Arquidiocese de Braga -

15 julho 2007

O Sacerdócio como dom e compromisso

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D. Jorge Ortiga

Ordenações -- Igreja do Seminário

\nA Igreja do Seminário é o local ideal para as ordenações. As dificuldades provocadas pela exiguidade do espaço são compensadas pela simbologia duma Igreja que gera para o serviço na responsabilidade de dar vida a uma história multissecular.
Programa Pastoral: 2007-08
Neste contexto, reassumimos o itinerário que a Igreja Arquidiocesana quer percorrer no seu Plano Pastoral. Recordando o meu oitavo ano de ministério episcopal à frente desta amada Arquidiocese, invoco Santa Maria de Braga para que, à sua semelhança, nos conceda o dom de, em tempos de difíceis caminhadas, ousarmos oferecer ao mundo a alegria de ser discípulos e missionários de Cristo. É tarefa de todos os baptizados na certeza de que tudo depende do modo como os sacerdotes encaram o seu ministério sacerdotal. Deles, depende a consistência do Reino de Deus como anúncio dum mundo mais justo e fraterno.
Para o próximo ano Pastoral, queremos recolher os resultados duma sementeira que fomos efectuando no delinear duma Pastoral Familiar. Trabalhamos e agora trabalharemos para que a nossa Família Arquidiocesana seja constituída por «Famílias - dom e compromisso». Eis as duas palavras detentoras duma capacidade inovadora imprevisível. Basta apostar e colocar os apelos deste dualismo interdependente no quotidiano de toda a acção pastoral.
Este plano é para todos e cada um deve interpretá-lo à sua maneira, como consagrado ou leigo, individualmente ou em grupo. Alguma coisa é revelado nos subsídios que elaboramos; uma reflexão posterior saberá intuir outras dimensões ou segredos. Podem parecer enterrados. Importa escavar e retirar, diariamente, interpelações.
Em dia de ordenações aludo a algumas perspectivas particulares aplicando ao Sacerdócio essas duas características. Que quererá dizer o sacerdócio como «dom» e «compromisso»?
1 - O Sacerdócio como dom
1.1-- Sendo dom é algo a acolher tal e qual ele é. Não se trata de gostos pessoais ou de interpretações meramente subjectivas. A única atitude válida está na vigilância de quem sabe que o doador chega a qualquer hora e, quem sabe, em momentos imprevisíveis.
Senhor torna-nos Sacerdotes abertos ao Sacerdócio que quereis para hoje.
1.2 -- O acolhimento dum dom precioso solicita um ambiente propício. O dom do Sacerdócio passa pelo silêncio da escuta da palavra e dos gritos imperceptíveis das pessoas a quem se destina. Daí o sentido de união com Deus e, nesta comunhão, o reconhecer-se servo sempre disponível a dar de graça o que se recebeu de graça.
Importa que a Palavra esteja «perto de ti» (1.ª leitura -- Deut.) para que a ponhas em prática sabendo que só estará verdadeiramente «na boca» se estiver «no coração». Acolher o dom pode parecer impossível. Na oração compreende-se que «não está para além das forças».
Senhor concede-nos a ousadia de encontrar tempo para, na oração, compreender o sacerdócio ao serviço do nossos povos.
1.3 -- Hodiernamente torna-se fácil confundir o dom com coisas que o disfarçam. O dom do sacerdócio é Cristo que se acolhe e Cristo que se dá. Nada tão simples e tão complicado. Simples porque sabemos o caminho a percorrer; complicado porque as sereias do conformismo mundano ameaçam permanentemente e procuram colocar-nos noutros âmbitos.
Senhor permite que não nos contentemos com outras imitações ou estatutos próprios.
1.4 -- A preciosidade do dom a acolher exige que o situemos na casa da Trindade, o que supõe que mergulhemos na vida sacerdotal como gosto pelo encontro com os outros para saborear a presença do mesmo dom, ultrapassando atitudes clericais ou de autoritarismo, -- na relação com os leigos -- e comportamentos isolacionistas com os outros sacerdotes.
Senhor, dá-nos a graça de reservar tempo para estar uns com os outros não só por motivo de trabalho mas para a oração e reflexão em comum conducente a uma espiritualidade colectiva.
2 - Sacerdócio como compromisso
2.1 -- Sendo dom, deve tornar-se compromisso, livremente aceite mas responsavelmente vivido. O sacerdote é um comprometido com a causa de Deus e dum modo permanente e estável. Não se trata de compromissos ocasionais, esporádicos, temporários; a vida está impregnada desta lógica desde a juventude até à entrega da vida.
