Arquidiocese de Braga -

25 janeiro 2009

Com S. Paulo promover a revolução cristã

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D. Jorge Ortiga

\nCompletam-se hoje cinquenta anos sobre o dia em que o Papa João XXIII, três meses após a sua eleição, anuncia que, tendo sido eleito e investido “na dúplice responsabilidade de Bispo de Roma e de Pastor da Igreja Universal, desejava propor, “com uma resolução humilde” a “dupla celebração dum Sínodo diocesano para Roma e de um Concílio Ecuménico para a Igreja Universal”.
Aquele que foi considerado por muitos como um Papa de transição e já idoso para dar continuidade ao grandioso trabalho de Pio XII, neste dia da conversão de S. Paulo e na Basílica a ele dedicada, suscita uma luz nova, uma esperança calorosa e uma experiência jovem e aberta ao futuro. Interessante verificar quanto escreve no seu diário “Diário da alma” que esperava elogios, apoios, encorajamento dos seus colaboradores mais próximos, quando aquilo que experimentou foi um “impressionante e devoto silêncio”. Teve coragem e dois anos mais tarde, na constituição Apostólica “Humanae Salutis”, convoca o Concílio e inicia-se uma nova época que marcou a história da Igreja recente e continua a deixar os seus apelos e desafios para a renovação da Igreja, qual conversão de S. Paulo, capaz de a tornar semente de esperança para o mundo.
Muitos objectivos e finalidades foram sugeridas. O próprio Concílio delineou o que se esperava
A grande constituição Apostólica “Gaudium et Spes” diz, num determinado momento: “Quer… o Concílio, à luz de Cristo, imagem de Deus invisível e primogénito de toda a criação, dirigir-se a todos para iluminar o mistério do homem e cooperar na solução das principais questões do nosso tempo” (GS 10).
Tendo presente quanto S. Paulo continua a dizer, depois do encontro com Cristo que se tornou a motivação das suas opções e de toda a sua vida, teremos de nos sentir interpelados pela alegre responsabilidade de percorrer os caminhos da sociedade moderna para proclamar a única Boa Nova. “Ai de mim se não evangelizar”. Não somos senhores da verdade mas reconhecemo-la em muitas realidades humanas como “sementes” que urge trabalhar para que se desenvolva. A vida de S. Paulo, como permanente viagem evangelizadora, estimula os cristãos e a Arquidiocese ao encontro com “todos” para, no dizer do Concílio, partindo de Cristo, “iluminar o mistério do homem” e “cooperar” na solução das graves perplexidades do nosso tempo. Nunca poderemos desconsiderar ou fugir às questões do mundo. Se a Igreja praticou a “fuga mundi”, hoje deve ser capaz de estar e penetrar no âmago das questões, qual lógica da incarnação, assumir quanto preocupa e inquieta e com a sua característica identidade chegar ao drama por excelência, ou seja, a incapacidade do homem moderno se encontrar consigo, com o seu mistério, e revelar, na e com a Palavra, o segredo duma vida feliz: Cristo. Cristo não retira a felicidade, mas plenifica-a; Cristo não impede de saborear as conquistas da modernidade mas dá-lhe sentido e a verdadeira proporção; Cristo não amarfanha o coração humano mas abre horizontes duma verdadeira fraternidade.
A festa que hoje celebramos pode ser interpretada como proposta à Igreja no sentido dum encontro mais consciente com o mundo moderno. Trata-se de “ir”, percorrer os meandros do mundo e chegar à vida de todas as criaturas, levando a Boa Nova que, para nós, é algo revelador dos mistérios humanos. Importa, como Paulo, aceitar o estatuto de “instrumento escolhido por Deus para levar o Seu nome ao conhecimento” daqueles que não o conhecem tornando-se verdadeiras “testemunhas” perante todos os homens daquilo que, em primeiro lugar, foi “visto” e ouvido”.
Partindo ao encontro do mundo não nos poderemos contentar com proclamar algumas crenças ou práticas religiosas que os outros, talvez instintivamente e por pressão ambiental, empurrarão para o âmbito do privado e do opcional. Cristo não foi um mero reformador dum judaísmo vigente. Apresentou-se como um enviado do Pai para inverter, revolucionar tudo com novos valores. Alguém dizia que a revolução de Jesus “era mais social que politica, uma revolução que apelava à conversão espiritual. Uma revolução social é aquela que inverte as relações sociais existentes entre as pessoas de determinada sociedade. A revolução política muda as relações de poder de uma sociedade, derrubando um governo e substituindo-o por outro” (Albert Nolan, Jesus Hope, Paulistas, 2008). Por aqui passa a revolução com que me sinto comprometido. Nunca, directa ou indirectamente, me preocupa, nas homilias ou encontros, a questão política como jogo de partidos. Olho para a vida entre as pessoas para que ousem relacionar-se fraternalmente e comprometer-se na luta por um mundo mais justo. A Igreja nunca faz política partidária. Propõe os valores em que acredita reconhecendo-os como alicerce duma convivência humana geradora de liberdade, igualdade e comum dignidade.
Regressando à ideia inicial do Papa que há cinquenta anos anunciou a intenção de convocar um novo concílio, creio que a centralidade da Palavra (D.V.), para uma Igreja Povo de Deus (L.G.), louvando Deus com alegria (S.C.), nos coloca ao serviço das “alegrias e tristezas” do mundo post moderno numa atitude de serviço a todas as pessoas através dum amor concreto que nos distingue e gera uma sociedade alicerçada na fraternidade universal. Este é o contributo que a Igreja deve dar à sociedade. A crise deixará de existir se os valores evangélicos voltarem aos corações e opções das pessoas. Desconsiderar estes valores dum humanismo integral, significa não só não resolver os problemas mas agravar e hipotecar o futuro.
Para Paulo a “conversão” marcou a sua história. Este novo ardor no partir ao encontro de tudo quanto é humano para oferecer a originalidade evangélica é o apelo da hora que passa.
Que S. Paulo nos ensine a mudar os critérios que orientam a vida das comunidades; que cresça o nosso amor pelo povo; que saibamos dar-lhe a revelação do “mistério” que somos; que nos comprometa, ainda mais, na cooperação com todos os homens e mulheres de Boa vontade na autêntica solução das principais questões. Façamo-lo com todos, ultrapassando as barreiras e criando pontes de unidade e comunhão com todos os cristãos, nesta semana de Oração pela Unidade, e com todos os membros doutras religiões num encontro inter-religioso feito de diálogo e anúncio.
Seminário de S. Pedro e S. Paulo, 25.01.2009
† D. Jorge Ortiga, A. P.