Arquidiocese de Braga -
8 outubro 2005
Ser Tempo

Fotografia
Departamento Diocesano da Pastoral Familiar
\nInício do triénio dedicado à Família. Energia ao rubro qual Fénix rejuvenescida com o dolce farniente das quentes férias idas… Uma das apostas mais incisivas é, mais do que nunca, a formação/educação. E, neste percurso, tropeçamos necessariamente com os incontornáveis valores numa sociedade onde rareiam em crescendo. É consensual que uma educação para um futuro melhor passa necessariamente por uma educação para os valores; ou seja, um futuro melhor depende do modo como educamos no presente os nossos filhos. E este processo passa por uma pedra de canto chamada responsabilidade. Olhando para o nosso entorno, grosso modo, podemos constatar que o homem pós moderno desta era do pós dever, actor de uma cultura hedonista utilitarista do individualista “cada um por si”, encontrou duas formas de escapar ao peso de uma ética da responsabilidade: o infantilismo, que lhe permite viver a liberdade ao sabor do capricho apoiando se na sociedade de consumo, e a vitimização, que transforma cada um de nós num detentor de direitos indefinidamente lesado, num mártir dos outros, da sociedade, do Estado, numa palavra, num legítimo coitadinho. Talvez o cerne da questão se localize precisamente na diluição do conceito de culpa, espécie em vias de séria e gravosa extinção, não só nas crianças e adolescentes, mas também nos incontáveis adultos que funcionam sem a mínima capacidade de autocensura regulatória do impacto dos seus actos nos outros, minando, pelo nefasto exemplo, a educação dos mais novos, verdadeiras “esponjas” que se vão estruturando e modelando de acordo com os padrões daqueles com quem se vão relacionando ao longo do seu processo de crescimento. É nos adultos que incido a minha atenção porque é neles que esta questão toma proporções particularmente graves, sem que nada se faça, numa lógica passiva e acrítica, amorfa e tipicamente lusa… Peguemos no exemplo do comportamento selvagem, sem regras nem limites, agressivo ou arrogantemente omnipotente dos pretensos adultos nas nossas fatais e perigosíssimas estradas. Se não quisermos ir tão longe, podemos confinar o nosso enfoque ao suposto doce lar onde o bem conceituado e respeitado marido agride física e/ou verbalmente a esposa perante os filhos, não sendo de forma alguma penalizado pelo impacto inquestionavelmente negativo que causa na vida dos que alegadamente ama. Até porque um homem que se preze ainda faz jus em ser boçal no comportamento, rude na linguagem, um macho latino dos antigos, um verdadeiro chefe da família! Poupem me! E depois há o que vergonhosamente vemos nos meios mediáticos. Os agredidos e abusados sexualmente que afinal são os que têm a culpa. E ainda há os que não têm uma ínfima poeira de descaramento e que, praticando crimes a sério, se vão pavoneando, dando autógrafos, incólumes e destituídos de sentimentos de culpa — “aquilo” que é muito específico da nossa espécie e que caracteriza um dos seus aspectos mais evoluídos — e, portanto, daquela responsabilidade de que falava no início e que é, repito, uma pedra angular para um crescimento emocionalmente saudável, aquele que queremos que os nossos filhos tenham. Para que este objectivo seja efectivamente atingido, nós, pais/educadores, temos de estar presentes, conscientes de que tudo o que fazemos tem repercussões, por exemplo, nos que amamos (ou deveríamos amar) e que, perante os nossos actos negativos, existem o remorso e a capacidade de reparação. E a propósito de culpa e porque Outubro inicia um longo período em que essa mesma palavra aparece reiteradamente desculpabilizada em termos discursivos, associada ao tempo ou à falta dele para justificarmos as nossas frias ausências e distâncias familiares, proponhamo-nos a termos uma postura diferente face ao tempo, apesar de já mergulhados compulsivamente na rotina do dia a dia. Deixemos de alegar que a culpa é de uma variedade infinita de circunstâncias adversas cujo controlo nos escapam. Isto porque, anestesiados pela ausência de culpa, sem tempo, não somos família, pais, amigos, paroquianos, pastoral, colegas, vizinhos, pessoas. Ora, o que temos de fazer é desafiar corajosamente o tempo cronológico de forma a sermos Tempo para a nossa família, os nossos filhos, os que estão próximos, os que precisam de nós, para os nossos projectos, para a nossa espiritualidade, para a nossa acção e para o nosso silêncio. Sermos Tempo para os outros, para nós. Sejamo lo e que o nosso exemplo ilumine o nosso meio, contagie os que connosco privam, se multiplique inspiradamente na nossa diocese. Helena Guimarães Departamento Arquidiocesano da Pastoral Familiar
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