Arquidiocese de Braga -

1 junho 2007

Um Congresso para a modernidade

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D. Jorge Ortiga

Na abertura do VIII Congreso da União das Misericórdias

\nUma análise sumária da realidade recente permite uma formulação sintética afirmando que vivemos uma época de mudanças. A evolução histórica situou-nos num contexto diferente e fomos desafiados a discernir modelos novos para uma actualização permanente.
Hoje, assim o entendo, já não podemos falar de época de mudanças. Seremos realistas se afirmarmos que estamos numa mudança de época. Neste contexto já não bastam as adaptações. Torna-se necessário perscrutar as interpelações a exigirem respostas totalmente diferentes para não correrem o risco de serem desenquadradas e de provocarem opções que, rapidamente, serão inadequadas.
Importa, por isso, que as pessoas, e particularmente as instituições procurem redefinir a sua identidade na fidelidade à tradição mas na ousadia duma compreensão nova da realidade.
As Misericórdias primaram por uma permanente renovação que lhes permitiu continuar a conservar a juventude de ideais mesmo numa história multissecular. Por esse trabalho estão e querem conti-nuar a estar na modernidade com um estilo de respostas que, inserindo-se num contexto de excelência igual a tantas outras instituições, abraçam outras exigências que as distinguem.
Como Associações Públicas de Fiéis da Igreja acolhem a orientação do magistério papal. Peço, por isso, licença para, no início deste Congresso, referir duas características que definem o perfil específico da actividade caritativa da Igreja. São palavras do Papa Bento XVI, na sua maravilhosa encíclica, «Deus caritas est».
Em primeiro lugar, importa testemunhar uma competência profissional. Só que «a competência profissional é uma primeira e fundamental necessidade, mas por si só não basta. É que se trata de algo mais que um tratamento apenas tecnicamente correcto: têm necessidade de humanidade, precisam da atenção do coração. Todos os que trabalham nas instituições caritativas da Igreja devem distinguir-se pelo facto de que não se limitam a executar habilidosamente a acção conveniente naquele momento, mas dedicam-se ao outro com as atenções sugeridas pelo coração, de modo que ele sinta a sua riqueza de humanidade. Por isso, para tais agentes, além da preparação profissional, requer-se também e sobretudo a «formação do coração»: é preciso levá-los àquele encontro com Deus em Cristo que neles suscite o amor e abra o seu íntimo ao outro de tal modo que, para eles, o amor do próximo já não seja um mandamento por assim dizer imposto de fora, mas uma consequência resultante da sua fé que se torna operativa pelo amor» (cf. Gal 5,6).
Por outro lado, «a caridade não deve ser um meio em função daquilo que hoje é indicado como proselitismo. O amor é gratuito; não é realizado para alcançar outros fins. Isto, porém, não significa que a acção caritativa deva, por assim dizer, deixar Deus e Cristo de lado. Sempre está em jogo o homem todo. Muitas vezes é precisamente a ausência de Deus a raiz mais profunda do sofrimento. Quem realiza a caridade em nome da Igreja, nunca procurará impor aos outros a fé da Igreja. Sabe que o amor, na sua pureza e gratuidade, é o melhor testemunho do Deus em que acreditamos e pelo qual somos impelidos a amar. O cristão sabe quando é tempo de falar de Deus e quando é justo não o fazer, deixando falar somente o amor. Sabe que Deus é amor (cf. Jo 4,8) e torna-Se presente precisamente nos momentos em que nada mais se faz a não ser amar. Sabe – voltando às questões anteriores – que o vilipêndio do amor é vilipêndio de Deus e do homem, é a tentativa de prescindir de Deus. Consequentemente, a melhor defesa de Deus e do homem consiste precisamente no amor. É dever das organizações caritativas da Igreja reforçar de tal modo esta consciência em seus membros, que estes, através do seu agir – como também do seu falar, do seu silêncio, do seu exemplo -, se tornem testemunhas credíveis de Cristo».
Faço votos para que este Congresso seja mais uma oportunidade para centralizar o específico das Misericórdias situando-as nesta época nova, que assumimos, talvez redimensionando, cabalmente os seus contornos, e a que daremos um carácter imperecível de modernidade se não esquecer--nos que «a melhor defesa de Deus e do homem consiste precisamente no amor», e isto porque Deus é amor e o homem, criado à Sua imagem e semelhança, também o deve ser. É aí que a identidade se define, é com amor que ela se realiza e é através da fantasia duma caridade, que tem tantas facetas quantas as necessidades humanas, que saberemos ser de hoje e sempre. Na verdade, só o amor permanece. Tudo passa mas, não o esqueçamos. Só um Amor transparência de Deus enfrentará todas as controvérsias.
Que este Congresso, nas comunicações e nos diálogos, percorra este caminho. Nunca mais pararemos perante o muito que é necessário efectuar pois o ser humano merece tudo.
Como Arcebispo de Braga e, permitam-me que o faça, como Presi-dente da Conferência Episcopal Portuguesa, bom trabalho, boas conclusões e, sobretudo, muita vida nova na fidelidade a um ideal com muita e nobre história.
Braga, 31-05-07
+ D. Jorge Ortiga, A. P.