Arquidiocese de Braga -

22 março 2008

Descobrir um novo rosto da Páscoa

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Fotografia

D. Jorge Ortiga

Vigília Pascal de esperança

Homilia do Senhor Arcebispo na Vigília Pascal

\nDurante a Quaresma, que agora termina, quisemos, em comunidade Arquidiocesana, percorrer um caminho pautado pelo exemplo de Jesus que “se fez pobre por nós”. A sua pobreza consistiu em doar-se totalmente para que vivessemos do “dom de Deus” que deveríamos conhecer. Paramos junto ao “Poço” das nossas ocupações quotidianas e saciamos a sede de infinito na busca dum encontro pessoal com Cristo.
1 – Cristo é o grande dom que a Igreja tem para oferecer
Nesta hora da Ressurreição proclamamos, em termos de autoconsciência eclesial e de anúncio ao mundo, que Cristo é o grande dom que a Igreja tem para si e para oferecer ao mundo. Houve um tempo em que alicerçávamos a missão da Igreja nos tesouros materiais e na potência da técnica. Importa que a mudança aconteça na mentalidade de todo o Povo de Deus para que Cristo se manifeste Vivo. Não podemos continuar a confundir o cristianismo com um conjunto de preceitos, um moralismo denso e confuso, uma doutrina teológica nem sempre compreensível para um mundo que raciocina através dum modelo cultural diferente. Cristo, e só Ele, é a pessoa que amamos pois nos escolheu e queremos seguir o seu estilo de vida que é de ontem, de hoje e de sempre.
Acolher Cristo para viver d'Ele torna-se um compromisso, procurado na oração e na vivência da palavra, de nos movermos para caminharmos numa vida nova. “Assim vós também considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus, em Jesus Cristo”. Como Cristo ressuscitou, “também nós vivamos uma vida nova” (Rom 6, 3-11).
2 – A vida nova de Cristo nas Famílias
O compromisso duma vida nova, onde Cristo resplandece, deve acontecer em cada um, com muito empenho e alegria, para chegar às famílias e, por estas, ao mundo inteiro. A aventura por Cristo é sempre pessoal, para se expressar em comunidades que a reforçam e sublinham. Daí que a vida nova é mensagem que ninguém poderá deixar de acolher.
Reanimemos as nossas famílias com este “sangue novo” - que é a vida de Cristo em cada um – e permitiremos que os lares cristãos sejam espaços de alegria e festa que não temem determinadas obrigações pois sabem que nunca são um peso mas ajuda para a felicidade autentica. Só um amor genuíno, pessoal, permanente, indissolúvel, fiel, permite alegria e gáudio perene.
Se esta experiência de Cristo Ressuscitado nos lares cristãos acontecer, verificaremos, como espontâneo, o dever de O anunciar. “Ide depressa dizer aos discípulos: “Ele Ressuscitou”. As mulheres que celebraram o encontro com Cristo partiram “cheias de medo e de grande alegria” e comunicaram o que enchia os seus corações. Também hoje e perante tantas forças adversas o medo é legítimo. Só que colocando “grande alegria” no anúncio, muitas famílias acordarão para esta realização que Cristo oferece.
3 – Partir para levar Cristo a todos os lares
O modo como vivemos a Páscoa entre nós, através do compasso, pode ser elucidativa. Para muitos, trata-se duma tradição onde uma cruz é acolhida em casa sem consciência e, muitas vezes, distracção e falta de respeito. Se o compasso for constituído por pessoas comprometidas – e quando chegaremos a famílias inteiras a desempenhar esta tarefa eclesial? – porque unidos no amor de Cristo, Este estará vivo e presente e tudo se tornará testemunho eloquente duma Ressurreição acontecida no passado e a acontecer permanentemente no esforço que os cristãos fazem por se identificarem com Ele. É esta proclamação que teremos de fazer.
Se a Visita Pascal significa encontro da Cruz do Ressuscitado com as famílias, é necessário que as comunidades se disponham para uma pastoral que deixa os espaços paroquiais e vai ao encontro dos problemas familiares para assegurar às famílias que a Comunidade as acompanha nos bons e maus momentos. Necessitamos de sair para a rua, não numa atitude de desespero ou devaneio pois protagonizamos uma salvação que é obra de Deus, nem muito menos de enfrentamento com quem pensa e vive diferente, ou de submissão onde dissimulamos as nossas exigências e diluímos a identidade perante o poder duma cultura laicista e hedonista. Necessitamos, sem dúvida, dum ordenamento jurídico adequado para poder viver de acordo com as nossas convicções sem pretender impor a ninguém a nossa vida. Continuaremos a contar com a liberdade de anunciar, sempre num ambiente de tolerância clara e convivência amigável, a nossa Boa Nova sem privilégios mas também sem discriminações. A missão da Igreja será sempre interna e externa com o intuito de mostrar que a nossa fé em Deus tem um rosto humano e oferece verdadeira alegria ao mundo.
