Arquidiocese de Braga -

18 dezembro 2005

A Caridade, estilo pastoral de Frei Caetano Brandão

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D. Jorge Ortiga

\nNa Eucaristia de Encerramento do Colóquio Comemorativo do Bicentenário da Morte de Frei Caetano Brandão O tempo de Advento ajuda a compreender a pessoa e a missão episcopal de Fr. Caetano Brandão e o exemplo deste deve continuar vivo como estímulo ao valor indestrutível dum amor vivido e concretizado numa opção preferencial pelos pobres. É do conhecimento geral a sua renúncia e venda de coisas supérfluas para poder responder a situações de carências em respostas institucionais ou a casos pessoais. Na verdade, ainda hoje, deveríamos aceitar a sua vida como testemunho eloquente da importância e da força da caridade. A caridade é essencial para a Igreja e deve estar “antes” do seu agir. Sem caridade não há Igreja e a esperança desvanece-se fazendo com que a fé perca significado. Tudo é vazio sem o amor. Importa, porém, entender a caridade. Ela concretiza-se em acções realizadas em favor dos outros, mas é mais do que isso. Se é uma virtude humana e cristã, é, essencialmente, uma Pessoa: é o Bem em si, o Amor de Deus, o Amor que é Deus pois, como afirma S. João, “Deus é amor” (Jo. 4,8). Só daqui podemos partir para um duplo serviço. Em primeiro lugar deveremos aprofundar, cada vez mais, a consciência de que a primeira missão do cristão está em ser sinal e instrumento de Jesus Cristo, do Seu amor pelo mundo, ou seja, do Seu serviço em favor de toda a humanidade. Jesus pede aos Seus discípulos que, dum modo gratuito e incondicional, coloquem ao serviço do povo o seu tempo, as suas energias, as suas capacidades, o seu coração sensível, sua palavra, toda a sua vida para que Cristo continue a ser o Servo de Javé que dá a vida pelo povo. Ele quer salvar o homem, a história concreta, o mundo nos seus enigmas. Por outro lado, o amor do cristão tem de ser interpretado como um amor a Cristo. É Cristo o sujeito do agir e é Ele o objecto a quem se dedica a vida. Trata-se dum serviço à pessoa de Cristo nas pessoas que Ele ama e com as quais se identifica. Ele encontra-se em qualquer ser humano que tem necessidade de ajuda, de conforto, de compaixão, de paz, de tranquilidade. Quero, a propósito, recordar umas palavras do Papa Paulo VI na Encíclica Laborem Exercens. “O amor preferencial pelos pobres constitui uma exigência intrínseca do Evangelho da caridade e um critério de discernimento pastoral na praxis da Igreja. Ele exige das nossas comunidades que tomem pontualmente em consideração as antigas e as novas pobrezas que estão presentes na actualidade ou se apresentam como “desafio futuro” (L. E. 8). Isto exigirá que as nossas preferências se situem nos “últimos” que são aqueles que estão privados do essencial: saúde, casa, trabalho, salário familiar, acesso à cultura. Quando este critério entra nas nossas opções pessoais e comunitárias, descobrimos a importância e o valor do bem comum como sinal identificativo. Em Igreja tornamo-nos credíveis quando conseguimos servir e libertar os últimos da opressão de variadíssimos factores de índole política, económica, ideológica, social. Nas pegadas de D. Fr. Caetano Brandão, teremos de continuar a interpretar quotidianamente a parábola do Bom Samaritano que exige de nós: - Colocar-se a caminho para percorrer as estradas e as praças, os lugúrios entrar nas casas, encontrar-se com as pessoas sem pão, sem trabalho, sem saúde, sem liberdade, sem alegria. - Aperceber-se dos problemas, autênticos desafios que não podem deixar-nos tranquilos. - Coragem de parar, esquecendo as ocupações, de fazer-se próximo de quem sofre, oferecendo o calor da presença humana e assumindo os encargos que o sofrimento poderá exigir. - Envolver outras instituições, como o Samaritano que teve de recorrer a uma estalagem, hoje teremos de encaminhar para estruturas que existem para dar respostas. A comunidade faz o que pode. Há outras instituições que devem assumir as suas responsabilidades. Só em complementaridade conseguimos uma Sociedade mais justa. Vivo preocupado com o desemprego. Ele alastra em estatísticas alarmantes. Com ele vem muita miséria e são sempre os mais pobres aqueles que não conseguem encontrar outros caminhos. Se a caridade nos obriga a ir ao encontro, teremos de o efectuar numa perspectiva muito clara e nítida. Partimos de Cristo, sendo a Sua presença, para O amor nos outros e interpretamos a vida trinitária como o modelo da sociedade na qual acreditamos. Sabemos que Deus é família e que o mundo deve ser uma única família. Para isso, as paróquias terão de criar condições para que todos os lares sejam de encanto e dignidade. A quadra do Advento e do Natal reclamam um olhar sereno sobre muitas situações familiares anómalas. Não é suficiente uma noite onde nada falta ou, quem sabe, até abunda. A vida é feita para todos e em todos os dias. Urge situar-se no realismo das nossas famílias e investir numa pastoral social capaz de resolver as causas das misérias. Não faltam oportunistas que vivem à custa dos outros refugiando-se em subterfúgios de maior ou menor habilidade. Se importa dar, é indispensável ajudar a pensar a vida, mostrar a exigência do trabalho que se encontra quando é procurado, apontar caminhos de recuperação humana e deixar palavras de esperança, na vontade de mudar muita coisa nos comportamentos diários. Sei que a pobreza tem muitos nomes e a miséria material é consequência de muitos outros factores. Era aqui que a Igreja e a sociedade deveriam investir. Nem sempre a solução estará no dar; muitas vezes está no exigir com a paciência que admite a certeza de que nada falta de essencial a quem trabalha. O bem estar não coabita com a negligência ou oportunismo. O Natal aproxima-se. Gostaria que fosse festa para todas as famílias e que estas se empenhassem, com esperança, em construir um futuro de alegria. Que o Fr. Caetano Brandão nos inspire para intuir os verdadeiros caminhos do Evangelho da Caridade. Sé Catedral – 18/Dez/2005 D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga, Arcebispo Primaz