Arquidiocese de Braga -

24 março 2005

Homilia da Missa Crismal - ALMA ABERTA COM OS SACERDOTES

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D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga

\nALMA ABERTA COM OS SACERDOTES É com sentimentos de louvor e gratidão a Deus que comungo com o presbitério para reconhecer as maravilhas que Ele continua a operar no nosso meio e por nosso intermédio. É Ele o Senhor vivo em que acreditamos, o Deus connosco, a nossa esperança no presente e no futuro. Gratidão ao D. António Francisco dos Santos, a quem saúdo afectivamente em nome deste povo do Minho que peregrina no discernimento da vontade de Deus e no compromisso de, com ele, edificar a Sua Igreja. Seja bem-vindo e tenha a certeza da mais profunda unidade eclesial. Gratidão a cada um dos sacerdotes, do nosso presbitério ou de comunidades religiosas, com os quais tenho condividido o peso das tristezas e das angústias dos nossos contemporâneos, assim como saboreado a alegria dum povo crente que quer crescer na sua fé. É dia de abrir a alma aos sacerdotes. Não quero fazer homilia. É dia de espontaniedade. Como pastor da Arquidiocese gostaria de ser construtor da vossa alegria sem pretender dominar ou controlar a vossa fé e empenho eclesial. “Não é minha intenção dominar a fé que tendes, mas colaborar para que tenhais alegria” (7 Cor.124). Não me atrevo a imaginar que não tenhais razões para vos lamentardes da maneira como exerço o ministério do serviço da caridade. Por isso, peço perdão ao Senhor e a cada um de vós pelas incoerências no pastoreio e pelas insuficiências na dedicação paternal. Nesta atitude humilde, quero renovar o empenho de suscitar encanto no anúncio do Evangelho e de alimentar a Igreja Diocesana, com todas as minhas capacidades e limitações, na alegria evangélica para que sejamos, em coração concorde, portadores de esperança. Não é fácil ser e testemunhar esperança mas impõe-se a capacidade de redescobrir o “fio de ouro” que dará sentido à história de maneira que, em Cristo e por Cristo, todas as coisas e acontecimentos se encontram com um sentido que perspective felicidade. Para ser esperança para o mundo necessitamos de vivenciar os conteúdos essenciais da nossa vocação sacerdotal. Talvez se imponha uma viragem na sua compreensão. Nascemos num contexto que exaltava o sacerdócio e que favorecia o seu acolhimento e respeito. Aconteceu uma viragem de época e salvaremos a nossa identidade se regressarmos às fontes da Sagrada Escritura. Aí apercebemo-nos que a vocação é um dom, recebido e aceite na Igreja, para permitir o crescimento desta como povo sacerdotal e profético. O nosso ser depende sempre da iniciativa amorosa e operante de Cristo-cabeça e a Igreja é o lugar da resposta para bem do mundo. Somos assim tocados por Deus para viver com Ele (MC.3.14) continuando a Sua missão o que significa edificar a Sua Igreja no mundo que Ele muito ama. Para dar significado à nossa presença num mundo onde a fé vai desaparecendo e os valores se vaporizam ou são ridicularizados, teremos de contemplar o dom da vocação que nunca nos torna donos da vida nem permite que sejamos nós a estipular a meta. Santo Inácio de Loiola referia, noutro contexto, que o essencial da vida cristã não reside no pensar mas no saborear. A vocação deve ser saboreada neste contexto dum amor incondicional e à medida de Deus que, como referia S. João da Cruz, não se cansa nem cansa. Somos o que somos quando queremos experimentar a brisa suave do amor dum Deus que nos cativou. Neste essencial da vida do presbítero compreendemos que nunca nos poderemos contentar com uma mera deontologia profissional marcada por deveres e obrigações de cumprimento obrigatório. Estes tornam-se uma carga pesada porque não nascem dum encontro pessoal e pascal, revivido na Eucaristia, que nos vem lembrar a lógica do Reino ou a Regra de Ouro: “Perder a vida para a encontrar plenificada”. A vulnerabilidade do vosso estatuto, o carácter irrelevante no conceito de muita gente, a pouca popularidade ou aceitação, a imagem deturpada … quando somos homens possuídos