4 – Só com cristãos convertidos a Páscoa acontece
Para esta acção permanente necessitamos de cristãos convertidos, amadurecidos na fé, convictos e com vontade dum encontro crítico com a cultura actual mas sem compromissos ou reduções mas capazes de influenciar todos os ambientes culturais, económicos, sociais e políticos e, deste modo, prontos a transmitir, com alegria, uma fé que encerra uma força geradora duma cultura cristã.
Esta é a “outra” Páscoa que necessitamos de descobrir e experimentar. Trata-se de algo novo e muito exigente o que reclama três atitudes:
- cuidar, mais e melhor, a iniciação cristã sistemática de crianças, jovens e adultos;
- anunciar o Evangelho da Família fazendo com que ela volte a ser verdadeira transmissora da fé às novas gerações.
- encarar, com outra responsabilidade, a Eucaristia dominical como encontro com o Ressuscitado que envia para a transformação do mundo.
5 – A Páscoa é salto que nega a morte
Conscientes destas três atitudes, em que consiste verdadeiramente a Páscoa?
A Páscoa é o salto ou a passagem da morte para a vida, não pela arte mágica de quem, simplesmente, volta à vida, mas pela força do amor, que é capaz de dar a vida. Assim, a festa da Páscoa é a festa do amor – é, antes de mais, a festa do Deus uni-trino.
Ora o amor é, na sua manifestação mais plena, doação de vida, agapê. Por isso, a raiz da festa da Páscoa é o dom: o dom da vida, como dom do amor. Nela, a vida é-nos dada, na medida em que é dada por amor; nela o amor é-nos dado, na medida em que somos amados até à morte. E a vida que nos é dada, como vida do amor, é-nos dada para ser vivida morrendo, para amar sem medida, sem cálculos, sem merecimentos, sem interesses, por puro dom gratuito.
Assim, a vitória da Páscoa, é a vitória do amor sobre o ódio, e não outra vitória qualquer. A vitória de cada Páscoa que acontece, na celebração anual que dela fazemos – ou na sua celebração dominical – é a vitória do amor em nós. É por isso, uma vitória que depende de que acolhamos o dom do amor, como dom de vida. Acolhimento que exige a recusa de outras ofertas de vida, que são simplesmente ofertas enganadoras e ilusórias.
Só o amor vence a morte, porque só o amor vive a morte de outro modo. Por isso, para a vida do amor, a morte não possui qualquer poder, porque é destituído o poder do pecado, origem da verdadeira morte. Nesse sentido, Quaresma e Páscoa, Paixão e Ressurreição, são a mesma festa, porque único é o mistério da nossa verdade e da nossa salvação. Uma separação desse mistério significaria a construção idolátrica de falsas vitórias, que conduziriam a uma vida sem amor, porque a uma vida sem paixão.
Na Páscoa tornamos real o facto escatológico de Deus ter colocado, para nós, o amor como caminho de ressurreição. Não há outro. Porque o amor é um caminho de beleza, de verdade e de bondade. E é, por isso mesmo, a nossa beleza, a nossa verdade e a nossa bondade. É isso que se nos mostra, realizando-se, na celebração do mistério Pascal. Toda a dinâmica do dom que nos liberta e do compromisso que assumimos não é mais do que a dinâmica do amor, caso contrário, seria uma dinâmica de morte e não de vida.
Na presença de Cristo ressuscitado quero rezar a Maria, a discípula e a apóstola, que viveu como ninguém a Ressurreição, pedindo-lhe que os nossos cristãos não permitam que a fé seja uma questão meramente privada mas que a tornem luz e força, presente na hora de assumir e viver as responsabilidades sociais, culturais, profissionais e políticas.
Celebremos, por isso, a Páscoa neste duplo dinamismo: um Cristo vivo em cada um que parte, serena e responsavelmente, ao encontro do mundo para lhe oferecer o grande dom do amor de Deus através da variedade dos compromissos que a vida encerra.
Cristo Ressuscitou para mim e para todos.
Proclamemos um “Aleluia” eterno que chegue a todos os lugares onde vivem os irmãos nossos.
Sé Catedral – Vigília Pascal, 22-03-2008
† D. Jorge Ortiga, A.P.