Arquidiocese de Braga -
1 janeiro 2005
O futuro desafia-nos
D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga
\nO futuro desafia-nos
A paz não convive com a violência
A caracterização do mundo moderno situa-se numa viragem epocal. A velocidade das alterações é progressiva e a diferenciação em relação com o passado é acentuada. Tudo é diferente, nada se repete dum modo uniforme e cadenciado pelos hábitos e rotinas.
Estamos colocados perante um futuro que nos desafia. Na verdade, não podemos adaptar-nos às novas situações sem uma reflexão crítica, procurando intuir o melhor caminho. Resignar-se perante a novidade, pode significar irresponsabilidade. Daí que iniciar um Novo Ano nos questione sobre por onde ir para que o futuro tenha sentido.
As alternativas são variadas mas nem todas oferecem as garantias duma verdadeira felicidade. O crente acredita que Cristo é o modelo do homem novo e a mensagem que continua a dirigir--nos acentua um humanismo que não deveria admitir concorrência. Este humanismo caracteriza-se por uma dignificação de todo o homem e do homem todo. O futuro passa por aqui. Importa por isso, uma atenção a todo o ser humano sem atitudes de marginalidade ou exclusão. Estas continuam a existir no fenómeno novo da imigração que nos deve responsabilizar e no escândalo duma desigualdade que menospreza os menos capazes e aqueles que enveredaram por opções erradas, mas que merecem a mesma consideração. Nunca nos podemos deixar conduzir por simpatias, partidos, credos, raças. Só atribuindo a todos um valor igual teremos um futuro digno. Por outro lado, o verdadeiro humanismo integra as dimensões económicas e espirituais. Não caindo nunca em reducionismo teremos de sublinhar o carácter imprescindível da experiência sobrenatural. A religião terá de regressar aos conceitos sociais e nunca poderemos permitir que seja colocada no âmbito do privado e íntimo. Parte daqui mas tem de ter incidências nas estruturas e instâncias vitais. O laicismo galopante deveria inquietar-nos. Todos se deveriam empenhar por uma sociedade de aceitação e respeito pela diversidade de experiências religiosas sem fundamentalismos cegos destruidores dum sentido de tolerância como ambiente normal para um conhecimento e felicidade comum.
O humanismo integral não pode desconsiderar a importância do económico. Ninguém ignora os tentáculos dum novo neoliberalismo que, no fenómeno da globalização, está a gerar miséria e fome. O ser humano tem necessidades básicas que só numa justa e equilibrada distribuição das riquezas pode satisfazer. Pensando no futuro – que é já presente – adivinho uma realidade de desemprego a agravar-se com a consequente instabilidade familiar. Como Igreja e sem intromissão em áreas politicas, descortino uma nova situação para o nosso Minho motivada pela liberalização do comércio mundial no sector têxtil. Se a nossa indústria se deixar envolver por esta aposta, o impacto da liberalização a permitir uma entrada livre de produtos oriundos de países onde os custos de produção são baixíssimos, não podemos estar tranquilos e não temer o futuro. Por onde passa o futuro? Não sou capaz de responder. Sei, porém, que nunca será por um desemprego mais ou menos acentuado que esta nova situação vem gerar.
É neste contexto que podemos interpretar a mensagem do Santo Padre para o Dia Mundial da Paz. Sabemos que o mundo é um barril de pólvora com sintomas em todos os lados. Com a guerra a pobreza aumenta e só com uma acção de verdadeira solidariedade e interdependência entre indivíduos e nações teremos igualdade de tratamento e consequentemente paz. Por outro lado este bem, que todos reconhecem como indispensável, é incompatível com qualquer forma de violência. Esta luta está a «empurrar o mundo inteiro para um futuro de medo e de angústia». Daí que o Santo Padre lance um alerta: «Para que se consiga o bem da paz, é preciso afirmar, com uma consciência lúcida, que a violência é um mal inacreditável e que nunca resolve os problemas». Aceitemos o convite do Papa: «Não te deixes vencer pelo mal. Vence antes o mal com o bem…»
É este o grande desafio que o futuro nos lança. Importa lutar pelo bem comum e reconhecê-lo como prioritário. Entraremos num Ano de grande agitação política. Com várias eleições programadas, não nos podemos demitir e assistir passivamente. Urge pensar, individualmente e colectivamente, Portugal na linha da igualdade de todos os portugueses. Este deve ser o critério de escolha e de participação. Faço votos para que os partidos pensem em Portugal e para que os portugueses os «julguem» pelo carácter positivo das suas propostas. E se a violência não gera a paz e o desenvolvimento, espero que o verbalismo que nos irá invadir seja pautado pelo respeito de todos num sadio reconhecimento de pensamentos diferentes.
Mais do que nunca o futuro nos desafia. Saibamos estar à altura destes momentos. Precisamos de apostar no bem para vencer o mal e, para isso, temos de viver responsavelmente os acontecimentos que se aproximam. Que Maria, Mãe de Deus, nos torne artífices dum mundo novo.
Sé Catedral, 1-1-05
+ Jorge Ortiga, A. P.
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