por Deus oferecemos um testemunho, no meio das dificuldades e incompreensões, que brilhará no meio das trevas. Para acolher o dom da vocação, necessitamos dum esforço de interioridade sempre crescente o que implica um encontro dialógico com Deus que permanentemente chama para escutar autorealizando-nos fazendo da existência um dom de si no serviço dos irmãos. Neste ambiente vital intuímos os dinamismos da vida sacerdotal. E, caríssimos sacerdotes, as notas características do nosso ministério consistem em representar e animar. Somos representantes de Cristo na Sua Igreja e representantes da Igreja que é o corpo de Cristo. Simultaneamente, agimos como animadores da comunidade eclesial por graças de Cristo. Como era importante interpretar convenientemente o papel que nos toca. Como representantes e animadores, tornamo-nos sinal sacramental de Cristo na Igreja. “Exercemos a função de embaixadores em nome de Cristo” (2Cor.5,20), e daqui representamos a Igreja promovendo a comunidade e suplementariedade de carismas. “Ele preparou os cristãos para o trabalho do ministério que constrói o corpo de Cristo.” A nossa vocação não dispensa nem supre a variedade imensa dos carismas. Torna-se estímulo, discernimento e capacidade de harmonizar. Não tememos ou travamos os carismas. Operamos de maneira a permitir que se evidenciem num espírito de comunhão. “Os sagrados pastores reconhecem perfeitamente quanto os leigos contribuem para o bem de toda a Igreja. Sabem que não foram instituídos por Cristo para assumirem sozinhos toda a missão da Igreja para salvar o mundo, mas que seu excelso múnus é apascentar os fiéis e reconhecer-lhes os serviços e carismas, de tal maneira que todos, a seu modo, cooperem unânimamente na tarefa comum” (LG.30). “Para exercer este apostolado, o Espírito Santo, que santifica o povo de Deus pelo ministério e pelos Sacramentos, dá também aos fiéis dons especiais (cf 1 Cor. 12,7), distribuindo-os a cada um conforme quer (1 Cor.12,11), a fim de que cada um, segundo a graça recebida, pondo-a ao serviço dos outros, a administre como bom dispensador da multiforme graça de Deus (1Ped. 4, 10) para edificação de todo o corpo na caridade (cf. Ef. 4.16).” Pela recepção destes carismas, até dos mais simples, advém a cada crente o direito e o dever de os exercitar na Igreja e no mundo para bem dos homens e edificação da Igreja, na liberdade do Espírito Santo que sopra onde quer (Jo. 38). A Igreja é este corpo vivo onde o ministro ordenado favorece o ministério de todos e, a doutrina do Concílio Vaticano II exige uma passagem dum sacerdócio “centro de execução” na procura de colaboradores, para um sacerdócio “centro de comunhão” através da animação e harmonização de carismas para ultrapassar a neutralidade de colaboração e testemunhar uma índole de corresponsabilidade. Este amor pastoral, critério identificador do sacerdote, sabe conhecer e reconhecer os dons de Deus nos outros como em si. Isto implica humildade nos comportamentos quotidianos para não se sobrevalorizar nem confundir presidência com comando e guia espiritual com superioridade orgulhosa. Precisamos de ser portadores duma forma de vida doada à causa do Reino de Deus que é o único tesouro (Mt. 13,44), levando para a frente um anúncio “gratuito” (mt. 10,9) na disponibilidade de Cristo que oferece a vida pelas ovelhas (Jo. 10,15). A Eucaristia surge aqui como “fonte” de todos os dons e “cume” do seu exercício. Só que, como nos recorda o Santo Padre na Spiritus et Sponsa, ela não pode ser uma mera celebração mas tem de ser “culto espiritual” (Rom. 12,1) em toda a existência, levando-nos a “viver em Cristo” como um autêntico “projecto de vida”. Celebrar não é fácil, colocar a celebração eucarística no centro das nossas vidas e das vidas das comunidades é imperioso e urgente. Permiti que das “Sugestões e Propostas” da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, que aconselho vivamente a ler, referencie duas ideias capazes de suscitarem muitos “comportamentos eucarísticos”, alguns a relembrar e outros a inculcar. 1 – Interpelações da Real presença de Cristo. Professamos pela fé que Jesus está presente, Deus e homem, debaixo das espécies do pão e do vinho. Como doutrina não acredito que existam dúvidas; como ligação efectiva deve ser necessário, na luta contra a rotina, “cultivar uma consciência viva” desta presença quer durante a celebração quer no culto fora dela. O mistério é sublime e deve ser adorado e contemplado. Os sentidos têm de reconhecer a incapacidade e um cuidado atento na maneira como o “tratamos” é vantagem para nós e para quantos participam na Eucaristia. Urge concentrar-se e provocar comportamentos de intimidade e profunda concentração e respeito. Nada mais sublime podemos experimentar. Desta presença real deveremos caminhar para um comportamento diário que me parece de extrema importância para os sacerdotes e para a comunidade diocesana. Teremos de “ver”, descobrindo-os, os “sinais da presença divina” na nossa vida e no mundo e articular uma pastoral que consista, essencialmente, na arte de os “manifestar” a quantos nos rodeiam ou foram confiados no encargo pastoral. Num mundo que quer apostar no indiferentismo ou agnosticismo, numa sociedade que pretende eliminar todos os sinais que, directa ou indirectamente, falem do transcendente, num espaço cultural onde parece ser proibido falar dum Deus existente e próximo da humanidade a quem confiou um projecto de felicidade, o sacerdote terá de ser peregrino que se apercebe de tantas realidades e eventos que, porventura imperceptivelmente, estão a falar de Deus. Importa emprestar-lhe a voz para ampliar o seu rumor e mostrar a beleza deste Deus. São muitos os dramas existenciais que parecem demonstrar a morte de Deus. Mas, Ele está vivo e operante na história da humanidade e da Igreja. Particular relevo teremos de dar a esta presença do divino nos acontecimentos e actividades diocesanas. A que nos apegamos mais? Qual o conteúdo dos pensamentos e das acções? O realismo do nosso peregrinar será tão negativo para estarmos retraídos e pessimistas? O sol não raia em muitas iniciativas esporádicas ou estruturais? Esta presença real de Cristo no evoluir da história hodierna da nossa diocese não estará a solicitar uma adesão pessoal de todos e cada um dos membros do presbitério ao lema deste ano pastoral: “Levantai-vos. Vamos”? Onde conduz o desencanto e o azedume inter-relacional? Que movimentará mais a história da Diocese: a mesquinhes da insatisfação ou o acreditar que a presença de Cristo é semente e fermento que deveremos permitir que se desenvolva e atinja a massa? 2 – O Sacrifício do Altar. Sabemos que a Eucaristia é alegria e acção de graças porque memorial das maravilhas realizadas por Deus em favor do Seu povo. Não ignoramos, também, que ela é sacrifício pascal de Cristo. “O sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício”… Também esta doutrina questiona o existir sacerdotal. Por Cristo, com Cristo e em Cristo somos convidados a tornar a nossa vida toda um “sacrifício agradável a Deus”. Descortinamos as belezas e os encantos mas acreditamos que só a nossa morte quotidiana pode ser um “implante” de vida nas nossas comunidades e na Diocese? Somos homens do dom de si, da oblatividade, da oferta da vida e sabemos, que tudo se concretiza numa “espiritualidade do sacrifício” que vivemos em todos os contornos? Parece que o homem moderno pretende fugir a tudo quanto implique sofrimento. Só que a sua lei é inevitável mesmo sendo inescrutável. A vida pessoal está marcada por este sinal que nos acompanha desde o baptismo. O serviço pastoral desenvolve-se num conjunto de grandes ou pequenas dores. Somos homens da dor, como dizia Isaías. Não teremos de colocar coragem para aceitar a vida e dar-lhe um sentido redentor? Sentindo e experimentando a dor não poderemos fechar os olhos às dores alheias. Repete-se, com frequência, a história do Samaritano. Passamos ao lado dos dramas de muitos e muitas que mendigam, mesmo sem o referir, o nosso carinho. A Igreja foi perita em humanidade. Não estaremos, hoje, negando esta característica de 20 séculos de história? Há dramas novos e velhos. Podemos assistir ou arriscar ser pioneiros. Cristo carregou sobre os Seus ombros as dores da humanidade. Deveríamos estar aí não por mera filantropia mas como resposta ao dom recebido dum Deus apaixonado pela humanidade. Não podemos deixar de sublinhar que a Eucaristia supõe e gera a comunhão com Cristo e dos irmãos entre si. Ela nunca é uma acção privada mas é o próprio Cristo que associa a si a Igreja tornando-a “um só corpo e um só espírito”. Cristo realiza a comunhão e nós teremos de a visibilizar nos contornos da vida sacerdotal e eclesial. Por isso iremos recordar quantos peregrinaram connosco e partiram para o Pai durante este ano: - Pe. Joaquim de Faria Brito; - Pe. Eduardo de Oliveira Campos; - Pe. Aurélio Ribeiro Soares; - Pe. Miguel Ribeiro de Carvalho; - Pe. Joaquim Ferreira da Fonseca; - Pe. Manuel Vilas Boas Lima; - Pe. João Gonçalves da Silva Pereira; - Pe. Manuel Moreira da Silva; - Pe. António Pereira Lima; - Pe. Adelino Eiras Lobarinhas; - Pe. Manuel Brito da Silva. Queremos alegrar-nos com sacerdotes ordenados: - Pe. Almerino Martins da Costa; - Pe. Daniel Cardoso Pereira; - Pe. Francisco Miguel Fernandes Carreira; - Pe. José Manuel Ferreira da Costa; Com aqueles que celebrarão as Bodas de Prata: - Pe. António Fernandes Rodrigues; - Pe. José António Fernandes Antunes; - Pe. João Luís dos Santos Matos; - Pe. José Marques Domingues; - Pe. Manuel José Ribeiro Pinheiro; - Pe. Porfírio Morence Martins. e as Bodas de Ouro: - Pe. António Leitão da Silva; - Pe. João Maria Tinoco; - Pe. José Ferreira Martins; - Pe. José Gonçalves; - Pe. José Rodrigues Carneiro; - Pe. Henrique Costa Macedo; - Pe. Manuel Baptista de Oliveira; - Mons. Manuel Baptista de Sousa; - Pe. Manuel Joaquim Pires de Castro; - Pe. Manuel José Gonçalves; - Pe. Mário Marques Sá Carneiro; - P.e Júlio Cândido Reis Maia Rodrigues Souto. Como presbitério não deixaremos de continuar a promover uma séria e pensada cultura vocacional que, entre outros aspectos, exige amor ao Seminário, dedicando-lhe, também, um amor crescente através de visitas e dum interesse por uma causa que não é de alguns. Quem não ama o Seminário não tem uma alma diocesana. Concluindo, gostaria de resumir a partilha familiar num decálogo. 1 – O Sacerdócio, como vocação, é um dom de Deus. 2 – Acolhemo-lo numa resposta nunca plenamente dada. 3 – Como dom não somos donos mas continuadores na fidelidade. 4 – Somos representantes a agir em nome de Cristo e da Igreja que servimos e não nos servimos dela. 5 – Tornamo-nos animadores de dons que outros receberam, harmonizando-os num serviço corresponsável. 6 – A Eucaristia, como centro da igreja e da vida sacerdotal, é “cume” e “fonte” duma vida verdadeiramente sacerdotal. 7 – Consciencializar-se da presença real de Cristo para reconhecer, com alegria, esta mesma presença em tantos acontecimentos positivos da nossa Igreja Diocesana. 8 – O sacrifício torna-nos homens das dores para as viver e libertar de qualquer forma de opressão. 9 – Experimentamos e crescemos na comunhão para tornar um mundo solidário. 10 – Aceitamos a alegria de ser padre hoje como o melhor anúncio da fé e o testemunho vocacional mais convincente. Passando do plano pessoal, se é possível separar, permita-me que conclua com duas interpelações. Temos um Programa Pastoral sobre as Vocações e sobre a Eucaristia. Que tem feito, cada um, para criar e desenvolver uma cultura vocacional? É só para os outros? Que fizemos para, em nome de Cristo e da Igreja de Braga, chamar? Por outro lado, que concretizamos para criar maior vivência eucarística? Como vivemos e levamos a viver a adoração? Não precisaremos duma espiritualidade eucarística? Sejamos honestos e respondamos, com verdade, ao modo como assumimos o Programa Pastoral. Maria, a Mãe do Salvador eterno, nos acompanhe e desentorpeça os pés para caminharmos ao ritmo das exigências dum mundo que mudou e nunca mais será igual. Em tempos de Jardim das Oliveiras e dum sombrio nocturno da humanidade, “levantemo-nos e vamos” até onde o Espírito nos queira conduzir. Quinta-Feira Santa 2005. + D. Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz