Arquidiocese de Braga -

20 junho 2006

Para orientar a família na pós-modernidade

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Departamento da Pastoral Familiar

\nDiscursivamente são duas constelações de sentido em crise. Diria inclusivamente que já atingiram o estatuto de lugares comuns as expressões crise da família, crise dos valores. Se atentarmos na etimologia da palavra crise, que reenvia para a mudança, então esta consciência agudiza se pela necessidade de resolver esta questão, que se vai arrastando sem que nada ou pouco se faça para enfrentá la. Se não vejamos: interroguemo-nos sobre o que temos feito para contrariar, mudar este status quo. O que tenho eu feito a fim de ajudar a solucionar a crise da família, a crise dos valores, a crise dos valores da família, a crise dos valores na família? As respostas, se revestidas de honestidade, podem ser inquietantes, desarmantes, inclusivamente angustiantes. A IV Jornada Diocesana da Pastoral Familiar justificou se porque acreditamos na possibilidade de mudança, porque acreditamos na família, na diversidade dos seus moldes actuais, porque acreditamos nos valores, porque acreditamos nos valores na família e da família, porque acreditamos numa família portadora e transmissora de valores. Sim, temos consciência da realidade que nos cerca e nos condiciona. Sim, estamos conscientes das dificuldades inerentes ao nosso desafio, ainda que movidos por uma fé que pretendemos inabalável e uma vontade férrea de fazer algo quanto a esta problemática. Através da linguagem, procuramos, nesta jornada, analisar lucidamente os problemas sob uma pluralidade de pontos de vista e tendo em consideração a complexidade indissociável da pluriculturalidade da sociedade contemporânea. Evidentemente que não podemos obliterar a linguagem, nem o seu papel e a sua omnipresença nos nossos contextos de origem. A linguagem, mecanismo complexo que usamos para comunicar, é também veículo privilegiado para partilhar valores na família, da família, dado que, apesar da alienação da família em relação a aspectos muito particulares da vida humana, a instituição familiar continua a ser o primeiro contexto de aprendizagem para as pessoas, crianças e adultos. A linguagem é hoje palco inquietante de valores que não dignificam ninguém, sobrevalorizando quase exclusivamente, mormente em meios mediáticos, duas palavras chave do mundo em que nos inscrevemos: o dinheiro e o prazer. Repetimo nos incessantemente, infatigavelmente, dizendo que queremos ter, queremos comprar e reduzimos muitas vezes os nossos objectivos de vida a metas quantificáveis pela materialidade: ter um bom carro; ter uma boa casa. Os mais novos nascem plasmados pela publicidade, pelo consumo exacerbado, encarcerados em ilusões de necessidades, impostas por mecanismos discursivos tiranizantes, pela nossa demissão em travar o que não se coaduna com aquilo em que acreditamos, com os nossos valores. Valores em vias de extinção? Valores imperecíveis? Valores atemporais? Valores que nos definem como pessoas, como família… Famílias que tenazmente perpetuam esses valores por que vale a pena lutar, viver, sonhar. Famílias que não existem sem valores, que se definem pelos valores, ou, pelo contrário, que definham ostensivamente por não terem valores. A família como valor. Todos são filões possíveis a perseguirmos, na senda das nossas crenças, das nossas convicções que passam necessariamente pela merecida valorização da família e dos valores. Neste enquadramento teórico, é inevitável falar da função humanizadora da família em relação à pessoa e à sociedade. D. António Marto, actual Bispo de Leiria, discorria, em 20 de Maio de 2005, sobre esta problemática, enfatizando a família, teia de relações interpessoais, como âmbito privilegiado de comunhão e participação, escola de sociabilidade e de humanismo. Efectivamente, comunidade de afectos, comunidade de vida, amor e educação (no dizer no Arcebispo Primaz D. Jorge Ortiga) a família, estruturando se no amor para crescer e sobreviver, favorece, com efeito ondulatório de difusão consequente, qual pedra que propositadamente atiremos para um qualquer lago, e com downloads de actualizações permanentes, atitudes de gratuidade (assentes em acolhimento, encontro, diálogo, generosidade, disponibilidade, solidariedade), atitudes de constante reconciliação (erigida na disponibilidade à compreensão, à tolerância, ao perdão), atitudes de respeito e promoção da singularidade pessoal, conducentes ao nosso equilíbrio afectivo. Das nossas famílias, construções em aperfeiçoamento constante, espera se que emanem comportamentos alicerçados no respeito pela dignidade pessoal de cada ser humano; no genuíno amor face aos demais, sobretudo aos portadores de maiores fragilidades; na responsabilidade, liberdade e consciência crítica e dialogante face à nossa sociedade pluralista; na firme vontade de “ser mais e melhor” em detrimento da propensão para o ter e poder sobre os outros, bem como para a fagia voraz e animalesca do prazer. Logo, grosso modo, o melhor que podemos oferecer aos nossos filhos, não são coisas, caras e de marca, mas valores humanos e humanizantes, que não passam de moda, que estruturam o seu crescimento saudável e equilibrado, que os fazem e farão felizes. O melhor que podemos fazer pelos nossos ascendentes é estarmos e sermos disponíveis agora, contagiando com essa nossa conduta os nossos filhos, em vez de, depois, lamentarmos as suas ausências quando já não estão entre nós. Não vestiremos, portanto, roupagens de vitimização nem infantilismo que, desresponsabilizando criminosos e culpados, os vão inocentando escandalosamente, com alarde mediático, na nossa sociedade. Consciencializarmo nos de que a ética da privacidade projecta valores que ameaçam a família é urgente. Basta referir, subjacente a essa ética, a ausência de comunicação, a supremacia da lógica hedonista, o trabalho como necessidade e não como caminho de realização pessoal ou como causa de serviço social, o culto do individualismo, a promoção do estoicismo, entre outros. Do outro lado da fronteira, temos uma ética da família que se rege por princípios de comunidade solidária, família ao serviço do amor cristão, da paz, da justiça e da verdade, da compreensão, do diálogo e do respeito, da caridade e por que não da austeridade e da contenção (contrariando o consumismo desenfreado, o capricho e o luxo), do espírito de trabalho e da alegria evangélica. Afigura-se-nos consensual que os valores cristãos são a resposta moderna a um mundo difuso de tanta poluição axiológica, em convulsões, à deriva, sem pontos de referência, sem certezas, nem clarividência. Em suma, o papel da família enquanto lugar de fecundação dos valores é de uma importância crucial. É sobretudo um desafio à família humana actual, que, estando ainda em construção, às voltas com as suas contradições, fragilidades, aspirações e esperanças, precisa desses mesmos valores para se entender a si mesma e se estruturar, para crescer solidamente resolvendo as suas crises com sucesso, assentando os seus alicerces na felicidade conjunta e de cada um dos seus elementos que a configuram, corajosamente, numa fé que os une, hoje e sempre. Helena Guimarães, Departamento Arquidiocesano da Pastoral Familiar de Braga