O compromisso não é situacionista ou seja para determinadas ocasiões ou quando convém. Trata-se da fidelidade que deveria acompanhar o sacerdote na sua dimensão pública ou privada. Sempre e em qualquer lugar a sua pessoa está desafiada à doação incondicional.
2.2 -- Como princípio intrínseco da sua vocação, recebida como dom, o compromisso acontece na Igreja e em nome da Igreja. Na Igreja, pois prossegue um itinerário que está na sua sabedoria e na fidelidade às suas orientações; em nome da Igreja por um estilo que não teme ser diferente nem encarar-se com hipotéticas controvérsias com o mundo. O Sacerdote ultrapassa-se e acredita que o Espírito o conduz e ele deixa-se, responsavelmente, conduzir pela Igreja.
Como compromisso é, também, exercido em favor do Povo de Deus. Esta é a nossa opção e exige atenção constante aos sinais interprelativos que nunca são exigências extemporâneas mas espaço para dar a vida com alegria.
2.3. -- O compromisso com o Povo, segundo o Evangelho, é o nosso Povo concreto. Aconteceu uma mudança cultural que atingiu os seus critérios e opções. Daí que o nosso serviço deve partir do reconhecimento humilde para voltar a gerar a fé que pode estar adormecida ou misturada com tradições rotineiras e sem profundidade. Muito do nosso Povo ainda não situou a sua fé neste tempo. Sabemos que ela é algo de dinâmico numa fidelidade grande mas a suscitar interpelações diferentes. Deus caminhou com o seu povo e foi respondendo a situações diferentes conforme as necessidades concretas. Deus continua a querer agir respondendo a problemas novos e a Igreja, como Povo de Deus e particularmente nos seus sacerdotes, deve ser proposta duma via diferente. Não nos acondicionamos ao mundo. Ouvimos os seus dramas e perplexidades e, na oração e Palavra de Deus meditada, intuimos a proposta, que não é nossa, e que porque «nova», necessariamente, deve ser diferente. Para ser diferente não necessita de ser condenatória ou autoritária. Caminhamos com o povo, prosseguindo a Luz do Alto, e edificamos comunidades comprometidas com o Evangelho. Estar com o mundo e com os seus labirintos existenciais não significa ser do mundo. Isto nunca por presunção ou como possuidores únicos e exclusivos da verdade. É por obrigação e exigência de fidelidade que não teme apresentar a notícia feliz duma maneira original de ser homem ou mulher circundado por tantas propostas mas que ousa seguir o estilo sempre novo de Cristo.
Regressando ao Programa Pastoral, sinto de convocar todos os crentes, individualmente ou, dum modo especial, como famílias, para esta redescoberta da vida familiar como um «dom» e como um «compromisso».
Auguro que todas as comunidades, com o serviço sempre renovado dos sacerdotes, sejam capazes de descobrir os conteúdos imensos de cada uma destas palavras. Teremos de recolher o resultado de três anos de pastoral diocesana dedicados à família. Serão, assim o espero, perspectivas de caminhos novos para a pastoral familiar que teremos de percorrer. Não olhemos para o cansaço ou para as frustrações. Deixemos o pessimismo que não encontra nada de válido nas nossas comunidades. Acreditemos. É chegada a hora de actos concretos. Nenhuma paróquia se pode escusar. A umas o Espírito pede muito; a outras talvez pouco. O nada é que não se compreende nos tempos que passam. Por outro lado, potencializemos o pouco de muitas comunidades com um trabalho inter-paroquial ou zonal. Não temos um esquema uniforme. Cada arciprestado é diferente. Com o empenho de todos, as diferenças tornarão mais belo o conjunto.
Caríssimos ordenantes, é este o caminho que vos espera. Uma pastoral renovada é apaixonante. Mas, sejamos sinceros, antes da pastoral colocai Cristo que Vos amou em primeiro lugar. Parti, sempre, d’Ele. Ancorados nesta experiência de intimidade, garanto-vos, que proclamareis a Beleza de Deus e saboreareis a grandeza dum Sacerdócio vivido em serviço por amor. Maria Vos ensine a compreender este sacerdócio para hoje. Como servo, estarei ao vosso lado para que isso aconteça.

15-07-07

+ D. Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz