Arquidiocese de Braga -

14 junho 2004

E Deus escolheu Maria para ser Mãe de Deus

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D. Jorge Ortiga

\nCarta pastoral do Arcebispo de Braga E Deus escolheu Maria para ser Mãe de Deus -- Hoje continua a chamar É frequente ouvir-se falar de crise na cultura cristã da Europa. Desencadeiam-se, por isso, variadas iniciativas para lhe restituir a sua verdadeira identidade, a «alma» que a distingue. Num plano mais amplo, o Papa João Paulo II fala duma espécie de «noite escura» da fé cristã. Mas, por outro lado, os místicos recordam-nos e ensinam-nos a extrair, destas situações, novas descobertas capazes de situar a fé num mundo diferente. Percorrer os caminhos da Europa, particularmente de Portugal, é encontrar-se com Maria que, no seu característico silêncio, acompanhou e marcou a cultura e o habitat natural da Europa desde os seus primeiros passos até à maior evidência das suas expressões. Será juízo apressado ou errado reconhecer que a sua ausência na cultura europeia -- com a marginalização que muitos pretendem de sinais e de devoções marianas -- é um dos sinais desta crise? Possuído por esta interrogação, manifesto a profunda convicção de que o regressar de Maria, redescobrindo o essencial da sua vida, significará o renovar duma nova cultura europeia renovada e fecundada por um testemunho de vida daqueles e daquelas que, como Ela, querem ser seguidores de Cristo. Não pretendemos desconsiderar ou condenar a história recente do cristianismo onde ele é apresentado, numa perspectiva de carga normativa, um conjunto de “mandamentos” e proibições, que desfazem o carácter alegre do encontro pessoal, por Cristo, com Deus. O cristianismo é a maravilha sempre nova de podermos encontrar e conviver com Deus que fala connosco, que se aproxima de cada um, para estabelecer uma aliança de amizade única. Maria é fundamental para se sentir a necessidade deste núcleo que toca o coração, o enche e faz com que tudo o resto se acolha com alegria e sem o sabor de peso ou sobrecarga em contra-moda. O nosso mundo deixou-se possuir por uma mentalidade neo-liberal que dá valor ao material e coloca de fora o coração que é a maneira nobre de conhecer a realidade. Ele «tem razões que a razão desconhece» e é aí que se pode «ver» Deus para O re-introduzir no trabalho, no comércio, na política, na justiça, na responsabilidade pessoal e moral. Orígenes fala-nos do «caminho de Maria» em nós que, concretamente, se centraliza numa vida em Deus e para Deus. 1. Dois «momentos» da vida de Maria Fixemos dois pormenores da vida de Maria. Na Anunciação, razão última do mistério da Imaculada, parecia que o mundo se encontrava numa verdadeira ausência de Deus (Lc 1, 26-28). Faltavam os profetas que O acolhessem e O comunicassem. Com a Anunciação, Deus desce, dum modo novo, único e irrepetível na história: incarna em Maria para aí encontrar todo o espaço para expressar -- através dum sim de acolhimento -- uma presença excepcional na história. Deus abre-se porque Maria se deixa conduzir pelo Seu mistério. Trata-se dum Amor acolhido, na humildade, para dar-se à humanidade. Deus dá-se todo a Maria que não colocou reservas e inicia-se um processo de simbiose de duas vidas a tornarem-se «uma». Uma vez experimentado este amor, Maria sente-se impelida a doar-se aos outros, tornando-se instrumento e manifestação de Deus. Neste sair de si, ela não fica «fora» de Deus, compromete-se, activamente, na vida de Deus. O encontro com Isabel, com os noivos em Canã da Galileia, com a humanidade aos pés da cruz… são um «eco» do sim de Maria a Deus que se exprime em notas variadas duma única melodia dum coração que se deixou enamorar e não consegue fazer outra coisa que proclamar «as maravilhas» que Deus fez, faz e continuará a fazer. Esta incarnação do Filho de Deus em Maria faz com que a experiência de Deus que ela realizou passe e aconteça no Seu Filho Jesus, feito Palavra. Maria encontra-se perante Deus que se faz homem e, a partir desse momento, essa experiência de Deus radica-se no quotidiano duma vida repleta de afazeres. A sua relação com Deus torna-se nova peregrinação na «sequela christi», nas coisas mais concretas e nos acontecimentos mais normais, em casa, nas preocupações pela vida dum filho que cresce, nas obrigações religiosas. Seguir Deus torna-se seguir, dia após dia, a vontade de Deus que se torna concreta em Cristo, seu Filho. «Maria não só imita Jesus no seu discipulado da fé, mas neste e através deste oferece-se como o “ícone” do Filho Eterno, criatura singular que leva impressa em si, na sua fé virginal, a marca do eterno estar do Filho diante do Pai, do eterno estar do Amado diante daquele que é o eterno início do Amor…» (Bruno Forte, Maria, la donna icona del Mistero, Milão 1989, p. 180). 2. Ser discípulo de Cristo A experiência de discípula de Cristo acontece em todos os momentos e, particularmente, nos difíceis. Jesus parece rejeitar Maria (cfr. Mc 3, 20-35; Mt 13, 53-58; Lc 8, 20-21). Junto da Cruz, pronuncia um «sim» no «absurdo» de perder o Filho (cfr. Jo 19, 25-27). Como mensagem repleta de actualidade, verificamos que Maria tudo interpreta regressando à escolha essencial, ou seja, vendo tudo a partir de Deus. «Ela conservava no seu coração» (Lc 2, 19; 2, 51). Se o coração estava repleto de Deus, era à luz de Deus que a vida era interpretada. O seu pensamento era o contrário do mundo que vê pelas influências e pela força. Precisamos de regressar à Palavra, como expressão de tudo quanto Deus fez pelo homem e ver a vida a partir não de nós ou dos outros mas de Deus. A doutrina da Imaculada Conceição recorda-nos Maria como a nova criatura que, totalmente possuída por Deus, se torna palavra que exprime o mesmo Deus. São duas vidas distintas que sublinham o mesmo amor de Deus pela humanidade. Como na teofonia a Moisés no deserto, o fogo ardia sem queimar a sarça (cfr. Ex 3, 2), assim na Incarnação o Espírito Santo encheu Maria, tornando-a toda Deus, mas sem a destruir. Unida a Deus mas sempre distinta e única numa personalidade peculiar. A Imaculada é o início da economia da Salvação onde Deus se revela com o intuito de colmatar o cosmos, com a sua divina presença: «Cristo tudo em todos». É o «caminho» a peregrinar na fé e aceitação da vida como uma viagem sempre nova em Deus. Deus entra na história dum modo novo… Importa descobrir como o expressar hoje. Se o modo foi novo no coração de Maria, hoje, para se tornar cultura, é preciso «entrar» em Deus dum modo absolutamente novo. Maria entrou na «casa» de Deus e hoje canta, grita, proclama para que a humanidade inteira se sinta chamada a entrar. A Sua experiência é a nossa. Maria é o modelo da resposta a Deus. Ela é Palavra do Evangelho vivida, comunicada, contemplada. A Igreja encontra a figura dum novo falar: menos com as palavras, mais com o silêncio. Maria fez de «fundo» para que «deixasse falar Deus, o qual, no Espírito Santo, diz-se a Ele mesmo, a Sua palavra de e sobre Ele Jesus». «Conhecendo melhor de que todos que só Deus pode “dizer” Deus, Maria faz transparecer Deus no seu ser e no seu agir, mais do que nas suas palavras». «Se por um lado, na incarnação Maria se aniquilou diante da grandeza de Deus, por outra, sendo Ele o Amor, Deus fez-se pequeno para se confiar, Ele o Criador, aos cuidados da criatura. Deus torna Maria grande como Ele, mais, pelo seu amor imenso e gratuito, Deus faz Maria “maior do que Ele” para que o possa conter». 