Arquidiocese de Braga -

26 abril 2004

Em S. Pedro redescobrir a Eucaristia

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D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga

\n(Homilia da primeira liturgia eucarística em honra da Beata Alexandrina de Balasar, no Altar da Cátedra, na Basílica de São Pedro) O dia de ontem foi de emoções profundas. Hoje, serenamente e neste local significativo para todos os católicos, queremos dar graças a Deus. Será um momento forte se chegarmos a compromissos para as nossas vidas e para o dinamismo das nossas comunidades. Estamos calcando terra onde cristãos testemunharam o amor a Cristo através do martírio. Os estudos arqueológicos confirmam a sepultura de Pedro neste local. Renovemos a nossa confiança na igreja e reflictamos sobre a Eucaristia que nasce e gera a Igreja. Meditemos dois pensamentos da Beata Alexandrina: 1 - «Como Maria Madalena, também tu escolheste a melhor parte. Escolheste amar-me nos Sacrários, onde me podes contemplar não com os olhos do corpo, mas com os olhos da alma e do espírito. Eu encontro-me lá em corpo, alma e divindade, como no céu. Escolheste quanto há de mais sublime», «como borboleta em volta da chama, como pastor vigilante pelo seu cordeiro. Pertence-me esta missão: dar almas a Jesus, viver alerta na Eucaristia, alerta sempre, alerta com Jesus». 2 - «Desejo ser sepultada, se possível, com o rosto voltado para o sacrário da nossa igreja; pois como em vida sempre desejei unir-me a Jesus sacramentado e olhar para o sagrado Tabernáculo, assim também depois da minha morte desejo continuar a velá-lo, conservando-me voltada para ele. Sei que com os olhos do corpo já não verei Jesus, mas desejo ser colocada naquela posição para lhe demonstrar o amor que sinto pela Sagrada Eucaristia». * * * Jesus Cristo, no Evangelho de hoje alerta os seus seguidores para que não O procurem por causa das coisas materiais mas pelo alimento que dura até à vida eterna. Foi este alimento que deu força a Estêvão para resistir às falsas testemunhas e proclamar o amor a Deus através duma Sabedoria e com uma carga de Espírito que impressionava. Como Igreja vivemos para a Evangelizar. Os tempos são adversos e os inimigos dispõem de armas que não conseguimos imaginar. O ambiente que nos rodeia não só não facilita a missão da Igreja mas cria, permanentemente, dificuldades. Talvez ainda não tenhamos reflectido seriamente sobre esta verdade. O mundo determina as suas leis e dispõe de argumentos que amarfanham a voz da Igreja. Esta ainda vai sendo ouvida mas como notícia de curiosidade que passa ao esquecimento. Vejamos o que acontece com o Santo Padre. O seu testemunho é eloquente. Quantos o seguem? Onde chega a doutrina dos Bispos em Portugal? Procura-se o sensacionalismo e há prazer em mostrar o que se apelida de ruptura. Não se ouve o que a Igreja quer comunicar, mas aquilo que gostaria de se ouvir. As frases são interpretadas e esquecem-se os valores que pretendemos anunciar. Onde estará a nossa coragem? Só a união a Jesus Sacramentado, como «escolha da melhor parte», permite que demonstremos o amor que temos a Cristo. Daí que a Eucaristia tem de adquirir a força duma presença que motiva e estimula. Aí robustecemo-nos e partimos para a vida com outra convicção e ardor. Talvez tenhamos de reconhecer que o testemunho no mundo é pouco convincente por uma vivência demasiado habitual e formal. O nosso coração «não arde» com a presença do Ressuscitado e, como consequência, os dinamismos do mundo em vez de serem permeados pelo Espírito Evangélico são conduzidos por leis e comportamentos estranhos e contraditórios à Boa Nova. * * * A Beatificação duma pessoa é um modo de perpetuar a sua memória. A partir de agora a Beata Alexandrina será colocada nos altares como alguém a quem recorremos e sobretudo a quem queremos imitar. A sua presença deveria apontar o caminho duma centralidade da Eucaristia, na pastoral e na vida das pessoas e das comunidades. Ela indica- -nos o altar e o sacrário como realidades a colocar no âmbito das nossas vivências. Aqui esteve a força para aceitar tudo como vontade de Deus. «Em nada sinto alegria a não ser em cumprir a vontade de Deus» (Carta inédita, em 22-10-45). «Sei de tudo quanto se tem passado a meu respeito, por aí. Nosso Senhor me dê coragem para tudo suportar e sofrer como tenho sofrido até aqui. Só do céu podem preparar-se tantas provas, quanto Deus quiser que eu sofra e com alegria. Graças a Deus até hoje tudo tem passado sem que eu desgoste a Nosso Senhor. Ao menos faço isso. Confio n’Ele e na mãezinha que assim será até ao fim, que se vai aproximando, cada dia» (Carta inédita, em 1- -1-46). Também aqui gostaria de deixar alguns pedidos. 1 – Que o culto aos Santos não ofusque a Eucaristia e o Sacrário. Muitos cristãos só olham para as imagens e esquecem a presença de alguém que apaixonou e foi a razão de ser da vida daqueles que queremos homenagear. 2 – Urge tornar a celebração eucarística como encontro com Cristo Palavra e Pão. A Palavra terá de ser mais perceptível e ambientada; o Pão tem de ser recebido com outra reverência e sentido de compromisso. Como encontro da comunidade, a festa deve resplandecer como acolhimento de todas as pessoas e dos seus problemas num intuito de proporcionar a tranquilidade que se torna coragem para enfrentar o «duro» encenado no dia a dia. A Eucaristia é acção de Cristo-total e, neste sentido, nunca pode ser responsabilidade exclusivamente clerical. Os padres devem imprimir outra espiritualidade no celebrar e os leigos tem de sentir a alegria duma colaboração corresponsável. É cristão um agir segundo as capacidades e talentos numa Igreja que se quer plural e, por isso, onde cada m faz «só e apenas» o que lhe compete. Quanto caminho percorrido e quanta vida nova a procurar!! 3 – Torna-se necessário redescobrir a importância do Sacrário. O mundo necessita de Adoradores que, pessoalmente ou em grupo, se colocam em atitude de contemplação. As igrejas começam a estar vazias fora dos actos do culto. A segurança recomenda muitos cuidados. Um mínimo de organização e a existência de Cenáculos de oração que, dum modo generalizado, não necessitariam da presença do padre, permitiria que elas estivessem abertas e acessíveis. Também os lausperenes necessitam dum interesse maior e duma dedicação mais esmerada. As Confrarias do Santíssimo tem aqui um espaço onde investir as suas capacidades e energias. Não seria oportuno que todas as festas tivessem este momento de encontro com o sacrário como núcleo central dum programa que não se preocupe só com o exterior? Nestes momentos de adoração, as vocações de especial consagração nunca podem ser esquecidas. O Senhor da messe manda pedir e nunca nos poderemos cansar. Viemos a Roma e não podemos levar somente a alegria de ter participado num acontecimento maravilhoso. Teremos de ser mensageiros da memória e mensagem da venerável Alexandrina. Recordemos, sempre, e comuniquemos, por todos os meios, aos outros as ideias que recebemos. O Senhor permitiu que vivêssemos um acontecimento de graça. Toca-nos a obrigação de multiplicar esta graça aos amigos e conhecidos. Por nós o amor de Alexandrina a Cristo, a Maria, no sofrimento pode chegar longe. Roma, Altar da Cátedra, 26-04-04 + Jorge Ortiga, A. P.