Arquidiocese de Braga -

1 janeiro 2008

A esperança não é vaga utopia

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D. Jorge Ortiga

Família humana, comunidade de paz

\nO início dum novo ano sugere-nos a ideia duma caminhada. Caminhada que se entende como projecto ou como andar à deriva.
O Papa Bento XVI, na sua última encíclica Spe Salvi, recorda-nos: “A vida humana é um caminho. Rumo a que meta? Como encontramos o itinerário a seguir? A vida é como uma viagem no mar da história, com frequência enevoada e tempestuosa, uma viagem na qual perscrutamos os astros que nos indicam a rota. As verdadeiras estrelas da nossa vida são as pessoas que souberam viver com rectidão. Elas são luzes de esperança. Certamente, Jesus Cristo é a luz por antonomásia, o sol erguido sobre todas as trevas da história. Mas, para chegar até Ele, precisamos também de luzes vigilantes, de pessoas que dão luz recebida da luz d’Ele e oferecem, assim, orientação para a nossa travessia.” (N. 49)
Como humanos e crentes reconhecemos que a história hodierna nos aterroriza e iniciar um novo ano pode meter medo. Na verdade, o contexto social, por muito que nos digam, está carregado por densas nuvens que geram perplexidade e timidez. Parece que a vida perdeu o encanto e muitos começam a resignar-se pelo inevitável deixar correr e aproveitar o que ainda existe de bom.
Conhecedor profundo dos meandros desta história, o Santo Padre acaba de lançar um desfio apelando à urgência da vitória da esperança sobre o desânimo. Cristo entrou na história humana e, com Ele, é possível acordar para a realidade dum mundo melhor.
Duas atitudes são sugeridas pelo Santo Padre: “ser capazes da grande esperança e ser ministros da esperança para os outros”.
Olhamos para nós e sabemos que a nossa esperança é e será, sempre, esperança para os outros. Desta dupla atitude de esperança pessoal aliada à responsabilidade de ser ministro da esperança resulta uma nova concepção da esperança que o Papa apelida de activa ou seja “que nos faz lutar para que as coisas não caminhem para o “fim perverso” e trabalhar para que o mundo se mantenha aberto a Deus”. Importa, como responsabilidade eclesial, reavivar a esperança e tornar o mundo uma casa de serenidade e paz. A igreja poderá não fazer muitas coisas. Se for capaz de experimentar a esperança de Cristo e comunica-la ao mundo envolvente está correspondendo às exigências actuais.
1 - Esta esperança activa supõe, como dizia o Papa, que o mundo se mantenha “aberto a Deus” o que acontecerá se os cristãos e as comunidades mostrarem um Deus vivo, “que possuiu um rosto humano e nos amou até ao fim”. Só Ele é a esperança no meio de tantas esperanças. “Quando já ninguém me escuta, Deus ainda me ouve. Quando já não posso falar com ninguém, nem invocar mais ninguém posso sempre falar com Deus. Se não há mais ninguém que me possa ajudar – por tratra-se de uma necessidade ou de uma expectativa que supera a capacidade humana de esperar – Ele pode ajudar-me. Se me encontro confinado numa extrema solidão… jamais estarei totalmente só”. (S.S.nº 32)
Aqui está o verdadeiro segredo da esperança. Se o mundo não encara o futuro com serenidade, deve-se a esta recusa ou desconsideração de Deus. Por onde Ele passa e está, aí a luz aparece e a coragem retoma a sua pujança. Daí que a grande necessidade e a causa de parecer que o mundo se encontra num beco sem saída, é este indiferentismo ou agnosticismo, e se o mundo necessita de luz para recuperar o sentido, teremos de ser nós os Cristãos a levar a luz que recebemos de Cristo.
O tempo de Natal fala-nos de estrelas que orientam no seu silêncio os peregrinos da noite e daí que o cristão, nesta noite cultural, não possa fugir a esta sua vocação.
2 - Por outro lado, a esperança cristã, sendo activa, convida à luta contra tudo o que conduz a humanidade para um fim perverso cheio de ilusões e enganos. A luta não permite o conformismo e a adaptação ao mundo que outros vão criando. A esperança necessita de “diques” potentes que impeçam o dilagar de mentalidades e comportamentos que tudo justificam desde que alguns se aproveitem.
É neste contexto que devemos interpretar a mensagem do santo padre para este Dia Mundial da Paz: “Família humana, comunidade de Paz”. A Paz acontece quando se impõe a consciência da humanidade como família e quando se trabalha, quotidianamente, para que o mundo cresça como família. Nada nem ninguém nos é estranho. Tudo nos envolve e compromete. Nascemos dum único criador para regressar à Sua única casa e não podemos caminhar na indiferença ou hostilidade.
Desta consciência nova, muitas consequências podemos e devemos tirar. Algumas são referidas na mensagem do Papa. Selecciono uma de urgência particular.
Perante os riscos dum aquecimento global do planeta, teremos de, não só, exigir uma política ambiental criadora de futuro mas também crescer e viver em atitudes responsáveis pela protecção do clima.
A procura da paz, sinal do triunfo da esperança, obriga-nos a recuperar o dever de preservar a natureza como local proporcionador de verdadeira felicidade. Acontece que assistimos a Cimeiras, com bonitos discursos e conclusões bem elaboradas, onde as alterações climatéricas assustam com dados objectivos e repletos de verdadeiro realismo. Mas onde se encontram os comportamentos, individuais e de grupos, capazes de reagir e gritar bem alto o valor da natureza com todas as suas maravilhas, desde as florestas que não se respeitam como verdadeiros tesouros que estão a ser devorados não só pelos interesses mesquinhos dos incêndios mas pelo oportunismo voraz de quem não olha aos meios para se enriquecer? O cuidado e o critério no uso da água, como bem inestimável mas arbitrariamente desconsiderado, que se esgota sem se pensar nas alternativas está presente nas rotinas quotidianas? A luta não passará por uma cidadania vivida no respeito por todo o ambiente?
Perante o dever duma esperança são muitos os fins perversos contra os quais teremos de lutar sem medo ou complexos. Com este trabalho a esperança nasce e o mundo sente os seus efeitos.
A nossa esperança teologal, ou seja alicerçada em Deus, compromete-nos nas esperanças humanas históricas daqueles e daquelas que se enfrentam com dificuldade e conduz-nos para a atitude de luta por um mundo mais justo, colocando-nos do lado do sofrimento e, particularmente, dos excluídos da sociedade que Deus não esquece embora muitas vezes pareça. A esperança cristã é creditada na vida, transportando-a, e faz com que a Igreja infunda alento, confiança e serenidade a todos. Teremos, por isso, de encarar a responsabilidade duma pastoral da esperança de modo que, com empenho decidido, o que hoje parece utopia amanhã deixa de o ser.
Nesta combinação de Deus amado nas pessoas e de luta contra os fins perversos para que a esperança não esmoreça, quero deixar um pequeno pensamento recebido numa mensagem. Diz o seguinte: “Se Deus criou as pessoas, para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?”. Eis o segredo da esperança, pessoal e nacional. Importa amar as pessoas todas como rosto de Deus e servimo-nos das coisas como tesouros para todos num equilíbrio harmonioso. Não estaremos a percorrer um caminho inverso?
Maria, a Mãe de Deus e a Senhora da Paz, nos conceda o dom duma humanidade que é família. Aí caminharemos com esperança que a sociedade nos parece negar.
Sé Catedral – Dia Mundial da Paz/2008
† D. Jorge Ortiga, A.P.