3. Maria, Mãe da Igreja Daqui podemos partir para uma reinterpretação da Igreja particular que somos ou devemos ser. No discurso de abertura da segunda sessão do Concílio Vaticano II, em 29 de Setembro de 1963, Paulo VI dizia que «a Igreja é mistério, isto é, realidade embebida da divina presença, e por isso sempre capaz de novas e mais profundas descobertas». Como mistério, deve caminhar na adesão à Palavra de Deus e na permanente docilidade à iluminação do Espírito. Consequência, imediata e repleta de intuições pastorais, é que a dimensão institucional e de estruturas devem consciencializar-se da integração do elemento humano e do divino, uma vez que sendo Igreja na terra é possuidora de bens celestes que nunca se podem separar mas devem ser vistos como realidade única. Ela é meta-histórica, ou seja incarnada e sujeita à lei inevitável da mudança. Ela conhece uma história que não acontece independentemente ou ao lado dos acontecimentos. Está neles e compromete-se nas instituições políticas, sociais e culturais. O Concílio Vaticano II veio relembrar três categorias indispensáveis à compreensão do mistério da Igreja. Ela é Povo de Deus, Corpo de Cristo, Templo do Espírito Santo. Como Povo de Deus queremos viver a unicidade do Povo Escolhido e a igualdade fundamental de todos os membros; como Corpo de Cristo aceitamos a ideia da igualdade e da diversidade dos membros (1 Cor 12; Lumen gentium, 10); como Templo todos somos «ungidos» e animados pela diversidade de dons que constitui um apelo a viver a corresponsabilidade na vida eclesial. 4. O Santuário do Sameiro como homenagem Recordemos o passado deste Santuário do Sameiro e tenhamos coragem de rever a sua história em termos dum presente com variados desafios. O Padre Martinho António Pereira da Silva, querendo testemunhar a alegria de Braga pela proclamação do dogma da Imaculada Conceição, em 8 de Dezembro de 1854, lança a ideia dum monumento a localizar neste espaço. Depois de se constituir uma Comissão, a primeira pedra é lançada no dia 14 de Junho de 1863 como suporte duma estátua de Nossa Senhora com 14 palmos de altura. Foi seu escultor o italiano Emídio Carlos Amatucci que terminou a obra em 6 de Agosto de 1869, partindo para o alto do Sameiro no dia 12 e sendo benzida em 29 do mesmo mês pelo Arcebispo Primaz, D. José Joaquim de Azevedo e Moura. Este monumento foi o início dum trabalho que o Padre Martinho, quase imediatamente, considerou insuficiente. Era necessária uma pequena Capela e a definição do dogma da Infalibilidade Pontifícia, em 18 de Julho de 1870, foi pretexto a suscitar a coragem deste empreendimento. A primeira pedra é lançada em 31 de Agosto de 1873, a capela é benzida em 28 de Agosto de 1880 e no dia seguinte é aí colocada a imagem, executada em Roma pelo escultor Eugénio Maocegnati e benzida pelo Papa Pio IX, em 22 de Dezembro de 1876. Bem depressa a devoção à Senhora do Sameiro mostrou que a capela deveria ser substituída por um santuário que foi iniciado em 31 de Agosto de 1890 e sagrado em 15 de Agosto de 1963 por ocasião das comemorações do primeiro centenário, embora o altar-mor tenha sido sagrado em 12 de Junho de 1941. O Padre Martinho, fiel ao Espírito, deu vida ao primeiro monumento à Imaculada, em terras de Santa Maria, à semelhança do que havia acontecido em Itália, na Coluna da Imaculada Conceição, inaugurada pelo Papa Pio IX na Praça de Espanha. Também em França -- Puy, Beziers e Marselha -- se tinham levantado idênticos sinais de homenagem. A Braga pertenceu a honra de ser a primeira em Portugal. O futuro demonstrou que a primeira pedra e a pequena capela se manifestaram exíguas para a celebração de acontecimento tão notável. Nem o Padre Martinho imaginava a vida de renovação eclesial que a devoção e a Imagem da Senhora do Sameiro iriam suscitar. Maria, como tão bem sintetizou D. Manuel Vieira de Matos, «não apareceu no Sameiro mas está no Sameiro» e esta sua presença foi interpelação e convite a variadas iniciativas sempre conduzentes ao encontro com Cristo, na Palavra e na Eucaristia. 