Arquidiocese de Braga -
1 junho 2007
O agir cristão e eclesial das Misericórdias
D. Jorge Ortiga
Eucaristia de abertura do VIII Congresso da Universidade das Misericórdias
\nA realização deste Congresso ocorre quando estamos a recordar os 40 anos da publicação da grande encíclica de Paulo VI, «Populorum Progressio». Aí o Papa sublinha a importância e urgência dum desenvolvimento integral que explicita na maravilhosa síntese de promoção humana para todos os homens e do homem todo trabalhando para superar as graves desigualdades sociais e grandes diferenças no acesso aos bens essenciais. (Cf. n. 14)
Aqui podemos situar o campo de acção das Misericórdias, no passado, no presente e no futuro. Temos o dever de reconhecer uma dignidade humana para todos, numa predilecção ou opção preferencial pelos mais necessitados; simultaneamente movemo-nos para que a dimensão espiritual de todos os seres humanos acompanhe e motive as iniciativas de índole material.
A sabedoria da Igreja consignou esta dinâmica numa descrição da misericórdia vivida nas suas obras materiais e espirituais. O mundo moderno, e muitas vezes as exigências estatais, pretende empurrar-nos para o imediato e evidente das carências materiais como resposta mais ou menos importante. Esta atenção e acção é prioritária. Só que pode permanecer incompleta se não nos fixarmos noutras preocupações e, particularmente, no espírito que nos move. Aí está a originalidade e diferença entre as Instituições de matriz católica e as outras. Trata-se dum cuidado integral onde o espírito é contemplado.
O Papa Bento XVI, explicando esta orginalidade na recente viagem ao Brasil, afirma: «Não é uma ideolgia política, nem um movimento social e muito menos um sistema económico; é a fé em Deus Amor, incarnado, morto e ressuscitado em Jesus Cristo». Cada uma destas advertências merecia uma pequena palavra de explicação. Basta aceitar que é a fé em Deus Amor que nos entusiasma e identifica. Daí que a nossa acção social deveria ser Cristo a agir em nós, como sujeito, e a ser encontrado em todos, como destinatários. Trata-se duma simbiose maravilhosa que nem sempre pretendemos alcançar. Tornando-se sinal e presença do amor de Deus somos portadores dum motivo de esperança e serenidade para todos num carinho especial para os marginalizados, excluídos, abandonados, numa palavra, para os pobres num sentido amplo, pois sabemos que a sociedade hodierna se caracteriza pela coexistência de muitas formas de pobreza, inclusive algumas novas.
Este amor a Cristo, num amor universal, e amor como Cristo, numa atenção a todas as dimensões das pessoas humanas, acontece na Igreja que o Papa João Paulo II definiu como «comunhão orgânica». O amor gera a comunhão e esta articula-se através dum conjunto orgânico de instituições e movimentos. Na verdade, o jardim da Igreja é este policromado conjunto onde a variedade das cores, numa autonomia plena, adquire beleza num enquadramento de unidade. Esta é o testemunho esperado nos tempos que correm e se há ou deve haver alegria em ser cristãos também deve haver idêntica alegria em ser Igreja.
Ninguém ignora como uma mentalidade laicista pretende empurrar o religioso para o âmbito da consciência, num intimismo que repugna com a vocação de ser «luz». O mesmo espírito laicista quer que sejamos como todos os outros e que retiremos qualquer sinal. A acção social que a Igreja realiza, pelas suas instituições (e estas é que agem pois a Igreja não é algo meramente espiritual) deve ser dado a conhecer como tal. Nunca por vaidade ou vanglória. Só interessa um orgulho sadio de trabalhar por Cristo, em Igreja.
Um Congresso é sempre momento propício para equacionar problemas e discernir as melhores soluções. Os problemas são complexos e os novos desafios podem sugerir algum desânimo ou desencanto. Talvez não fuja à verdade, se disser que, muitas vezes, apetece abandonar o barco.
Um voluntariado cristão, e quero homenagear e rezar pelas intenções das Mesas Administrativas, não se detém perante as dificuldades. Se na verdade, estamos no projecto de Misericórdias marcadas pelo dever de testemunhar o Amor de Deus e assegurar que a Igreja quer estar com os necessitados através da vivência de todas as Obras de Misericórdia (corporais e espirituais), as dificuldades entusiasmam-nos e ajudam a descobrir novas energias. Não nos dispensam dum sério exame de consciência sobre o nosso modo de responder, mas, porventura corrigindo opções e ouvindo hipotéticas críticas, lançam-nos em novos projectos na certeza de que, se trabalhamos por Deus, os resultados acontecerão.
Maria, no Lar de Nazaré, cuidou de Jesus como criança, adolescente e adulto, e S. José dedicou uma solicitude às pequenas coisas permitindo uma convivência verdadeiramente humana. A festa da Visitação mostra- -nos o exemplo de quem não está à espera que lhe solicitem alguma coisa. Sai de si, desinteressadamente, ultrapassa as montanhas do inesperado para servir e acompanhar Isabel. Que ela sugira, durante este Congresso, as novas necessidades dos dias de hoje e faça com que as Misericórdias ousem apostar nelas por verdadeiro amor, o único que é capaz de capitalizar dividendos. Não haverá áreas novas nas quais é necessário investir? Os gritos da humanidade que espera auxílio serão só aqueles que já estamos cansados de ouvir?
