Arquidiocese de Braga -

18 julho 2004

Homilia das Ordenações

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D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga

\nCoerência de vida para chamar São passados cinco anos sobre a minha tomada de posse como Arcebispo. Os anos passaram rapidamente e os “sonhos” continuam inalteráveis. Há estrada feita. Descortino, ainda, muitos horizontes para atingir. Celebrar um aniversário com ordenações sacerdotais torna-se sinal de esperança. Ter a oportunidade de apresentar um Programa Pastoral que motive e envolva toda a diocese num Ano Vocacional significa abrir o coração para daí extrair uma inquietação. Sei que tendo um Programa e uma Nota Pastoral, iremos iniciar um ano de alegrias para além dos resultados imediatos. Estes interessam-nos, mas o Espírito pode colocar-nos na novidade de tempos novos com respostas novas e, particularmente, na certeza confiante que Deus não abandona o Seu povo. Sei que a Igreja não são os padres e que as vocações de especial consagração não se limitam aos sacerdotes diocesanos. Penso, porém, que, se entrarmos no íntimo das consciências, reconheceremos que o presente e o futuro da Igreja, em larga medida, está nas mãos dos sacerdotes. Somos povo mas, precisamente por isso, necessitamos de timoneiros e esta afirmação não se aplica apenas a alguns. Ou somos um presbitério unido e alegre no testemunho da vida ministerial ou deturparemos a Igreja na sua originalidade inconfundível. Estando em Ordenações, gostaria de apontar quatro itinerários. Torna-se difícil apresentar prioridades. Faço afirmações sem negar a importância do contrário. Trata-se de opções que nada excluem. Manifestam intenções. Falo, directamente, para os sacerdotes. Agradecia que todos os leigos as aplicassem a si. Também para a Igreja a lei dos vasos comunicantes é válida e a norma de S. Teresa tem plena actualidade. “Uma alma que se eleva, eleva o mundo”. Necessitamos duma emulação recíproca. Já S. Paulo a recomendava. 1. Ser cristão antes de ser padre. Para muitos esta afirmação pode gerar escândalo. Pessoalmente, vejo-a como essencial. Sem a coragem de ser discípulo, identificando-se com o projecto de Cristo, assumindo um estatuto peculiar e original… o sacerdócio de Cristo não passa e não funciona. Ser cristão é vida; ser padre pode resumir-se a um funcionalismo mais ou menos competente. Jesus, no Seu amor omnicompreensivo, recusou, o estilo de vida dos sacerdotes da época. Queria a vida de paixão por Ele, na atitude de deixar tudo, para percorrermos os caminhos de salvação da humanidade. Ser cristãos será sempre actual e nunca defraudará expectativas. Viver para ser padre pode resumir-se a um estatuto ultrapassado e desenquadrado do contexto. Só Cristo é de “ontem, de hoje e de sempre”. O ser cristão conduz-nos à problemática do ministério ou serviço eclesial. Teremos de ser de Cristo antes de fazer as coisas de Cristo ou por Cristo. Não somos actores que interpretam uma peça. Somos continuadores duma pessoa. Impressiona-nos os sacrifícios e trabalhos a que os artistas se sujeitam para interpretar uma determinada personalidade. E nós? Não precisaremos de percorrer os caminhos da interioridade e voltar a pensar o nosso ministério a partir da oração e da contemplação? Paremos para interiorizar e permitir que os dinamismos – a força – de Cristo penetrem no que fazemos. 2. Viver a Palavra antes de anunciá-la Sabemos que a tarefa primordial da Igreja reside no “anunciar” a todos os povos a Boa Nova trazida pelo Mestre. Ninguém ignora que urge dar-lhe uma linguagem nova e adoptar todas as técnicas da modernidade. Reconhecemos que há areópagos que ainda não pisamos. Penso, porém, que todos aceitam a verdade de que hoje pode haver quem comunique melhor do que nós e que apresente “produtos” mais atraentes. O nosso “trunfo” está na vida, no ser livro aberto daquilo que anunciamos e, por isso, recusamos a incoerência como algo inadmissível. Não vamos pelo caminho que mais nos convém. Aceitamos uma verdade total que é vida e comunicámo-la com o ser Sua transparência. Por vezes procuramos imagens para apresentar uma mensagem. É imperioso que o façamos. Mas a pedra de choque está no que somos. A sociedade moderna não necessita de vendedores ambulantes que, por vezes, são charlatães. Exige-se certificação de qualidade que só se encontra naquilo que se transmite pela vida. 3. Viver a comunhão antes de celebrá-la Acreditamos numa Igreja una e queremos que ela cresça como casa e escola de comunhão. Podemos, porém, refugiar-nos no articulado tradicional duma comunhão eucarística, de efeitos momentâneos e com atitudes contraditórias. Por vezes até nos iludimos a contar o número das comunhões durante o ano. Sei que não deveria haver eucaristia sem comunhão mas, acredito, esta sem experiências vitais e comprometidas pode ser acto de piedade indigno. A comunhão vive-se no quotidiano entre bispo e sacerdotes, entre sacerdotes e leigos, entre comunidade religiosa e sociedade ou mundo profano. Nunca permitamos rupturas a qualquer nível, coloquemos longe de nós a indiferença, o ciúme, a inveja, as rivalidades fúteis, as facções ou grupos. Somos uma única Igreja e Deus fala pela comunhão com a humanidade para além da cor, da raça, dos partidos, das opiniões subjectivas. Quem não é capaz de viver e construir comunhão, não se pode considerar Igreja. 4. Interpelações para um Ano Vocacional Neste dia quis deixar aos sacerdotes, para que cheguem a todos os cristãos, três apelos: ser cristão, ser Palavra, ser Comunhão. Se nos envolvermos nesta estratégia que é a única que vale, teremos muitas vocações de especial consagração. E se elas não surgirem, o Espírito dir-nos-á, sem mágoa para o nosso saudosismo, os caminhos pastorais que teremos de percorrer para que Cristo continue a ser o único Salvador. Em dia de aniversário de tomada de posse não posso deixar de agradecer a quantos, sacerdotes e leigos, têm sido alento e estímulo. Se tenho sido motivo de desalento ou desencanto para alguém, solicito uma acção convergente na correcção fraterna e positiva, para avançarmos em comum. Só com todos encontraremos a consolação de vidas realizadas e alegres. Durante esta Ano Vocacional não perguntemos o que fazer e como viver. Soltemos as amarras da imaginação e demos corpo a um conjunto de iniciativas com força de persuasão vocacional. Houve um tempo em que a Pastoral Vocacional se apoiava no acompanhar e discernir: hoje necessitava duma cultura do chamamento. Devemos fazê-lo através de Palavras e iniciativas. Sejamos audazes. Mas, dum modo particular, manifestemos a grande felicidade experimentada como consequência duma resposta pessoal coerente e convincente. Só o testemunho é elucidativo. Gostaria de me colocar na primeira fila. Conto com todos. Não gastaremos a vida em vão. Para “anunciar em plenitude a palavra de Deus” precisamos da tranquilidade que resulta de “sentar-se aos pés de Jesus” e daqui, como Igreja, encontrar “pão” “para restaurar as forças” da apressada humanidade que deve servir. “Levantemo-nos” e partamos em comunhão profunda para “mostrar” a “beleza” dum Deus que ama infinitamente os homens e as mulheres de hoje. Sejamos coragem uns para os outros. Eu quero ser. Conto com todos e cada uma. + Jorge Ortiga, A. P.