5. Desafios para hoje Queremos neste ano de 2004 celebrar um grande acontecimento. Olhamos, novamente, para a definição do Dogma da Imaculada Conceição e vamos congregar-nos, em manifestação solene, no dia 8 de Dezembro, numa peregrinação de índole nacional. A entrega da Rosa de Ouro pelo Cardeal Legado do Santo Padre será paradigmática como reconhecimento, por parte do Santo Padre, da influência que este Santuário tem realizado ao longo da sua história. Trata-se dum acontecimento para promover um maior amor a Maria para, como Ela, viver para o triunfo de Cristo e implantação do Reino de Deus. Nesta celebração nacional queremos, também, evocar a grande Peregrinação, acontecida em 12 de Junho de 1904, e a coroação solene de Nossa Senhora pelo Delegado do Papa Pio X, Monsenhor José Macebi, Núncio Apostólico e Arcebispo de Tessalónica, na presença de cerca de 300.000 peregrinos e dum número significativo de Bispos onde se destacava o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Sebastião Neto. A inscrição evocativa da coroação recorda que a coroa foi realizada a partir das jóias oferecidas pelas mulheres portuguesas incluindo a Rainha D. Amélia. Estes acontecimentos carregaram um dinamismo que projectou o Sameiro para o lugar que ocupa na devoção mariana. Como ontem, as nossas celebrações deste ano devem conter interpelações capazes de dizer algo de novo e convincente a quem nos procura, agora e no futuro. A beleza natural pode envaidecer-nos. Acontece, porém, que a referência deve estar noutra preocupação. A beleza é expressão de Deus criador que pela arte e sua articulação com o ambiente nos enleva. Mas, não é suficiente. O Sameiro tem o dever e a obrigação de ser «mensagem» que todos entendam. Há gente que passa por curiosidade e há pessoas que se sentem atraídas por algo de indescritível. O coração deve deixar-se tocar pelo espiritual. 6. Três «jóias» para marcar este centenário >Gostaria de solicitar três «acrescentos» ao monumento -- natural e religioso -- que estas comemorações deveriam oferecer. Do alto do monte surge uma mensagem que ecoa no coração de todos os cristãos e das comunidades. Não fujamos à responsabilidade de a proclamar e não lhe fechemos os ouvidos como quem não pretende ouvir. Sendo, embora, orientações pessoais devem encontrar a maior expressão na vitalidade da Igreja. Os dogmas nunca podem ser verdades abstractas e aceites com maior ou menor compreensão. Talvez no sentido de mistério que a razão tem dificuldade em interpretar, a vida acontecerá nova se as opções surgem por parte de cada um e das comunidades. Neste centenário, deixo três interpelações: 6.1. Urgência de regressar à interioridade A Imaculada Conceição entende-se como preservação absoluta da mancha do pecado para bem acolher Deus. É isto que pretendemos e, para isso, necessitamos do comportamento de Maria capaz de reservar espaços para o silêncio dialógico. Calar para que Deus fale e possa pronunciar o Seu Amor para que o manifestemos aos outros. Esta interioridade contemplativa deverá conduzir-nos à Palavra que a Escritura encerra. O silêncio acontece em Maria, mas Ela reveste-se da Palavra que acolhe para a viver. Deus continua a proclamar a verdade que deve tornar-se vida. Sem silêncio o mistério não se encontra nem se compreende na medida do possível. Precisamos, por isso, de muita concentração no nosso interior reservando-lhe espaços e tempos, em casa e nas comunidades. Infelizmente, a oração de