Arquidiocese de Braga -

8 abril 2004

Celebração da Paixão do Senhor

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D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga

\nA morte não pode vencer A tarde de Sexta-feira Santa é uma mensagem transparente. Há gritos que não pertencem ao passado. Cristo continua a experimentar as dores da morte. Se morreu no passado pelos Seus, continua a sofrer e a morrer por aqueles que ainda não se encontraram com a salvação. No silêncio da morte e na dramaticidade do calvário quero continuar a reler a missão do Bispo nas horas que passam. Outrora o seu estatuto estava associado às grandezas; hoje tem de se situar do lado da miséria e da vida que não é vida. O Bispo tem de, concretamente, estar com e do lado da dor e sofrimento. E age ou deve agir como “profeta da justiça”. “A guerra dos poderosos contra os débeis tem aberto, de dia para dia, profundas divisões entre ricos e pobres. Os pobres são inúmeros! Dentro dum sistema económico injusto, com discrepâncias estruturais muito acentuadas, os marginalizados sentem a sua situação agravar-se de dia para dia. Em muitas partes da terra, hoje grassa a fome, enquanto noutras há opulência. E as vítimas destas dramáticas desigualdades são sobretudo os pobres, os jovens, os refugiados. Também a mulher, em muitos lugares, é vexada na sua dignidade de pessoa, vítima duma cultura hedonista e materialista». Perante este cenário toca-nos uma grande tarefa. Perante um mundo de contrastes quero ver-me, levando a comunidade diocesana a acompanhar, a interpretar quatro sentimentos e atitudes. 1. “Ser defensor dos direitos do homem, criado à imagem e semelhança de Deus”. Esta defesa passa por uma proclamação positiva da dignidade de todo e qualquer ser humano. Cada um tem uma dignidade que não pode ser vilipendiada ou desconsiderada. As desigualdades poderão parecer inevitáveis desde que todos possam usufruir do mínimo para uma vida digna. Proclamar a doutrina é uma obrigação, mas colocar-se como defensor dos mais abandonados exige coragem e ousadia. 2. “Pregar a doutrina moral da Igreja, em defesa do direito da vida, desde a concepção até ao seu termo natural”. O Calvário expressa-se em “tudo está consumado”. Para Cristo significou uma entrega incondicional à vontade do Pai. Para o cristão poderá ser sinónimo de resignação, equivaler à hipocrisia de “lavar as mãos” de Pilatos na atitude de quem se convence que nada tem a ver com mentalidades que se impõem. A Igreja perante a cultura da morte tem de reagir e proclamar o direito sagrado de existir. 3. Pregar a doutrina social da Igreja, cujo fundamento está no Evangelho, e toma a peito a defesa de quem é débil, dando voz a quem a não tem para fazer valer os seus direitos. A existência de tantas “cruzes” é um verdadeiro escândalo e vergonha. A evolução acontece unilateralmente e o fosso na qualidade de vida agrava-se com a existência de situações gritantes. A debilidade patenteia-se em muitos sentidos e experimenta-se, particularmente, na incapacidade de falar e mostrar o que muitos ignoram e pensam não ser verdade. Precisamos de abrir os olhos e reconhecer que as espadas continuam a penetrar em corações de irmãos e que a água, que sai do coração de Cristo, identifica-se com as lágrimas que são a linguagem de muitos pobres que não queremos ouvir. É mais cómodo ignorar e tranquilizar-se. Cristo morreu para gerar uma sociedade de justiça e igualdade. A Sua morte é a medida e o preço dum mundo mais fraterno. 4. Neste cenário da sociedade poderemos não ter “ouro” nem “prata” para oferecer. Mas em nome deste Jesus morto por amor temos o dever e a obrigação de ajudar a “levantar” quem vive na lama da exploração ou da miséria. Não temos soluções mágicas. Devemos, porém, suscitar esperança. A cruz não é a derrota definitiva. Ela é a porta que abre e faz vislumbrar, na paciência cristã, dias de glória. A esperança não é resignação anestesiante. Implica união de vontades e compromisso concreto com as situações. É hora de não marginalizar ninguém, mas a opção preferencial são os pobres. Esta Quaresma, com o Papa fomos alertados para a dignidade das crianças, convidou-nos a ser “como” as crianças. Quando os cristãos forem mais humildes, mais simples, menos egoístas, acreditarem espontaneamente, brincarem com o que a vida oferece e ousarem dar as mãos no jogo da fraternidade, se contentarem com as alegrias da presença não esquecendo as maravilhas que o futuro oferece, a cruz de Cristo começará a transformar-se. Os sinais de morte devem atenuar-se e fazer com que resplandeça uma sociedade mais justa e igual. O Sangue de Cristo não pode ser inútil. Deve tocar as chagas da humanidade para as transformar. Os canais desta Vida nova são os cristãos, individualmente e comunitariamente. A morte não pode vencer. É, só e apenas, passagem. Sexta-feira Santa 2004. + Jorge Ortiga, A. P.