» (n. 35). A centralidade e importância da liturgia na Vida da Igreja leva o Santo Padre a exortar os Bispos para que se «empenhem com todas as forças na autêntica promoção da liturgia». O concílio Vat. II proporcionou uma nova vitalidade litúrgica. Só que, por outro lado, todos reconhecem uma certa insatisfação e ausência duma unidade no essencial. Pretende-se mais pureza e simplicidade nos actos litúrgicos que manifeste mais Deus como experiência do divino. 1 – Celebrar com qualidade Para experimentar esta vivência necessitamos de prestar uma particular atenção ao modo de celebrar, de tal maneira que se consiga transmitir a vida divina e se experimente, no concreto e sem ambiguidades, «a genuína natureza da Igreja». A liturgia não poderá cair na repetição de gestos mas deve tender sempre a ser uma «verdadeira epifania do mistério». Aqui está a nobreza e a dignidade que interpelam, permanentemente, as comunidades. Nunca poderemos aceitar outras medidas ou contentar-nos com outros critérios. Nas celebrações quem preside – e dum modo particular o Bispo – tem o dever de «apresentar o mistério de Cristo» e ajudar a que entrem nele «progressivamente para fazerem uma consoladora experiência do mesmo e testemunhá-lo depois nas obras de caridade» (Cf. Gal. 5.6). Efectuar a experiência do mistério e adquirir força para o transportar para a Vida é a verdadeira originalidade do culto cristão. Repetir cerimónias não custa muito. Criar este dinamismo é um desafio constante. 2 – A arte de presidir Para atingir este objectivo, o Bispo (e com ele todos os Sacerdotes) deve ser exemplar na arte de presidir, tornando-se capaz de transmitir o sentido sobrenatural das palavras, das orações e dos ritos a fim de implicar a todos na participação dos santos mistérios. Já o nosso Sínodo Diocesano alertava para a importância e o papel fundamental que o presidente desempenha. Os funcionários podem ser perfeitos no exibicionismo; só quem vive e se prepara, convenientemente, para esta experiência mística consegue envolver uma assembleia. Ninguém ignora a urgência de mais qualidade nas celebrações e que tudo concorre para que isto se experimente. Só que, por outro lado, o critério gerador dum autêntico louvor a Deus está nesta concentração. Quero rever os gestos e as atitudes e – particularmente – a consciência de «tractare mysteria» e solicitar aos sacerdotes maior sensibilidade pelo divino. Aqui está a verdadeira renovação da Liturgia. Prender-se a outros pormenores não deixa de ser importante. Só que tudo é posterior e resultado desta experiência divina que o Presidente se empenha em efectuar. Deus nos conceda esta alegria de celebrar melhor para expressar uma Igreja comunhão com a Trindade e sinal do divino no meio da humanidade. 3 – Para uma participação plena A nossa presidência – entendida desta maneira – levará os cristãos a uma «participação plena, consciente, activa e frutuosa». Se isto depende dos Sacerdotes, também está nas mãos dos cristãos. Empenhar-se com estas características vai criar aquele ambiente que envolverá toda a comunidade num desafio forte de experiência do divino. Não podemos, por isso, ficar na expectativa que quem vai presenciando ou espera pelo final. Como é desejável este compromisso comunitário na obrigação de tornar as celebrações antecipação do paraíso. Num mundo apegado à fugacidade das coisas temporais, todos necessitam dum oásis onde retemperar energias para encarar com força nova os encargos quotidianos. Se formos honestos teremos de reconhecer que as nossas celebrações não encerram esta capacidade. São mais um número tranquilizante e anestasiante de quem reduz o cristianismo a um mero cumprimento de deveres. Numa dimensão prática e concreta é meu dever, mais uma vez, alertar para que «as celebrações sejam convenientemente participadas por todos, segundo os vários ministérios» fazendo com que «resplandeçam em dignidade e beleza». Nunca insistiremos o suficiente na obrigação duma vivência harmónica dos diversos ministérios. Dou graças a Deus pelo caminho percorrido e espero que continuemos a envolver, cada vez mais, a comunidade. Todos devem ultrapassar os complexos e os medos e avançar com o contributo de que são capazes. O Espírito Santo, em terreno livre, realiza maravilhas e supre as possíveis deficiências e limitações desde que exista uma preparação mínima. Todos são necessários desde que se empenhem na preparação remota e próxima. Os amadorismos e os improvisos nunca deveriam existir. É melhor que continuemos com menos pessoas que banalizar o contributo e ganhar a colaboração pela mediocridade. Com vontade e empenho o talento aparece e a beleza resplandece através das coisas mais simples. 4 – A renovação da liturgia passa pelas normas O Santo Padre renova um alerta aos Bispos. «O Bispo não deixe, a bem dos fiéis, de vigiar caridosamente por que sejam observadas sempre, por todos e em toda a parte, as normas litúrgicas em vigor. Isto inclui também uma correcção firme e tempestiva dos abusos e a eliminação de qualquer arbitrariedade no campo litúrgico..» Se a liturgia reflecte o sentido genuíno da Igreja que reza e celebra os mistérios divinos não nos poderemos ficar na vontade pessoal. Não se trata de ser progressista ou tradicionalista. É a Igreja que cresce na unidade plural da expressão da sua fé. Não podemos tolerar arbitrariedades e permitir uma desconsideração das normas. Estas, bem interpretadas, são, sempre, graça para nova liturgia alegre e festiva. Também não é admissível prender-se à rotina ou a gostos pessoais e impedir a legítima criatividade. Só esta é capaz de dar espírito às normas e motivar para experiências capazes de suscitar o encontro com Deus e a alegria de estar juntos para O louvar. Aceitemos, por isso, a responsabilidade de, sendo fiéis ao estabelecido, vivermos a dignidade do novo para que o jogo se possa abrir, em alegria, à transcendência. Valerá a pena o trabalho. 5 – Liturgia e crianças Caminhamos, com o Santo Padre, durante a Quaresma, numa atenção às crianças. «Quem acolhe uma criança como esta, acolhe-me a mim» (Mt. 18). A Eucaristia também é para as crianças e elas devem ser iniciadas na celebração e vivência deste mistério. Os párocos reconhecem a ausência de muitas nas eucaristias dominicais. Outros aceitam, passivamente, o modo superficial com que estão nos espaços sagrados. Outrora éramos educados para a diferença dos templos, talvez fosse o temor a imperar. Hoje não deveríamos educar para o amor à Presença do amigo? São dois vectores que a pastoral deve considerar. Não basta a primeira comunhão e a profissão de fé. Estes momentos «sociais» são oportunidade e graça para acolhermos as crianças preparando-as para viver a experiência do divino nos momentos celebrativos. A vida não é só materialismo. Quem lhes dará esta presença do divino? Conclusão O ambiente contemplativo do cenáculo, onde o mandato do amor emerge como distintivo do cristão, exige que invistamos mais na dimensão celebrativa da fé. Lidamos com o Sagrado e este merece tudo quanto lhe possamos dedicar. Sejamos generosos. Não regateemos os trabalhos e canseiras. Deus, na história dos homens, passa por aqui. Será que as nossas celebrações e, particularmente, a liturgia, o manifestam? Quinta-Feira Santa 2004. + Jorge Ortiga, A. P.