louvor e de silêncio ainda conta pouco e as nossas celebrações, ainda estão cheias de muitas palavras. Necessitam de silêncio e nós devemos procurá-lo. No silêncio, para compreender o mistério de Deus, é imperioso adorar, tornando as vidas e comunidades contemplativas. A história da Igreja recorda-nos que os verdadeiros revolucionários, que marcaram as mudanças, foram homens ou mulheres que adoravam e contemplavam. Os retiros, como experiência de silêncio, são momentos a incrementar e desenvolver. Dou graças a Deus por tantas experiências maravilhosas entre nós verificadas. Precisamos de mais. Este silêncio contemplativo introduz-nos na consciencialização da nossa vocação de Filhos de Deus. É a dignidade a tornar-se responsabilidade, vivendo a vocação específica como resposta ao dom da filiação. A crise da Igreja passa por esta crise vocacional que, depois e só depois, se repercute na ausência de vocações. Estas preocupam-nos. Mas, surgirão se as comunidades educarem e caminharem ao ritmo da alegria de ser discípulo de Cristo que chama e propõe. Somos chamados. Esta é a vocação cristã e Deus, com cada um, estabelece uma «plataforma» de felicidade através duma vida em permanente intimidade. 6.2. Com Maria renovar os Sacramentos da Iniciação Do silêncio chegamos à compreensão da realidade dos sacramentos como sinais concretos que significam e oferecem Deus. Para isso, necessitamos duma pastoral capaz de os celebrar e viver. Não é suficiente a cerimónia tradicional. Urge que entremos numa compreensão, pessoal e comunitária, destas «coisas» sagradas que nunca podem ser interpretadas como meros ritos sociais. A vida cristã tem um início que se vai consciencializando para o viver na comunhão a oferecer ao mundo. Trata-se da importância dos Sacramentos de Iniciação Cristã: Baptismo, Confirmação e Eucaristia. O mistério do Amor de Deus, iniciado na Imaculada Conceição, vive-se na compreensão destas realidades sacramentais. Dou graças a Deus por eles pertencerem aos «bons costumes» do nosso quotidiano. Integram o ritmo do nosso crescimento humano. Mas, se no passado, isto era suficiente, hoje já não basta. Neste centenário, preparando-nos para outras propostas, podemos, ao jeito de meditação pessoal, interrogar-nos sobre o que significa o meu baptismo, a minha confirmação, a minha eucaristia. Estão assimilados e transparecem no viver quotidiano ou mergulharam no esquecimento ou rotina? Não poderiam ser motivo de contemplação interior como graças que marcam a vida? Num domínio pastoral e consciente das muitas questões a equacionar, é importante reconhecer a redescoberta dos Sacramentos da Iniciação Cristã como algo prioritário. Muitas vezes estamos a semear a Palavra de Deus em terreno que não foi minimamente preparado. Outras vezes queremos começar o edifício pelo telhado. Isto equivale a dar «pérolas» às pessoas, sem a conveniente preparação para conhecerem o seu verdadeiro valor. Não há compreensão da Imaculada sem a vivência destas graças. Sugiro, por isso, uma aposta numa redescoberta da verdadeira iniciação cristã e dos seus itinerários. Por vezes ouço a queixa de que são muitas as propostas pastorais e, por isso, se torna quase insuportável a sua concretização. A comunidade passa por interesses que se repetem permanentemente. Basta dar-lhe um pouco de conteúdo e atenção. Deste modo o caminho vai-se percorrendo. 