Sem me intrometer nos vossos trabalhos, permiti o atrevimento de referir que pode haver algo de novo a fazer. Que Maria, a Mãe da Humanidade, a Visitadora dos necessitados seja a vossa companheira de jornada para discernir os apelos de Cristo. Rezarei para que isso aconteça.
Sé Catedral, 31-05-07
+ D. Jorge Ortiga, A. P.
Aqui podemos situar o campo de acção das Misericórdias, no passado, no presente e no futuro. Temos o dever de reconhecer uma dignidade humana para todos, numa predilecção ou opção preferencial pelos mais necessitados; simultaneamente movemo-nos para que a dimensão espiritual de todos os seres humanos acompanhe e motive as iniciativas de índole material.
A sabedoria da Igreja consignou esta dinâmica numa descrição da misericórdia vivida nas suas obras materiais e espirituais. O mundo moderno, e muitas vezes as exigências estatais, pretende empurrar-nos para o imediato e evidente das carências materiais como resposta mais ou menos importante. Esta atenção e acção é prioritária. Só que pode permanecer incompleta se não nos fixarmos noutras preocupações e, particularmente, no espírito que nos move. Aí está a originalidade e diferença entre as Instituições de matriz católica e as outras. Trata-se dum cuidado integral onde o espírito é contemplado.
O Papa Bento XVI, explicando esta orginalidade na recente viagem ao Brasil, afirma: «Não é uma ideolgia política, nem um movimento social e muito menos um sistema económico; é a fé em Deus Amor, incarnado, morto e ressuscitado em Jesus Cristo». Cada uma destas advertências merecia uma pequena palavra de explicação. Basta aceitar que é a fé em Deus Amor que nos entusiasma e identifica. Daí que a nossa acção social deveria ser Cristo a agir em nós, como sujeito, e a ser encontrado em todos, como destinatários. Trata-se duma simbiose maravilhosa que nem sempre pretendemos alcançar. Tornando-se sinal e presença do amor de Deus somos portadores dum motivo de esperança e serenidade para todos num carinho especial para os marginalizados, excluídos, abandonados, numa palavra, para os pobres num sentido amplo, pois sabemos que a sociedade hodierna se caracteriza pela coexistência de muitas formas de pobreza, inclusive algumas novas.
Este amor a Cristo, num amor universal, e amor como Cristo, numa atenção a todas as dimensões das pessoas humanas, acontece na Igreja que o Papa João Paulo II definiu como «comunhão orgânica». O amor gera a comunhão e esta articula-se através dum conjunto orgânico de instituições e movimentos. Na verdade, o jardim da Igreja é este policromado conjunto onde a variedade das cores, numa autonomia plena, adquire beleza num enquadramento de unidade. Esta é o testemunho esperado nos tempos que correm e se há ou deve haver alegria em ser cristãos também deve haver idêntica alegria em ser Igreja.
Ninguém ignora como uma mentalidade laicista pretende empurrar o religioso para o âmbito da consciência, num intimismo que repugna com a vocação de ser «luz». O mesmo espírito laicista quer que sejamos como todos os outros e que retiremos qualquer sinal. A acção social que a Igreja realiza, pelas suas instituições (e estas é que agem pois a Igreja não é algo meramente espiritual) deve ser dado a conhecer como tal. Nunca por vaidade ou vanglória. Só interessa um orgulho sadio de trabalhar por Cristo, em Igreja.
Um Congresso é sempre momento propício para equacionar problemas e discernir as melhores soluções. Os problemas são complexos e os novos desafios podem sugerir algum desânimo ou desencanto. Talvez não fuja à verdade, se disser que, muitas vezes, apetece abandonar o barco.
Um voluntariado cristão, e quero homenagear e rezar pelas intenções das Mesas Administrativas, não se detém perante as dificuldades. Se na verdade, estamos no projecto de Misericórdias marcadas pelo dever de testemunhar o Amor de Deus e assegurar que a Igreja quer estar com os necessitados através da vivência de todas as Obras de Misericórdia (corporais e espirituais), as dificuldades entusiasmam-nos e ajudam a descobrir novas energias. Não nos dispensam dum sério exame de consciência sobre o nosso modo de responder, mas, porventura corrigindo opções e ouvindo hipotéticas críticas, lançam-nos em novos projectos na certeza de que, se trabalhamos por Deus, os resultados acontecerão.
Maria, no Lar de Nazaré, cuidou de Jesus como criança, adolescente e adulto, e S. José dedicou uma solicitude às pequenas coisas permitindo uma convivência verdadeiramente humana. A festa da Visitação mostra- -nos o exemplo de quem não está à espera que lhe solicitem alguma coisa. Sai de si, desinteressadamente, ultrapassa as montanhas do inesperado para servir e acompanhar Isabel. Que ela sugira, durante este Congresso, as novas necessidades dos dias de hoje e faça com que as Misericórdias ousem apostar nelas por verdadeiro amor, o único que é capaz de capitalizar dividendos. Não haverá áreas novas nas quais é necessário investir? Os gritos da humanidade que espera auxílio serão só aqueles que já estamos cansados de ouvir?
Sem me intrometer nos vossos trabalhos, permiti o atrevimento de referir que pode haver algo de novo a fazer. Que Maria, a Mãe da Humanidade, a Visitadora dos necessitados seja a vossa companheira de jornada para discernir os apelos de Cristo. Rezarei para que isso aconteça.
Sé Catedral, 31-05-07
+ D. Jorge Ortiga, A. P.
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