6.3. Não condenar mas evangelizar o mundo Quando, em imagem, reproduzimos a Imaculada Conceição, colocamos a «serpente» que Maria calca, fugindo assim ao seu «domínio». A serpente identificámo-la com a iniquidade, a maldade, a perversidade… que, tantas vezes, colocamos no contexto do mundo. Aí sublinha-se a ruptura como existência de duas realidades antagónicas que parecem inconciliáveis. O mistério da Incarnação a partir da Imaculada Conceição está a sugerir que a vitória do bem sobre o mal nunca estará na luta mas na autenticidade e profundidade do diferente. São dois mundos mas o bem vive para se impor sobre o mal através dum anúncio coerente e duma concretização imediata. A arma é a Palavra que, vivida, vai impondo os seus critérios ainda que, por vezes, possa parecer impossível ou difícil. A Imaculada apenas sugere que a Palavra seja pura e fiel para ir permeando os conteúdos humanos com a sua lógica. Trata-se de acolher, no silêncio contemplativo da realidade sacramental assimilada e desenvolvida, a Evangelização como o caminho a percorrer pelos cristãos e comunidades. A história de Portugal, imbuída do amor a Maria, colocou os portugueses na itinerância de comunicar a Boa Nova. Os painéis, existentes na Cripta do Santuário alusivos à acção evangelizadora do povo português identificando as dioceses que durante cinco séculos de evangelização e encontro de culturas surgiram, são uma interpelação que o Santuário proclama. Com Maria e na devoção que lhe dedicamos devemos continuar a epopeia de cantar o Magnificat, anunciando as maravilhas que Deus continua a operar em favor do Seu povo. A existência do Centro Apostólico, como sinal evocativo do Concílio Vaticano II, quer simbolizar a apetência por uma formação, humana e cristã, competente e actualizada, para, num contexto secularizado, calcar o grande inimigo da Igreja Católica: a ignorância religiosa. Enquanto não nos convencermos desta caracterização do nosso cristianismo que urgentemente teremos de ultrapassar, não estaremos a ser fiéis à missão confiada. 7. Conclusão e compromissos Na celebração deste duplo acontecimento, sinto de solicitar aos cristãos bracarenses um amor renovado a Maria. Os antepassados, há cem anos, ofereceram o seu ouro. A actualidade solicita gestos que manifestem como Maria entrou nas nossas «casas» e nas «casas» da Comunidade. O Santuário do Sameiro, na sua programação pastoral, deve corresponder a esta proposta com ofertas que sublinhem a prioridade da espiritualidade orientada para uma consciencialização da vocação baptismal capaz de apontar outras vocações de especial consagração e projectos de formação integral onde a fé se torna pensamento para chegar à cultura religiosa e espiritual das nossas gentes. Se o Santuário do Sameiro for capaz de proporcionar esta espiritualidade e formação, as comunidades sentirão a sua influência e a renovação acontecerá. A multiplicidade de celebrações, indo de encontro a experiências humanas, quer simbolizar a alegria de incarnarmos o Evangelho nos ambientes da modernidade. Nada pode ser ocasional e esporádico. São momentos que permanecem se assumidos num compromisso de renovação pessoal e eclesial. A história do Sameiro foi feita por todos quantos procuraram este Santuário. Muito encontraram e muito deram. A Mãe do Céu continua a agradecer cumulando com as suas bênçãos. Tratando-se duma realidade eclesial, importa referir os Irmãos que compõem a Confraria e testemunhar a gratidão a quem -- no presente e no passado -- dirigiu o seu destino. Também neste âmbito a celebração de mais um evento comemorativo pode ser um apelo ao rejuvenescimento da Confraria através da inscrição de novos Irmãos. Muitos refugiam-se nas dificuldades do associativismo e da diminuta vontade de exercer um voluntariado de serviço. Semear o amor a Maria, centralizado no essencial, é a certeza de que também este aspecto encontrará eco no coração dos devotos. Saibamos rejuvenescer a Confraria e mostrar que a Igreja dedica carinho e atenção às associações de fiéis solicitando-lhes uma vida de harmonia com os Estatutos. A Senhora do Sameiro poderá dar-nos força para revitalizar todas as Confrarias para que o sejam de verdade. As comemorações dos 150 anos da definição do Dogma da Imaculada Conceição ganham um brilho especial na Arquidiocese de Braga. Precisamos, por isso, de lhe dedicar uma atenção particular. Convoco os cristãos e as comunidades paroquiais e religiosas para a elaboração dum programa integrado na dinâmica do Ano Vocacional que iremos viver. Cada comunidade deve, em Conselho Pastoral Paroquial, programar. Deixo algumas sugestões muito concretas. São ideias a suscitar iniciativas variadas. 7.1. Visita ao Sameiro Quis sublinhar a importância do peregrinar para fazer silêncio contemplativo. Reservar tempo para, diante de Maria, discernir, em profundidade, o mistério de Deus. Os lugares são secundários e estes momentos de silêncio, cada um os deveria integrar no meio das preocupações pessoais. Um canto duma igreja ou o silêncio dum quarto em casa, um momento comunitário ou familiar de interioridade, pode viver-se com facilidade. Se os lugares são secundários, o ambiente ajuda. Há pormenores que nos interpelam. Conhecendo a história do Sameiro e consciencializando-nos sobre o que queremos celebrar, aqui, diante do enquadramento artístico e da beleza da imagem de Nossa Senhora do Sameiro, podemos compreender a verdadeira identidade do cristão e encontrar ardor para encarar a caminhada do dia-a-dia. Maria encontra-se sempre; o Santuário do Sameiro pode ajudar. 7.2. Mês de Outubro O mês de Outubro é, tradicionalmente, o mês do Rosário cuja riqueza teremos de recuperar. A elaboração de esquemas apropriados -- integrados na Eucaristia ou separados -- facilitam o encontro e ajudam a compreender-nos como discípulos. Um pouco de leitura espiritual, no meio de tantos livros existentes, facilitará a criação dum ambiente especial para a imitação de Maria. Sugiro temas e leituras vocacionais para que, penetrando na convicção dum chamamento de todos ao Amor de Deus, cheguemos à capacidade de propor a vocação sacerdotal, religiosa ou missionária. 7.3. Novena da Imaculada Há devoções que foram passando ao esquecimento por causa de múltiplos afazeres e incapacidade de as organizar com qualidade. As novenas podem ter caído nesta situação. Elaboraremos esquemas que permitam a vivência desta novena em todos os lugares do culto. A impossibilidade da presença do Sacerdote pode e deve ser seguida pela acção dos leigos que são capazes de coisas maravilhosas. Procuraremos que a Rádio Renascença transmita as celebrações que iremos preparar. Os doentes e idosos devem ser alertados para esta ajuda. 7.4. Vigília da Imaculada Pode e deve ser um momento de vivência especial. A criatividade de cada comunidade saberá discernir e ver o que convém. Alguma coisa iremos preparar para sintonizar todo o país. Será um momento de maior contemplação para agir no mundo através dum anúncio e vivência dos valores testemunhados por Maria. 7.5. Sinais de festa Houve um tempo em que muitas famílias colocavam nas janelas um sinal luminoso com as letras do Avé Maria. Não será conveniente empenhar-se neste sinal exterior? < 7.6. Festa da Imaculada No Sameiro ou noutro local a celebração deve revestir-se duma solenidade especial. Importaria que significasse um momento para deixar espaço para Jesus «incarnar» nas nossas vidas. Os grandes acontecimentos valem pelas marcas e resultados positivos que deixam ficar. *** Que Maria, a Senhora Imaculada do Monte do Sameiro, entre em todos os lares e acolha os dramas e as alegrias, tornando o mundo uma experiência de família na solidariedade cristã. Senhora do Sameiro ajuda-nos a ser discípulos de Cristo e membros vivos da Igreja. «Tu podes, és Mãe de Deus e deves, és nossa mãe». + Jorge Ortiga Arcebispo Primaz